ARACAJU/SE, 26 de novembro de 2024 , 19:12:09

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Guerra na Ucrânia: com 11 meses de conflito, o que deve mudar?

 

Prestes a completar um ano, a guerra na Ucrânia já deixou ao menos 7 mil civis mortos no território , quase 8 milhões de refugiados em toda a Europa e diversas cidades completamente destruídas por bombardeios e ataques russos, segundo o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).

O número de atingidos pelo embate é incerto, já que, tanto a Ucrânia quanto a Rússia mantêm em segredo a quantidade real de afetados pela guerra. Os dados oficiais são sempre contestados pela Organização das Nações Unidas (ONU), que não considera confiáveis os totais divulgados pelos envolvidos no conflito.

Mesmo a estimativa da ONU, no caso de civis, ainda é hipotética, como afirma a própria organização, porque diversas áreas na Ucrânia estão inacessíveis devido aos combates. Embora a agência não tenha atribuído responsabilidade pelas mortes, Kiev afirma que a quantidade de óbitos ao longo da guerra pode chegar a dezenas de milhares.

O início do conflito se deu em 24 de fevereiro de 2022, quando o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou o que chamou de “operação militar especial” em solo ucraniano . Os bombardeios, que puderam ser ouvidos de diversas partes do país, deram início a uma sequência de ataques que, agora, quase um ano depois, ainda não há perspectiva de desfecho.

Táticas de destruição

Nos últimos meses, com a chegada no inverno, a Rússia tem concentrado os ataques à infraestrutura básica da Ucrânia . De acordo com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, lugares vitais, como hospitais, escolas, além de meios de transporte e áreas residenciais foram atingidos .

Desde outubro do ano passado, problemas com o abastecimento de água, energia elétrica e a escassez de alimentos têm afetado os ucranianos, devido a ataques russos em larga escala. Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), até o fim da estação, é esperado que três milhões de pessoas deixem as casas em que vivem na Ucrânia em busca de condições mínimas de sobrevivência.

Conforme Rodrigo Fernando Gallo, doutor e professor de Política e Relações Internacionais do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), a tática usada por Putin de afetar a infraestrutura ucraniana foi usada para levar o Estado ao colapso, sem que ele tivesse que empregar uma força mais efetiva, além de poupar vidas russas.

“Não podemos esquecer que soldados mortos geram prejuízos ao Estado. Gastou-se muito para treiná-los, e possivelmente, há uma família para receber pensão. Então, guerras de destruição infraestrutural atendem esse tipo de estratégia”, afirma Gallo. “Isso sem contar que, no inverno europeu, abalos à infraestrutura causam também prejuízos e danos psicológicos à população atacada — que, por sua vez, pode começar a pressionar o próprio governo.”

A perspectiva, agora, é que a estratégia de destruição mude. Gunther Rudzit, professor de Relações Internacionais da ESPM, explica que o inverno não foi extremamente rigoroso, mas frio, e com o fim dele, que está próximo, os combates vão depender de quem decidir tomar a iniciativa de atacar primeiro.

“Tudo indica que há a possibilidade de Putin convocar novos reservistas e a primavera ser marcada por novas ofensivas e contra-ofensivas”, afirma.

O que significou o cessar-fogo de Putin?

Semanas após falar pela primeira vez em um fim da guerra , Vladimir Putin anunciou um cessar-fogo temporário na Ucrânia — o único desde o início do conflito. A trégua, que durou 36 horas, foi vista com desconfiança pelo resto do mundo e alvo de críticas , principalmente pelo fato de Putin ter pedido que os ucranianos também aderissem à decisão.

Embora o mandatário russo tenha justificado a pausa nos ataques com a celebração do Natal ortodoxo, o professor do IMT destaca que, para além do conflito, há uma “guerra de narrativas”.

“O cessar-fogo temporário no Natal é uma forma de sinalizar algum tipo de compaixão ou solidariedade — o que conforta, por exemplo, as famílias dos soldados, além de sugerir que Putin está tão tranquilo que pode se dar ao luxo de paralisar as operações militares”, explica.

“Por outro lado, surge a narrativa de que é uma forma de ganhar algum tempo em um conflito que já dura mais do que o previsto inicialmente.”

Segundo o especialista, as duas interpretações podem ser complementares, mas o fato é que somente motivações religiosas talvez não fossem suficientes para interromper uma guerra. “Certamente foi uma decisão muito bem refletida e faz parte das estratégias do conflito”, afirma.

Depois do período estipulado pelo russo, os bombardeios voltaram em meio a um cenário de indecisão. As negociações que poderiam levar a um comum acordo entre as nações estão estacionadas há meses e sem perspectiva de volta. Além disso, não há evidências que apontem para uma mudança nas principais demandas dos países envolvidos, como a não entrada da Ucrânia na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).

“É possível que, no limite, a Ucrânia abandone os planos de integrar a Otan. Porém, resta a questão não-resolvida da Crimeia e de outros territórios tornados autônomos. Logo, há muitos impasses, não somente pelos territórios em si, mas sim pelo que eles representam: demografia, força de trabalho e produção industrial, recursos naturais, posição geográfica, dentre outros. São muitas variáveis”, explica Rodrigo Gallo.

Uma eventual negociação pode até ser considerada boa para os dois lados, mas a questão é, segundo o professor, como as populações a encarariam. “Imagine a população ucraniana exausta, agredida e violentada: é natural pensar que eles querem logo o fim do conflito para voltar às suas vidas, mas, a depender das circunstâncias, pode ficar a impressão de que foram humilhados e colocados em uma situação completamente desfavorável.”

Na última sexta-feira (20), o presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, repetiu a oferta que já havia feito anteriormente de mediar as negociações entre a Rússia e a Ucrânia . A fala foi feita durante telefonema a Zelensky.

Desde antes do início do conflito direito, o turco conversava com ambos os líderes e se colocava à disposição para mediar a tensão entre os dois países a fim de evitar uma guerra, como a que acontece hoje.
À medida que o embate se aproxima de completar um ano de duração, Putin faz questão de sugerir que está aberto para reuniões, mas a Ucrânia não . Os comentários, porém, são negados por Kiev e seus aliados ocidentais, já que os bombardeios russos continuam em operação.

Proximidade com os EUA

Ao mesmo tempo em que os ataques seguem contra a Ucrânia, Zelensky busca apoio em seus aliados do Ocidente, principalmente nos Estados Unidos . Em dezembro, em sua primeira viagem ao exterior desde o início da guerra, o mandatário se reuniu com Joe Biden e discursou no Congresso — onde foi ovacionado pelos parlamentares norte-americanos.

Gallo explica que o movimento tem função simbólica muito importante, mas insignificante na prática. “É ilusão imaginar que, nessas condições, haveria envio de tropas e equipamentos militares pesados. O conflito não escalou para além da microrregião, ainda que tenha tido efeitos sistêmicos para o mundo. O governo Biden não tem motivos para atacar a Rússia em apoio à Ucrânia, principalmente porque Moscou tem armas nucleares — que funcionam, na prática, como um dispositivo de dissuasão bastante importante. As sanções econômicas ocidentais tiveram um efeito bastante limitado, e era o máximo que se poderia esperar.”

Mesmo assim, a visita tem grande importância simbólica para a Ucrânia, já que demonstra que, pelo menos boa parte do Congresso apoia a causa ucraniana e que Zelensky consegue reunir aliados. “Isso mantém, inclusive, o ânimo do povo ucraniano sob controle, de alguma forma, o que é fundamental. Um povo psicologicamente derrotado está ‘pronto’ para aceitar quaisquer condições de negociação.”

Para Biden, o encontro, visto como uma espécie de “diplomacia televisionada”, também tem a sua relevância, já que é uma forma do presidente mostrar à população norte-americana e ao mundo que os EUA estão “fazendo alguma coisa” em relação à guerra. “É um modo de construir uma opinião pública favorável”, diz Gallo.

“Não podemos nos esquecer que, para além da guerra, a vida política continua, e em breve o Biden vai disputar uma reeleição ou tentar fazer seu sucessor. Então, esses momentos servem como formas de sinalização para os eleitores: um modo de evitar que a oposição os acuse, na campanha, de não ajudar um país sob ataque”, continua.

“É importante enfatizar que a política tem dois aspectos: um simbólico e um prático, e ambos são importantes, cada um para atingir a sua finalidade.”

Apesar de Zelensky ter recebido apoio no Congresso dos EUA na tentativa de angariar mais ajuda militar, Gunther Rudzit lembra que a visita foi feita com a composição anterior da Casa.

“Com a posse do novo Congresso, principalmente dos republicanos mais radicais na Câmara dos Deputados, pode-se começar a ter realmente uma pressão de diminuição dos gastos em relação à ajuda à Ucrânia ou até mesmo um controle maior disso”, afirma o professor da ESPM.

Como resposta à investida russa, desde o início do conflito, União Europeia, Estados Unidos, Reino Unido e outros países anunciaram um conjunto de sanções contra Putin , que envolvem desde a exclusão de bancos da Rússia do sistema de transferências financeiras internacionais, o Swift, até a interrupção da exportação de produtos e a restrição da mídia estatal russa de mecanismos de busca.

Os bloqueios, porém, não tiveram grandes efeitos sob a economia russa ou impediram Putin de continuar com os ataques.

Há risco de uma guerra nuclear?

Na semana passada, Dmitri Medvedev, vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, disse que uma derrota do país no conflito contra a Ucrânia poderia levar a uma guerra nuclear . A princípio, porém, as ameaças são simbólicas e não efetivas.

“Em tese, artefatos nucleares não são fabricados para serem utilizados, mas sim para servir como dispositivo de coerção”, afirma Gallo. “Se Moscou atacar a Ucrânia com uma única bomba nuclear, além de os efeitos serem devastadores, vão se espalhar para outros países. Então, haveria risco de forte retaliação.”

Como guerras nucleares só podem produzir perdedores, de acordo com o doutor e professor de Política e Relações Internacionais, ameaças como essa são feitas para criar pressão contra o Ocidente , já que a opinião pública pode se apavorar com esse tipo de declaração, como ocorreu durante a Guerra Fria.

O fim do conflito está próximo?

O quase um ano de guerra se trata apenas de um marco temporal, pois, na prática, a situação continua. Não há sinais de que os objetivos e demandas da Rússia e Ucrânia tenham mudado e as negociações seguem travadas.

Conforme Rudzit, dado o cenário atual, existe a possibilidade dessa guerra se arrastar por anos, como está sendo a guerra na Síria, que já entra em seu 12º ano de duração. “Existe a possibilidade de uma guerra de atrito de mais longo prazo, com uma diminuição, talvez, dos confrontos, mas de não terminar. Esse é um cenário possível. Isso seria uma desgraça gigantesca para o povo ucraniano.”

Em relação às exigências da Rússia e Ucrânia, Gallo afirma que os dois países pedem “muitas coisas”, mas que existem algumas questões que são inegociáveis. “O que pode ocorrer é que, gradativamente, após longas rodadas de negociação, muitos desses elementos serão descartados, e ficaremos apenas com as conversas em torno desse core. Esse é o momento em que podemos ver uma solução para o impasse. Mas isso deve demorar, se a situação seguir como está seguindo.”

Fonte: IG

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