ARACAJU/SE, 14 de janeiro de 2025 , 10:41:17

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Entenda por que plantar mais árvores para refrescar capitais da Europa desperta polêmica

 

Conservacionistas prestam um imenso serviço à humanidade, dedicando-se à preservação de patrimônios históricos e culturais inestimáveis. Ambientalistas são figuras indispensáveis para a salvaguarda da natureza nesses tempos de emissões poluentes e aquecimento acelerado. Unidos na missão de contribuir para o bem do planeta, os dois grupos, vejam só, entraram em choque em cidades da Europa em torno de um dilema existencial: mexer ou não em paisagens seculares, em nome do bem comum. A controvérsia gira em torno do prosaico projeto de plantar mais árvores para refrescar capitais cada vez mais quentes, proposta de indiscutível utilidade — não fossem elas Paris, Viena e Roma, todas lotadas de monumentos espetaculares protegidos de qualquer ameaça de descaracterização, aí incluídas mudas de plantas. Desafiando a grita dos críticos, algumas obras de arborização estão sendo implantadas — literalmente — a toque de caixa em praças parisienses e vienenses, mas, no entorno das fabulosas edificações romanas, a queda de braço entre o poderoso Ministério da Cultura e o Escritório do Clima segue firme, sem sinal de solução.

É indiscutível a necessidade de medidas que se contraponham aos efeitos das brutais ondas de calor que varrem a Europa. Em agosto, a Organização Meteorológica Mundial (OMM) anunciou um novo recorde europeu de temperatura — 48,8 graus, na ilha italiana da Sicília — e até 2050 prevê-se que o continente aqueça mais de 3 graus, extrapolando as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris. Viena deve ferver ainda mais: lá, a expectativa é de aumento de 7 graus em média. Diante desse preocupante e efervescente futuro, a capital austríaca criou há três anos o fundo Cidade Modelo Climático Habitável, que determina a liberação de 100 milhões de euros para financiar um conjunto de medidas concebidas para “declarar guerra às ilhas de calor urbanas”. Uma delas é justamente plantar árvores e canteiros de grama na histórica Michaelerplatz — e aí o bicho da conservação pegou.

A praça circular de piso de pedra, onde desembocam as quatro ruas principais de Viena, é emoldurada por monumentos que compõem uma aula de história ao ar livre, entre eles o complexo do Palácio Imperial de Hof­burg, antigo lar da dinastia dos Habsburgos, o Palácio Herberstein, construído no final da década de 1890, a Casa Loos, símbolo do modernismo vienense, e a medieval Igreja de São Miguel, sem falar das escavações romanas bem no centro dela. O plano da prefeitura é plantar lá nove árvores e alguns gramados, além de ampliar a área de pedestres, mas foi o suficiente para 400 arquitetos, urbanistas e conservacionistas endereçarem uma carta de protesto ao prefeito Michael Lud­wig. Dependendo da rua pela qual se entra na praça, “diferentes perspectivas do espaço urbano se abrem, desencadeando novas sensações visuais”, argumentaram, uma percepção que seria “dramaticamente” prejudicada pelas mudanças. Não adiantou, e as obras já começaram.

Em Paris, onde uma revolução verde está em andamento, com ruas fechadas para carros, ciclovias em toda parte e mais de 100 000 árvores plantadas desde 2020, a prefeita Anne Hidalgo voltou os olhos para a célebre Praça da Concórdia, cartão-postal da capital francesa assinalado pelo obelisco de Luxor no centro e sem nenhum resquício de verde à vista. Encarregado de arborizar o espaço, o ex-ministro da Cultura Jean-Jacques Ailla­gon a princípio foi contra, invocando a “vocação mineral” do local, mas acabou cedendo. “A Place de la Concorde hoje é uma praça que não permite nenhum tipo de lazer”, argumentou, lembrando que o projeto original, do século XVIII, era repleto de vegetação. Apesar da turma do contra, para quem a mudança vai encobrir o obelisco e descaracterizar a praça, a aprovação do projeto está prevista para os próximos meses e as obras devem começar em 2026.

As maiores pedras no caminho do plantio de árvores para refrescar centros históricos estão em Roma, onde o poderoso Ministério da Cultura vetou, e continua a vetar, cada uma das tentativas do Escritório do Clima do município de inserir vegetação em locais como a Piazza Navona e a Piazza del Popolo, alegando que “qualquer mínima alteração em seu projeto pode distorcer seu valor”. “O Ministério só se preocupa com a conservação dos prédios e das praças, como se a mudança climática não fosse problema dele”, disse a VEJA o diretor do Gabinete Climático, Edoardo Zanchini. “Caso o impasse não seja resolvido, levaremos a questão ao governo nacional”, antecipa. Preservação de patrimônio histórico é um conceito relativamente novo, datado do século XVIII, e graças a ele maravilhas do passado podem ser visitadas e admiradas até hoje. Proteger o meio ambiente é ideia ainda mais recente e dela depende um futuro saudável e sustentável. Conciliar o ontem e o amanhã é tarefa para já.

Fonte: VEJA

 

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