O ex-presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, foi condenado, nesta sexta-feira (1º), a 12 anos de prisão domiciliar após ser considerado culpado de suborno e fraude processual, em uma decisão histórica que o torna o primeiro ex-mandatário privado de liberdade no país.
O ex-governante de direita, de 73 anos, também será impedido de exercer cargos públicos por mais de oito anos, de acordo com um documento do veredicto vazado pela imprensa, cuja autenticidade foi confirmada à AFP, sob condição de anonimato. O anúncio oficial da pena será feito em uma audiência em Bogotá nesta sexta-feira à noite.
Na segunda-feira (28), Uribe foi considerado culpado por obstruir a justiça e manipular testemunhas para evitar que o ligassem aos paramilitares. A decisão é a ponta do iceberg de outras investigações que relacionam o ex-presidente com esses esquadrões de extrema-direita, responsáveis por inúmeros crimes contra civis durante o conflito armado.
Uribe governou o país entre 2002 e 2010, liderando uma campanha militar implacável contra cartéis do narcotráfico e a guerrilha das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Apesar das acusações de que teria colaborado com grupos paramilitares de direita na perseguição a guerrilheiros de esquerda, o ex-presidente segue popular e ainda exerce forte influência sobre a política conservadora do país, sendo peça-chave na escolha de líderes partidários.
Figura dura na política de segurança, Uribe foi aliado próximo dos Estados Unidos e ainda mantém laços com setores da direita americana. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, criticou anteriormente o processo contra o ex-presidente, alegando, sem apresentar provas, que o caso representa “a instrumentalização do Judiciário colombiano por juízes radicais”.
Pesquisas recentes o apontam como o político mais admirado da Colômbia. Em 2019, milhares protestaram em Medellín e na capital, Bogotá, quando ele foi indiciado pela primeira vez. Na segunda-feira, um grupo menor de apoiadores se reuniu diante do tribunal usando máscaras com seu rosto e entoando: “Uribe, inocente!”
Tudo começou em 2012, quando Uribe processou o senador de esquerda Iván Cepeda perante a Suprema Corte de Justiça por afirmar que paramilitares presos diziam ter ligações com o ex-mandatário.
Em 2018, o caso mudou de rumo e o tribunal abriu uma investigação contra o ex-presidente por manipular testemunhas para prejudicar Cepeda, num processo com diversas reviravoltas e que vários procuradores-gerais tentaram arquivar.
Em 2020, Uribe, que na época era senador, renunciou ao Congresso em uma manobra que lhe fez perder suas imunidades, levando o caso para a justiça comum.
O processo ganhou novo fôlego sob o comando da procuradora-geral Luz Camargo, indicada pelo atual presidente Gustavo Petro — ex-guerrilheiro e rival histórico de Uribe. No ano passado, o julgamento começou e, finalmente, a juíza determinou que Uribe estava por trás de uma estratégia para que as testemunhas mudassem suas versões sob pressão.
Mais de 90 testemunhas prestaram depoimento no julgamento, iniciado em maio de 2024. Durante o processo, os promotores apresentaram provas de que pelo menos um ex-paramilitar afirmou ter sido procurado por Uribe para alterar seu depoimento.
Em paralelo à decisão, advogados do ex-governante apresentaram uma queixa contra o presidente Petro por “assédio e calúnia” perante uma comissão da Câmara Baixa com poderes para investigar os mandatários, indicaram nesta sexta-feira em comunicado. Os juristas afirmam que, durante a semana, Petro proferiu acusações infundadas contra Uribe, atribuindo-lhe crimes como tráfico de drogas.
O ex-presidente também é alvo de outras investigações. Ele já prestou depoimento a promotores em uma apuração preliminar sobre o massacre de camponeses cometido por paramilitares em 1997, quando governava o departamento de Antioquia, no oeste colombiano.
Uma denúncia também foi apresentada contra ele na Argentina, onde o princípio da jurisdição universal permite julgar crimes cometidos em qualquer lugar do mundo. Essa ação está ligada ao suposto envolvimento de Uribe nas mais de 6 mil execuções e desaparecimentos forçados de civis pelas Forças Armadas colombianas durante seu mandato presidencial.
A condenação desta sexta-feira marca a corrida para as eleições presidenciais de 2026, nas quais o partido de direita Centro Democrático, de Uribe, busca recuperar o poder. Para Yann Basset, professor de ciências políticas da Universidade do Rosário, a condenação tem um “efeito” na escolha do seu candidato.
“Isso faz com que haja uma espécie de reflexo legitimista de defender o legado de Uribe para a parte mais radical e profundamente uribista da direita”, disse ele à AFP.
No entanto, para Basset, isso pode ser uma “armadilha”, pois seria “fechar um discurso focado no passado” e não no “que mais preocupa o eleitorado neste momento”.
Para a esquerda, é a oportunidade de “dar um pouco mais de visibilidade a Iván Cepeda” diante da falta de um sucessor claro para Petro. O senador de 62 anos disse esta semana ao canal do YouTube do jornalista Daniel Coronell que sempre foi “relutante” em ser candidato à presidência, mas os últimos acontecimentos o “obrigam a pensar nisso”.
Uribe afirmou que seu julgamento foi uma “vingança” da esquerda e das FARC, a guerrilha que ele combateu com mão dura antes de sua desmobilização em 2017.
Fonte: AFP
Foto: Juan Barreto/AFP