Rafael Balago
WASHINGTON
Em janeiro, o governo dos EUA divulgou um alerta incomum: “Há um número excepcional de vistos baseados em trabalho disponíveis neste ano fiscal (outubro 2021 a outubro 2022). Estamos comprometidos a usar todos eles. Há mais vistos disponíveis para as categorias 1 e 2 do que processos pendentes. Se você é elegível, por favor, considere se candidatar”.
O alerta foi feito pelo Uscis, serviço dos EUA que cuida de imigração e cidadania.
O aviso mencionava duas categorias voltadas a profissionais com habilidades extraordinárias (EB 1) ou acima da média (EB 2) em várias áreas, como ciência, arte, educação, negócios e esportes.
Há certa elasticidade nos conceitos de habilidade extraordinária, o que abre espaço para que profissionais de várias áreas possam se candidatar (veja mais detalhes do processo abaixo).
Quem é aprovado nesses processos recebe um “Green Card”, como é chamada a permissão para morar e trabalhar nos EUA por dez anos. O documento pode ser renovado e abre caminho para pleitear a cidadania americana.
A maior disponibilidade de vistos é consequência da pandemia: a cada ano, os EUA determinam uma cota de aprovações. Se o total não for usado, a sobra fica para o ano seguinte. Como a pandemia dificultou a realização de entrevistas e análises, houve menos aprovações nos últimos dois anos.
Com isso, deverão ser ofertados cerca de 280 mil green cards por motivos de trabalho, o dobro da média de anos anteriores, segundo um relatório divulgado pelo Departamento de Estado. No entanto, não há garantia de que esse número de concessões será atingido.
Os EUA enfrentam uma crise de falta de profissionais interessados em trabalhar, o que faz com que empresas tenham de se esforçar para encontrar trabalhadores.
Além do aumento de green cards, o governo americano tem buscado facilitar alguns processos, como dispensar a entrevista para alguns tipos de visto de trabalho temporário.
Desde 2020, postos de atendimento ficaram fechados por meses ou tiveram atividades reduzidas, o que atrasou os trâmites. Os EUA terminaram 2019 com 2,5 milhões de solicitações na fila (somando todos os processos de imigração), segundo dados do Uscis —no final do ano passado, esse número era de 8,84 milhões.
No ano fiscal de 2021, foram concedidos 738 mil green cards, sendo mais da metade (449.425) com base em laços familiares. Houve 178.498 petições de vistos EB, dos quais 105.565 foram aprovadas. O Brasil foi o 5º país com mais aprovações, somando 1.650. No período, houve 5.416 pedidos de brasileiros nessa categoria, e muitos ainda estão com análise pendente.
O andamento dessa fila segue regras complexas: imigrantes de um mesmo país não podem representar mais de 7% do total de green cards concedidos por ano. Assim, pessoas de origem mexicana, indiana e chinesa tendem a ficar muito mais tempo na fila.
PROFISSIONAL PODE FAZER PEDIDO PARA VISTO EB POR CONTA PRÓPRIA, SEM PATROCÍNIO DE EMPRESA
O tempo entre abrir o processo e obter o documento, no caso das opções EB 1 e 2, tem sido em torno de um ano, de acordo com assessorias de visto.
“Antes demorava entre seis e oito meses. Agora, está levando entre oito e 14 meses. E não temos visto muita diferença de tempo entre quem aplica estando nos EUA ou no exterior”, comenta Felipe Alexandre, advogado de imigração do escritório AG Immigration.
“Profissionais de áreas como TI, engenharia e profissionais de saúde são as que tem tido aprovação mais frequente. É como se os EUA estivessem estendendo um tapete vermelho para eles”, comenta Paula Kasparian, diretora de marketing do escritório D4U.
Um diferencial das categorias EB 1 e 2 é que o interessado não precisa ter uma empresa dos EUA como patrocinadora de seu visto e pode fazer o pedido por conta própria. É preciso atender ao menos três de sete requisitos, por meio de documentos e cartas de recomendação, que mostrem capacidades acima da média.
As assessorias de imigração ajudam os candidatos a organizar os documentos, obter cartas de recomendação e encontrar pontos positivos a serem ressaltados.
A consultoria pode custar mais de US$ 15 mil, fora os gastos com traduções oficiais e taxas do governo americano. A média de gasto total para uma aplicação EB 2 fica em torno de US$ 20 mil.
“Fiz várias entrevistas com o escritório de imigração que cuidou do meu caso. Eles acabaram descobrindo que eu era o maior produtor de conteúdo cristão infantil do mundo”, comenta Samuel Mizrahy, 46, criador do projeto 3 Palavrinhas, que soma 6,4 milhões de inscritos no YouTube, e obteve um visto EB 1. Ele mora em Orlando, na Flórida, onde também é pastor evangélico.
Outro morador da Flórida, Rodrigo Nascimento, 29, lutador de MMA conhecido como Zé Colmeia, obteve um visto EB 2 com ajuda de cartas de recomendação de lutadores famosos do UFC, como Rodrigo Minotauro e Júnior Cigano.
Ele obteve a resposta do pedido em cerca de dez dias, e recebeu o documento após seis meses.
Nascimento fez a opção pelo Premium Processing, espécie de fura-fila oficial. Por uma taxa extra, de cerca de US$ 2.500, a resposta ao pedido é dada em até 15 dias úteis.
Já Tatiana Fernandes, 41, levou três anos e quatro tentativas até conseguir ser aprovada.
Da primeira vez, em 2016, buscou ajuda de um advogado que tem um canal no YouTube. Ele tentou enquadrá-la na categoria L1, como empresária que queria abrir uma filial nos EUA, mas o pedido foi negado duas vezes.
Fernandes, que trabalha com comércio exterior, buscou então outra advogada, que a orientou a sair dos EUA às pressas e voltar ao Brasil para tentar o processo a partir do exterior.
“Tive de fechar empresa, quebrar contratos de aluguel e de casa. E depois que saí dos EUA, a advogada passou a demorar a me responder. Achei um mau sinal”, conta. O pedido foi negado de novo, após 11 meses de espera.
Quem pede um green card estando nos EUA precisa de autorização do governo para deixar o país enquanto espera a análise do processo. Esta autorização pode demorar a sair. Desrespeitar a regra leva ao cancelamento do processo.
“O prejuízo emocional foi bem maior que o financeiro. Meu pai morreu enquanto esperava a resposta de um pedido, e eu tive de escolher entre ir ao funeral ou seguir com o processo”, lembra.
Fernandes conseguiu o documento só na quarta tentativa, em 2019, ao tentar na categoria EB 2. Foram três meses para obter a autorização de trabalho e mais quatro até o green card.
Hoje, ela trabalha como gerente de logística no setor industrial em Milwaukee, no Wisconsin, e tem lidado com a falta de trabalhadores nos EUA do outro lado da mesa.
“Tem muita vaga de emprego, e eu quase tenho que implorar para a pessoa vir trabalhar comigo. Todas as indústrias estão com placas gigantes na frente, oferecendo vagas”, comenta.
Gilvaneide Lins, 38, tem pós em administração e obteve um visto da categoria EB 2 no ano passado. Pouco depois, descobriu que estava grávida e se afastou do mercado de trabalho para ter o bebê.
“Mesmo sem procurar, sigo recebendo emails e ligações de empresas oferecendo vagas”, conta ela, que mora em Mason, Ohio. “Há muita falta de mão de obra qualificada.”
ENTENDA O PROCESSO DE VISTO PARA OS ESTADOS UNIDOS
O que é preciso para trabalhar nos EUA?
O cidadão estrangeiro precisa ter um visto que o autorize a trabalhar. Há duas categorias: não-imigrante (temporário, geralmente com restrições) e imigrante (permissão de residência, com acesso a mais direitos). Os dois tipos se dividem em várias categorias.
O que é o green card?
É o apelido do visto de imigrante, que permite morar, trabalhar e ser atendido por serviços públicos e financeiros nos EUA.
Como obter um green card?
Os caminhos mais comuns são por meio de laços familiares com um cidadão americano ou por trabalho. Parentes diretos, como cônjuge ou filhos de americanos, têm direito ao documento. No caso de trabalho, há cinco categorias principais:
EB 1: profissionais de habilidade extraordinária em suas áreas de atuação.
EB 2: profissionais acima da média, que se destacam em suas áreas de atuação.
EB 3: para estrangeiros que receberam uma proposta de trabalho de uma empresa dos EUA
EB 4: inclui líderes religiosos e colaboradores das Forças Armadas dos EUA
EB 5: para investidores que planejam criar empresas nos EUA
Quais os critérios de “habilidade extraordinária” e “acima da média”?
EB 1:
Atender a ao menos 3 dos 10 itens abaixo:
Prêmios nacionais ou internacionais por sua excelência
Participar de entidades que reúnem membros que realizaram grandes feitos
Ter sido retratado em reportagens em publicações de renome
Ter sido convidado para avaliar trabalhos de sua área
Ter dado contribuições significativas para sua área de atuação, seja científica, acadêmica, artística, esportiva ou empresarial
Ter publicado artigos sobre sua área de atuação
Ter tido seu trabalho exibido em exposições ou eventos
Ter atuado como líder ou outra função importante em organizações de peso
Ter um salário acima da média em seu campo de atuação
Ter tido sucesso comercial como artista
EB 2
Atender a ao menos 3 de 6 requisitos:
Diploma acadêmico na área de atuação
Somar ao menos dez anos de atuação na área
Ter licença para trabalhar em sua área
Ter recebido salários acima da média de sua profissão
Ser membro de uma associação profissional
Ter recebido reconhecimentos, como prêmios e homenagens por ter contribuído para o avanço da área ou por resultados excepcionais
Como fazer o pedido?
É preciso juntar documentos que provem que o interessado tem direito ao documento. O pedido pode ser feito por quem está dentro ou fora dos EUA, por conta própria ou com auxílio de uma assessoria de imigração.
Quanto tempo demora?
O processo pode levar alguns meses ou alguns anos, dependendo da categoria. O EB
Quanto custa?
As taxas para o governo americano custam em torno de US$ 3.000. Pode ser preciso pagar também por traduções oficiais de documentos. Caso opte pela ajuda de assessorias de imigração, o gasto total pode ficar em torno de US$ 20 mil.
Posso pedir sem sair do Brasil?
Sim.
Posso trabalhar nos EUA enquanto espero o green card?
É possível pedir uma autorização de trabalho enquanto se espera a análise. No entanto, o aval pode demorar meses para sair.
Onde obtenho mais informações?
No site https://www.uscis.gov/ (há conteúdos em vários idiomas).
Fonte: Folha de São Paulo