ARACAJU/SE, 24 de novembro de 2024 , 20:21:17

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‘Prédio que desabou em Miami estava afundando, mas essa não é a única explicação’

 

Desde que o Champlain Towers South, um edifício de 100 unidades à beira-mar, desabou parcialmente na madrugada da quinta-feira (24), foi iniciada uma das maiores operações de salvamento e resgate na história recente do condado de Miami Dade.

Enquanto parentes de mais de 100 pessoas esperam por notícias de seus familiares, outras pessoas vivem o luto pela perda de entes queridos. Muitos se perguntam: como explicar o colapso da construção de 12 andares?

As autoridades insistem que é muito cedo para determinar as causas e dizem que levará meses para chegar a conclusões.

A maioria dos especialistas, porém, adiantam que o desabamento pode ser justificado por uma combinação de fatores. Isso pode incluir problemas estruturais do edifício (que tem 40 anos), assim como possíveis sumidouros, construções na área e até fatores ligados às mudanças climáticas.

Um laudo pericial feito em 2018, e publicado na noite da última sexta-feira (25), mostrou que na época um engenheiro encontrou “grandes danos estruturais”, muitos deles associados ao impacto do salitre, da umidade e da corrosão devido à proximidade com o mar.

Após o desabamento, a mídia local também noticiou um estudo realizado em 2020 pela Universidade Internacional da Flórida (FIU, por suas siglas em inglês) no qual o geólogo Shimon Wdowinski detectou um afundamento de até 2 milímetros por ano na área em que o Champlain Towers está localizado.

Segundo Wdowinski, o edifício foi o único local da área em que foi detectado esse fenômeno entre 1993 e 1999, período em que o estudo se baseou. O especialista esclarece, porém, que apenas isso não explica a tragédia.

A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, conversou com Wdowinski para saber mais a respeito do estudo desenvolvido por ele, o que pode significar para outras áreas afetadas por afundamentos e para o futuro de Miami.

Confira abaixo a entrevista com o geólogo:

BBC – Por que o senhor estudou essa área do edifício que desabou?

Shimon Wdowinski – O estudo que fizemos buscava determinar os níveis de subsidência — afundamento da superfície — como parte de uma investigação sobre o impacto e os custos das inundações costeiras em razão das mudanças climáticas. Estudamos toda a ilha de Miami Beach durante um período de seis anos (1993 a 1999) e usamos isso para detectar movimentos nas comunidades que são impactadas por enchentes na região. Portanto, o propósito era ver o quanto essa subsidência impacta, como ela contribui para as inundações e identificar as áreas em que isso é mais frequente.

BBC – O que o senhor encontrou em particular sobre o Champlain Towers South?

Wdowinski – O estudo não se concentrou naquele edifício em particular, mas o Champlain se destacou como um dos locais que mais apresentou afundamento, cerca de dois milímetros por ano. Não é muito, mas não sabemos o que ocorreu depois de 1999, em que nível continuou a afundar, se continuou a afundar e como isso pode ter afetado as suas fundações e estrutura.

BBC – Em alguns lugares, como a Cidade do México, o nível de afundamento do solo é muito mais alto do que o que foi detectado nessa área. No entanto, existem construções, desde mansões coloniais a catedrais que têm mais de três séculos e existem até hoje. Como então esse afundamento pode ter contribuído para que o prédio desabasse?

Wdowinski – Não é tão comum que os edifícios que sofrem com algum tipo de subsidência desabem. Na verdade, é muito incomum. O que sugerimos com o estudo é que o movimento do prédio não começou pouco antes do colapso. Houve alguns processos que afetaram a estrutura da construção por um longo período. E talvez um ponto foi alcançado onde a estrutura não pode suportar a carga e colapsou. Mas isso é um problema estrutural. Não são coisas que estudo. O que sabemos é que o edifício que desabou em Miami estava afundando havia décadas, mas somente isso não explica o desabamento.

BBC – Após o colapso, e também com os resultados da investigação sobre o desabamento, muitas pessoas que moram em Miami se perguntam se outros edifícios próximos também podem estar em perigo.

Wdowinski – Olhando o mapa que publicamos em nossa investigação, há outros pontos que aparecem como risco de subsidência, mas não naquela região. Esse foi um ponto muito específico. Também quero lembrar que com essa pesquisa estamos falando de algo que ocorreu há 20 ou 30 anos. Não temos dados para saber o que ocorreu após esse período investigado. No entanto, eu diria que o que vimos foi um movimento muito peculiar naquele edifício que não vimos nos outros.

BBC – Vamos falar um pouco sobre as tecnologias que o senhor usou. Como é possível detectar que um edifício está afundando?

Wdowinski – Temos uma tecnologia chamada radar interferométrico de abertura sintética (ou InSAR) que se baseia em um radar que envia sinais do espaço que logo são comparados com outras observações que o satélite faz no mesmo lugar no espaço. São enviados sinais que atingem o solo, árvores ou edifícios, qualquer objeto na superfície, e então alguns desses sinais voltam ao satélite. Dessa forma, é possível detectar pequenos movimentos da ordem de centímetros ou milímetros. É assim que é possível identificar edifícios que estão sofrendo afundamento e que podem ser comprometidos por isso no futuro.

BBC – Mas como isso poderia ser comprometido por esses pequenos afundamentos? Se voltarmos ao exemplo do México, o nível de afundamento da capital é de vários centímetros por ano e só vimos edifícios como esse cair durante terremotos.

Wdowinski – É surpreendente que a Cidade do México esteja afundando nesse ritmo e milhões de pessoas continuem vivendo por lá. Seus engenheiros estão acostumados com isso e estão construindo edifícios que respondam a essas circunstâncias. Devem assegurar-se de que o edifício não está construído sob bases suficientemente fortes para que possa afundar junto com a superfície. Porém, acontece que algumas linhas de metrô foram construídas com uma base muito sólida e isso está se tornando um problema. Temos outro estudo que está sendo analisado no sistema de metrô e como algumas linhas da Cidade do México estão em condições muito críticas devido ao afundamento. Na verdade, a linha que colapsou no mês passado estava entre um dos lugares que identificamos como um dos mais perigosos do sistema de metrô da cidade. Infelizmente, o estudo não pôde ser publicado antes do acidente acontecer.

BBC – Porém, o artigo alertando sobre o afundamento do edifício Champlain Towers South foi publicado antes do desabamento. Houve alguma reação das autoridades após o estudo? Alguma ação ou outra investigação foi feita para determinar o impacto ou o perigo de subsidência detectado?

Wdowinski – A pesquisa que fizemos tratou do perigo de inundações costeiras. Poranto, o foco desse estudo era compreender o quanto a subsidência da terra contribuiu para as inundações. É assim que o apresentamos e como o discutimos em fóruns científicos. É agora, depois do acidente, que o estudo assume essa outra dimensão que não foi a que propusemos originalmente. Mas acreditamos que a tecnologia que usamos poderia ser utilizada para detectar situações semelhantes.

BBC – Miami Beach é uma das áreas mais afetadas por esse problema, segundo o seu estudo. Por que isso acontece em uma ilha que é, contraditoriamente, uma das áreas mais caras do Sul da Flórida?

Wdowinski – Miami Beach foi construída em uma ilha-barreira que é um terreno natural. A parte oriental da cidade, que é uma elevação mais alta, é construída sobre rochas calcárias. A parte oeste da cidade foi construída em áreas úmidas recuperadas. Ou seja, quando a cidade se expandiu, arrasaram o manguezal. Eles colocaram terra e construíram outros bairros ali. Portanto, essa parte da cidade não se assenta sobre rochas muito fortes e é por isso que temos cada vez mais afundamentos e inundações na parte ocidental da ilha. Além disso, há o fato de que a área onde Surfside, Miami Beach e outras comunidades estão localizadas em uma elevação muito baixa e o calcário é muito poroso. Isso significa que não podemos usar o modelo da Holanda, onde se constroem diques, porque a água pode vir de baixo. Outras estruturas precisam ser projetadas, como barreiras, estações de bombeamento e sistema de drenagem.

BBC – O que pode acontecer nos próximos anos com as mudanças climáticas, a elevação do nível do mar e a subsidência nessa região?

Wdowinski – Essa é a razão para que a gente tenha feito o estudo, porque estamos preocupados com a cidade e outras comunidades na Flórida e ao longo da costa atlântica. Agora enfrentamos o que chamam de situação intermediária, em que se espera que os níveis do mar aumentem na taxa anual nos próximos 20 ou 30 anos. A longo prazo, depende da rapidez com que o nível sobe. Tudo depende de como as pessoas respondem ao chamado para reduzir a quantidade de emissão de carbono. Temos diferentes cenários de como as mudanças climáticas e o derretimento das regiões polares impactará, mas quase todos eles representam uma grande ameaça tanto para Miami Beach quanto para muitas outras comunidades.

Fonte: Terra

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