O governo de Javier Milei anunciou, nesta segunda-feira (24), o fim do sigilo dos arquivos da Secretaria de Inteligência do Estado (SIDE) sobre a ditadura militar da Argentina (1976-1983). Em paralelo, o presidente argentino determinou que o ataque do grupo esquerdista Exército Revolucionário do Povo (ERP) à família do capitão Humberto Viola seja oficialmente reconhecido como um crime contra a humanidade, e diz que enviará um projeto de lei ao Congresso para estabelecer que os crimes cometidos por grupos guerrilheiros sejam imprescritíveis.
O anúncio ocorre enquanto manifestações pelo Dia da Memória, data que homenageia as vítimas da ditadura, tomam as ruas do país.
O porta-voz presidencial, Manuel Adorni, afirmou que a decisão reforça o compromisso do governo de Milei com a transparência e a justiça histórica. “Durante anos, esses documentos permaneceram ocultos e serviram a interesses políticos. Agora, estarão verdadeiramente a serviço da memória”, declarou. Segundo ele, a medida se baseia no Decreto 4/2010, assinado no governo de Cristina Kirchner, mas nunca plenamente implementado.
Entre os casos incluídos na reavaliação histórica, destaca-se o ataque do ERP contra o capitão Humberto Viola, ocorrido em 1974, na província de Tucumán. Na ocasião, um grupo armado emboscou o militar e sua família, matando-o e também sua filha de apenas 3 anos. “É inadmissível que esse crime tenha sido ignorado por tanto tempo. Agora, finalmente, será reconhecido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) como um crime contra a humanidade”, afirmou Adorni. Em 2022, o governo de Alberto Fernández argumentou que o incidente não constituía um crime contra a humanidade e, portanto, estava sujeito a um prazo de prescrição.
O projeto de lei para tornar crimes de guerrilheiros imprescritíveis, porém, pode ser um desafio. Na Câmara, o governo consegue forjar maioria. No Senado, o cenário é mais complicado, já que há maioria peronista.
O porta-voz também criticou administrações anteriores, acusando-as de utilizarem os arquivos do SIDE como “moeda de troca política” em vez de promoverem um acesso transparente à informação. Ele citou como exemplo a desclassificação de documentos sobre o assassinato de John F. Kennedy nos Estados Unidos, argumentando que a abertura de arquivos históricos é uma prática essencial em democracias.
O processo de desclassificação de documentos sobre a ditadura já havia sido iniciado por governos anteriores, em colaboração com os Estados Unidos. Em 2016, Washington iniciou a liberação de milhares de arquivos relacionados ao período, resultando, em 2019, na divulgação de 49 mil páginas de registros de suas agências de inteligência, incluindo CIA, FBI e Departamento de Defesa.
A decisão do governo gerou reações entre lideranças políticas. A deputada Myriam Bregman criticou o que chamou de tentativa do governo de reescrever a história, alegando que a “memória completa” promovida pelo governo de Milei busca “impunidade, e não justiça”. Já o governador de Buenos Aires, Axel Kicillof, reafirmou que “são 30 mil” os desaparecidos da ditadura, em referência às vítimas do regime militar.
“Día de la Memoria”
Organizações de direitos humanos, sindicatos, partidos de esquerda marcham nesta segunda-feira, em Buenos Aires, para lembrar os 49 anos do golpe de 1976. A manifestação se concentra na Plaza de Mayo, após a marcha de diferentes grupos pela cidade, incluindo a coluna de La Cámpora, que partiu da antiga Escola de Mecânica da Armada (ESMA), um dos principais centros de detenção e tortura da ditadura.
O governo de Milei optou por não implementar o protocolo ‘antipiquete’, resultando em uma presença policial reduzida durante os atos.
Fonte: VEJA