ARACAJU/SE, 19 de setembro de 2024 , 22:24:30

Exigência de visto pela Guiana Francesa dificulta entrada de brasileiros

 

A Guiana Francesa é um território ultramarino francês, em plena América do Sul, que faz fronteira com o estado brasileiro do Amapá. Ao contrário da França, onde brasileiros apenas apresentam o passaporte para entrar, por aqui é preciso de visto para cruzar a fronteira. Até a semana passada, a permissão era dada apenas na Embaixada em Brasília e nos consulados franceses de São Paulo, Recife e Rio de Janeiro. Agora passa a ser emitida em Macapá, a cada 45 dias.

O histórico de disputa da região rica em minérios, entre eles o ouro, parece fazer com que os franceses evitem os brasileiros no território guineense. Há também o fato de esse “pedaço de Europa” em plena América oferecer condições melhores de saúde, educação e da chamada qualidade de vida, além do medo dos franceses de uma maior conexão entre as localidades resultar em processos de luta pela independência do país.

Um fato interessante é que a Guiana Francesa foi formada por pessoas negras que foram escravizadas e vieram da região da Costa do Marfim do continente africano para construir uma fortaleza no século 16. Hoje, cerca de 90% da população é negra, tendo também a presença de comunidades indígenas em sua extensão que fica na Amazônia, além de franceses brancos que ali vivem.

Ao todo, cerca de 300 mil pessoas habitam o território que tem Caiena como a capital. A cidade abriga casas coloridas da cultura crioula e mercados populares de rua. Entre as belezas naturais da região estão rios, cachoeiras, a floresta amazônica e o Oceano Atlântico.

Além da Guiana Francesa, a França mantém Guadalupe e Martinica como colônias no continente americano. Nos três territórios, a cultura e a história crioula marcam a identidade local, assim como a língua crioula, de base francesa combinada com idiomas do oeste da África, que apresenta algumas diferenças em cada localidade. A culinária carrega traços fortes da diáspora africana com a cozinha crioula usando temperos vindos do continente, como amêndoas, canela e noz-moscada.

As cidades às margens do rio Maroni, na fronteira com o Suriname (ex-colônia holandesa) são as que mais preservam as tradições e arquitetura originárias do povo preto, como Saint-Laurent-du-Maroni. Na mesma região, Maripasoula e Papaichton são comunidades formadas por pessoas escravizadas que fugiram do vizinho Suriname e viveram livres no território guineense.

Em 10 de outubro é o Maroons day, feriado no Suriname e celebrado nas comunidades guineenses, que homenageia a herança e as contribuições do povo Maroon que fugiu da escravização para viver livre. Entre as cidades da Guiana Francesa que terão celebração está Apatu, que vai receber festejos e grupos brasileiros de marabaixo, manifestação cultural afroamapaense, em 12 de outubro para celebrar a data.

A história lembra que os franceses já disputaram com os brasileiros o território que hoje é o estado do Amapá. Enquanto a disputa não era resolvida, comerciantes franceses e guineenses que tinham se libertado da escravização fundaram a República Independente de Cunani. O novo país ocupava parte do que é o Amapá hoje, com tentativas de separação entre 1886 e 1912, não chegando a ser reconhecido pelo Brasil ou França, mas que teve até moeda própria.

Visto

A exigência de visto faz com que o fluxo de brasileiros na Guiana Francesa seja bastante restrito. A ponte binacional que liga Oiapoque, no Amapá, a Saint-Georges-de-l’Oyapock (São Jorge do Oiapoque), na Guiana, foi concluída em 2011, mas só foi inaugurada e passou a receber travessias em 2017. Ela representa a primeira ligação terrestre do Amapá, que não tem acesso por estradas com o restante do Brasil, e também da Guiana Francesa, que só tinha travessias por rios ou aéreas com seus vizinhos.

A demora na inauguração é justificada pela falta de reciprocidade referente aos requisitos de visto para cidadãos brasileiros e franceses que entram no território um do outro (os franceses podem entrar no Brasil sem visto por até três meses, enquanto os brasileiros precisam obter um visto para entrar na Guiana Francesa, uma regra justificada pelo governo francês com base nos altos níveis de imigração ilegal por brasileiros que trabalham como garimpeiros na Guiana Francesa).

Na ponte, apenas um dos lados se beneficia com sua estrutura. Carros e pessoas da Guiana Francesa acessam o Brasil tranquilamente, enquanto os brasileiros precisam passar pela burocracia para estar do outro lado. Por conta da conversão da moeda, há, por exemplo, guineenses que, diariamente, atravessam a ponte para almoçar do lado brasileiro.

É fato que os brasileiros também driblam as regras entrando ilegalmente no país ou mesmo matriculando seus filhos nas escolas do lado francês para após cinco anos fazerem o pedido de visto definitivo, o que faz com que 1/3 da população guineense seja de nascidos no Brasil.

Na última semana, o governo francês concedeu uma solicitação antiga do Brasil que é o de ter pedidos de vistos em Macapá. Os vistos de turismo de curta duração ainda não serão processados na capital do Amapá, mas uma equipe da embaixada francesa estará na cidade a cada 45 dias para a captura das digitais e reconhecimento do dossiê, facilitando o processo, sem que haja a necessidade dos amapaenses irem até Brasília. As próximas datas previstas são de 21 a 23 de outubro.

Em Belém, que tem voos semanais da Air France para Caiena, também não há emissão de vistos. Os imbróglios burocráticos dificultam, nós, brasileiros, de conhecermos melhor a Guiana Francesa, uma região com povo que tem muita conexão e a mesma ancestralidade que nossa: a África!

Fonte: Folha de S.Paulo

 

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