O primeiro-ministro da França, Sébastien Lecornu, renunciou, nesta segunda-feira (6), após menos de um mês no cargo, aprofundando a crise de governabilidade do país e aumentando a pressão política sobre o presidente francês, Emmanuel Macron, para encontrar uma saída para o impasse. Quinto premier francês desde 2024 — e terceiro apenas neste ano —, Lecornu teve o mandato mais curto da História moderna da França, permanecendo apenas 27 dias no poder.
O pedido de renúncia do premier foi apresentado cerca de 14 horas após a apresentação do gabinete de ministros, com quem Lecornu se reuniria pela primeira vez na tarde desta segunda-feira. Os nomes escolhidos atraíram críticas de todo o espectro político francês, da esquerda à direita, antes mesmo de os ministros ocuparem seus cargos. O premier corria risco de enfrentar um voto de desconfiança no Parlamento ainda nesta semana.
“As condições não estavam reunidas para que eu exercesse minha função como primeiro-ministro”, disse Lecornu, denunciando os “apetites partidários” de facções que, segundo ele, forçaram sua renúncia.
O gabinete de Macron divulgou um comunicado de uma única frase informando que o presidente havia aceitado a renúncia de Lecornu — nomeado em 9 de setembro, com as credenciais de ex-ministro da Defesa, aliado próximo de Macron e um nome jovem (de apenas 39 anos), conhecido por sua discrição e lealdade. A expectativa do presidente era de que ele reduzisse a tensão doméstica e lhe permitisse concentrar-se em sua atuação internacional, especialmente nas negociações com os Estados Unidos para encerrar a guerra da Rússia na Ucrânia.
Contudo, a nomeação de um gabinete formado quase que pelos mesmos ministros que já estavam nos cargos foi o estopim para a queda do premier, que tinha prometido uma renovação no governo. Um dos nomes mais questionados foi o de Bruno Le Maire, ministro das Finanças entre 2017 e 2024, que assumiria o Ministério da Defesa.
O partido conservador Os Republicanos (LR, na sigla em francês), que está na coalizão de Macron, disse não ter sido consultado sobre o retorno de Le Maire, a quem muitos atribuem a responsabilidade pelo alto nível da dívida pública do país (115,6% do PIB). A sigla não estava disposta a oferecer a Macron e seus aliados “uma última volta”, afirmou o vice-presidente do LR, François-Xavier Bellamy. A avaliação do jornal Le Monde é que Macron está “sozinho diante da crise”.
A renúncia de Lecornu aprofunda uma crise política que já abala a França há mais de um ano, desde que Macron convocou eleições legislativas antecipadas em 2024, que resultaram em uma Assembleia Nacional sem maiorias e dividida em três grandes blocos: esquerda, centro-direita e extrema direita. Em um discurso nesta segunda-feira, o ex-premier acusou os partidos franceses de não aproveitarem a oportunidade para o debate parlamentar, e sugeriu que muitos políticos estavam mais interessados em se posicionar para as eleições de 2027.
“Os partidos políticos continuam agindo como se todos tivessem maioria absoluta na Assembleia Nacional”, disse Lecornu. “Eu estava disposto a fazer concessões, mas cada partido político quer que o outro adote todo o seu programa”.
Com a instabilidade na França causando abalos em toda a Europa, um porta-voz do governo alemão declarou que uma “França estável” é uma “contribuição importante para a estabilidade na Europa”. A bolsa de Paris caiu após o anúncio, com o índice CAC 40 das principais ações registrando queda de cerca de 1,7% por volta das 06h (horário de Brasília).
Macron tem resistido aos apelos para convocar novas eleições legislativas e também descartou renunciar antes do fim de seu mandato. Ele pode agora procurar um novo primeiro-ministro — que será o oitavo de seu mandato —, mas que enfrentaria sérias dificuldades para se manter no cargo sem uma mudança radical no cenário político.
As eleições presidenciais de 2027 são esperadas como um ponto de virada histórico na política francesa, com a extrema direita enxergando sua melhor chance de chegar ao poder. O líder do partido de extrema direita Reagrupamento Nacional (RN), Jordan Bardella, disse que espera que as eleições legislativas ocorram e que “estará pronto para governar”. Marine Le Pen, liderança histórica da sigla, afirmou que seria “sensato” Macron renunciar, e que eleições legislativas antecipadas seriam “absolutamente necessárias”.
O líder de esquerda Jean-Luc Mélenchon pediu a destituição de Macron, cujo mandato termina em 2027.
Opções ‘arriscadas’
Lecornu enfrentava a tarefa difícil de buscar aprovação em um parlamento profundamente dividido para um orçamento de austeridade para o próximo ano. Seus dois antecessores imediatos, François Bayrou e Michel Barnier, foram derrubados pelo Congresso após impasses sobre o plano de gastos — e ele corria o mesmo risco.
A dívida pública da França atingiu um nível recorde, segundo dados oficiais divulgados na semana passada. A relação dívida/PIB da França é agora a terceira mais alta da União Europeia, atrás apenas da Grécia e da Itália, e está próxima do dobro do limite de 60% permitido pelas regras da UE.
Mujtaba Rahman, diretor para a Europa da empresa de análise de riscos Eurasia Group, afirmou que todas as opções de Macron são “arriscadas”, mas que renunciar ou convocar eleições legislativas pode abrir caminho para a extrema direita chegar ao poder.
“Acreditamos que Macron irá nomear um novo primeiro-ministro e desafiará as oposições, tanto de direita quanto de esquerda, a cooperarem para evitar uma crise fiscal e política profunda”, disse ele.
Fonte: O GLOBO