ARACAJU/SE, 25 de novembro de 2024 , 5:49:31

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Entenda como o petróleo vem potencializando o crescimento na Guiana

 

Na rua de acesso ao shopping Amazonia Mall, em Georgetown, é necessário caminhar frente a um córrego sujo para desviar dos automóveis que trafegam sem parar nos dois sentidos. Não há calçada até a entrada do shopping, mas, uma vez que se chega lá, a rua dá lugar a uma alameda de restaurantes de marcas americanas próxima a um estacionamento lotado. O ambiente muda de repente.

Tem sido assim na capital da Guiana, em especial nos últimos dois anos. Desde que as reservas de petróleo descobertas em 2015 na disputada região do Essequibo começaram a ser exploradas, o país vive uma transformação cada vez mais rápida. O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 63% em 2022, o maior crescimento do mundo, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), e a expectativa é que este ano a taxa supere 35%. Sem o petróleo, seria inferior a 8%.

Em um país de 780 mil habitantes, inferior a população do município de São José dos Campos (SP), e que até pouco tempo atrás figurava entre os mais pobres da América do Sul, o choque é inevitável. Quando descobriram o petróleo, a Guiana não possuía estradas duplicadas nem mesmo em Georgetown. Os portos não estavam preparados. A economia do país se baseava na agricultura, na pesca artesanal e no garimpo.

O petróleo atraiu investimentos do exterior de imediato. Somente a ExxonMobil, gigante americana que descobriu os poços, investiu mais de US$ 100 bilhões nos últimos oito anos. A Chevron, outra gigante do setor, anunciou um investimento de US$ 53 bilhões este ano.

E antes mesmo de o petróleo começar a ser explorado em 2018, três anos após a descoberta, estrangeiros começaram a desembarcar no país para investir. Hoje, empresas estrangeiras americanas, inglesas, chinesas e até brasileiras são responsáveis por obras de infraestrutura vistas como prioritárias pelo governo para escoar a produção do combustível e aproveitar a capacidade máxima das reservas. O aeroporto internacional Cheddi Jagan, em Georgetown, ainda um pequeno aeroporto se comparado aos padrões brasileiros, foi expandido e quatro mil leitos de hotéis estão em construção para permitir que a cidade receba mais gente. A previsão é que sejam concluídos em 2024.

O presidente do país, Mohamed Irfaan Ali, do Partido Progressista do Povo, diz buscar investimentos estrangeiros não apenas para poder aumentar a produção de petróleo, como também para desenvolver outros setores da economia e não ficar dependente de um único – um erro que no passado levou outras nações ricas em recursos naturais, incluindo a Venezuela, que reivindica a região do Essequibo como parte de seu território, a crises econômicas.

Como exemplos de investimentos, o governo cita os setores de construção civil, energia renovável, turismo e serviços. Os maiores shoppings da capital guianense, incluindo o Amazonia Mall, abriram nos últimos dois anos. “Nada disso existia. O entretenimento cresceu muito. Antes não tinha cinema, agora temos quatro”, comenta o taxista Owen Persaud, de 62 anos.

Persaud, nascido cinco anos antes da independência do país, percebe que o surgimento do petróleo causou a princípio mudanças que afetam a vida dos guianenses de forma positiva e negativa. Se por um lado Georgetown passou a ter mais serviços, por outro a chegada de estrangeiros piorou o trânsito da cidade de forma vertiginosa e elevou a inflação. Ele também tem a sensação que a cidade se tornou mais perigosa, com assaltos e tráfico de drogas mais frequentes. “Muito dinheiro passou a circular rapidamente aqui”, diz.

Os efeitos colaterais não diminuem o ímpeto da Guiana no investimento estrangeiro. A abertura do país está exposta em toda a Georgetown. No aeroporto Cheddi Jagan, cartazes convidam quem chega a procurar as oportunidades de investir no país. Na margem das rodovias e ruas da cidade, outdoors colocados em áreas descampadas anunciam negócios dos mais diversos possíveis, desde indústrias de concreto a oficinas exclusiva para veículos japoneses, que lotam a cidade.

Esses anúncios convivem com mensagens de precaução e expõem contradições que começam a surgir no país. O governo informa que o turismo na floresta amazônica do país é arriscado pela malária, uma doença que costuma atingir regiões pobres, e por serviços precários de saúde. Ir para o algumas zonas do interior do país também é perigoso pela falta de infraestrutura de transporte, tanto de estradas quanto de ônibus equipados. Em Georgetown, córregos de esgoto à céu aberto estão ao lado de novos empreendimentos, com perfis voltados à classe média alta estrangeira que chega a cidade e costuma se locomover apenas de carro.

Ciente das fragilidades, o governo começa a direcionar recursos provenientes do petróleo para investimento público. No orçamento deste ano, US$ 63 milhões foram destinados para a construção de seis hospitais regionais no país, incluindo um hospital pediátrico e uma maternidade. O projeto é executado pela empresa chinesa Sinopharm. Os investimentos na área de agricultura e habitações também cresceram, com os planos de melhorar a habitação em todo o país e diminuir em 25% as importações de alimentos dos países que fazem parte da Caricom (Comunidade do Caribe) até 2025.

Apesar dos investimentos, os valores estão muito abaixo do que a Guiana lucra com o petróleo. A estimativa para este ano era de US$ 1,63 bilhão proveniente de exportações e royalties, mas grande parte do recurso está em um fundo criado em 2019 para geri-lo e evitar que seja gasto de forma irresponsável, permitindo que o crescimento do país seja progressivo. O argumento é não desperdiçar em má gestão todo o potencial que o petróleo tem para transformar o país. Ainda é cedo demais para ver o que ele pode causar, diz os partidários de Irfaan Ali.

Não é possível saber se a maioria dos guianenses aprova o plano, mas alguns dizem entendê-lo. “Veja a Venezuela. Tem muito petróleo, mas está pobre porque gastou muito e agora quer tirar nossa terra”, disse Owen. “Se o petróleo vai levar a Guiana para outro nível, com mudanças mais profundas, eu não sei. Isso ninguém sabe. O que a gente vê são novos serviços chegando, mas o país pode mais”.

Fonte: Estadão

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