Há apenas alguns itens na geladeira de Hanna Ayyad nos dias de hoje. O vendedor ambulante de frutas do Cairo restringiu a dieta de sua família à medida que a inflação, desencadeada pela guerra na Ucrânia, disparou no Egito.
“Agora compramos roupas novas a cada duas datas comemorativas”, disse ele à CNN. “Podemos ficar sem comer carne, comprando o alimento uma vez por mês, e podemos comprar frango duas ou três vezes por mês, não é como antes”.
Os clientes também podem pagar apenas uma fração daquilo que costumavam comprar, diminuindo sua renda diária.
“Algumas pessoas costumavam comprar 5kg ou 10kg de frutas – agora podem comprar 1kg ou 2kg no máximo”, diz. Ele leva dias para vender a mesma quantidade de produtos que costumava vender em um dia.
As famílias egípcias de todos os níveis de renda estão vendo seu poder de compra reduzir rapidamente. A crise econômica levanta perspectivas de protestos no país onde um regime foi derrubado há apenas uma década em um levante que clamava por “pão, liberdade e justiça social”.
Nos últimos meses, dezenas de pessoas protestaram por causa dos atrasos nas entregas de carros novos causados por restrições à importação e pela desvalorização da moeda local. Grupos foram criados no Facebook para encontrar alternativas locais para alimentos para os animais de estimação depois que as importações foram restringidas, e os egípcios mais pobres, como o vendedor Ayyad, reduziram suas compras de mantimentos.
A agência de classificação de crédito Moody’s alertou em maio sobre “riscos sociais e políticos”, ao rebaixar de estável para negativa a perspectiva econômica do Egito para o ano. E o governo parece compartilhar essas preocupações.
Antecipando os protestos, o presidente Abdel Fattah el-Sisi iniciou um diálogo nacional com figuras da oposição, uma mudança de rumo de uma repressão à dissidência que manteve milhares de pessoas atrás das grades por anos.
Preços de importação de trigo dobram
A taxa de inflação oficial do Egito ficou em 14,7% em junho, ante cerca de 5% no mesmo período do ano passado, mas os consumidores dizem que os preços dispararam além desse número desde que a invasão russa da Ucrânia começou em fevereiro.
Do outro lado da capital, em um supermercado de luxo, Haya Aref procura alternativas locais mais baratas em sua lista de compras. Anteriormente, ela notava um aumento de 10% a 15% nos preços a cada seis ou oito meses, mas os aumentos nos preços se tornaram mais frequentes e altos agora, diz ela.
“Eu costumava comprar uma marca internacional [de cereais] que provavelmente custava cerca de 70 ou 80 libras egípcias (cerca de US$ 4) que agora subiu para 250 (US$ 13)”, diz a arquiteta de 23 anos. Ela cortou proteínas e lanches para alcançar seu orçamento mensal. Para ela, os vegetais cultivados localmente tornaram-se uma opção acessível e saudável.
A guerra na Ucrânia trouxe incerteza aos mercados globais de grãos e elevou os preços. O Egito, que depende da Rússia e da Ucrânia para 80% de suas importações de trigo, agora paga US$ 435 por tonelada frente aos US$ 270 que pagava no ano passado, segundo o governo.
Turismo afetado
A invasão também prejudicou a indústria de turismo do Egito. Os turistas russos e ucranianos costumavam representar um terço dos visitantes anuais do país, mas esses números caíram.
Em um momento em que a economia mal se recuperava da desaceleração estimulada pela pandemia de Covid-19, a guerra colocou seus desafios duradouros em alta.
Um aumento nas taxas de juros em mercados mais estáveis, como os Estados Unidos, tirou cerca de US$ 20 bilhões do Egito, segundo a agência de classificação de crédito Standard and Poor’s.
“Nos últimos cinco a seis anos, contamos muito com o que chamamos de dinheiro quente. Eu as chamo de dívidas externas ocultas”, explica a analista econômica Salma Hussein. “Quando você tem uma taxa de retorno muito lucrativa sobre [a dívida do governo], você está convidando pessoas de todo o mundo para a festa. Essas pessoas ficam o tempo todo perto da porta de saída da festa, sempre que algo treme ou muda, eles são os primeiros a sair”.
Isso deixou o governo cambaleando sob uma crise de caixa e dívidas no valor de 85% do tamanho de sua economia. Com as reservas em moeda estrangeira caindo, o governo iniciou uma desvalorização limitada da libra egípcia que a fez perder 17% de seu valor em questão de dias em março.
Juntamente com outras medidas governamentais para controlar o fluxo de divisas para fora do país, isso dificultou muito a importação, afetando tanto consumidores quanto fabricantes.
“Todos nós devemos saber que a gravidade da crise não está apenas no Egito, mas em todo o mundo”, disse o primeiro-ministro, Mostafa Madbouly, em uma entrevista coletiva televisionada em maio, descrevendo a resposta do governo à crise econômica “sem precedentes”.
Os impactos diretos e indiretos da crise custarão ao Egito 465 bilhões de libras (US$ 24,6 bilhões), incluindo o fornecimento de uma rede de segurança social para seus cidadãos, disse ele.
O governo está buscando mais empréstimos – principalmente do Fundo Monetário Internacional, que já emprestou ao Egito US$ 20 bilhões desde 2016. Os países árabes do Golfo despejaram bilhões de dólares no país para reabastecer suas reservas estrangeiras cada vez menores desde fevereiro.
Uma grande parte do dinheiro dos Emirados Árabes Unidos está vindo na forma de investimentos e aquisições de grandes empresas egípcias. O governo egípcio quer ver mais disso. Madbouly delineou um plano para oferecer ações de empresas estatais e militares, incluindo sete portos, para arrecadar US$ 40 bilhões em quatro anos.
Para Hussein, a economista, essa é uma solução rápida para cobrir a dívida, sem abordar os problemas subjacentes. “Não estou preocupada com o colapso da economia egípcia. Estou preocupada com o colapso de mais pessoas abaixo da linha da pobreza”, diz ela.
Uma das principais empreitadas do governo no momento é garantir que o trigo para seus subsídios ao pão chegue a 70 milhões de egípcios, em um país de cerca de 100 milhões. O governo está oferecendo incentivos para os agricultores locais cultivarem trigo e vendê-lo ao governo para preencher parte da lacuna esperada nas importações de grãos.
Ayyad, o vendedor ambulante, depende de subsídios básicos e doações em dinheiro do governo. À medida que sua renda diminui, ele também está reduzindo os gastos com a educação de seus filhos. Ele assiste as notícias com ansiedade e teme que a situação possa piorar.
Aref, a arquiteta, sente que os egípcios estão em modo de sobrevivência “e está ficando um pouco assustador”.
Da CNN Brasil, com informações de Magdy Samaan