Os chilenos vão às urnas votar nas eleições presidenciais deste domingo (16) enquanto vivem o medo da criminalidade, da imigração e das gangues que se enraizaram no país em poucos anos – um contraste em relação à onda de otimismo da esquerda e à esperança de uma nova constituição que dominaram o último ciclo eleitoral.
As pesquisas mostram que a criminalidade agora supera a economia, a saúde e a educação como principal preocupação dos chilenos.
Pelo menos 63% disseram que essa era sua maior preocupação na pesquisa “O que preocupa o mundo”, realizada pela Ipsos em outubro, colocando o Chile em segundo lugar entre 30 países, incluindo México, Colômbia e África do Sul.
O Chile continua sendo um dos países mais seguros da América Latina, mas a taxa de homicídios mais que dobrou, passando de 2,32 por 100 mil habitantes em 2015 para 6,0 em 2024.
Já os sequestros atingiram um recorde histórico de 868 em 2024, com o Ministério Público atribuindo 40% deles ao crime organizado.
Tiroteios em plena luz do dia, assassinatos por encomenda, esquartejamentos e sequestros para extorsão – uma realidade antiga em partes da América Latina, mas antes rara no Chile – chocaram a nação e até prejudicaram o crescimento econômico, à medida que as pessoas ajustam seus hábitos diários.
O aumento ocorreu em paralelo a uma onda migratória de venezuelanos, que passou de 82.998 em 2017 para 669.408 em 2024, segundo os dados mais recentes do censo. A reação negativa à imigração se misturou ao debate sobre a criminalidade.
Uma pesquisa realizada pela Activa Research em 2025 revelou que 85,2% dos chilenos se sentiam socialmente distantes dos venezuelanos, um aumento em relação aos 55,2% registrados em 2019.
Lucía Dammert, socióloga da Universidade de Santiago, especializada em crime organizado na América Latina, explica que o aumento significativo de migrantes e da criminalidade após a pandemia criou um duplo choque para um país que não estava acostumado a nenhum dos dois.
“Ainda não nos recuperamos desses choques”, disse Dammert. “E isso se reflete fortemente no debate político, que não conseguiu superar o choque e está se aproveitando desses problemas”.
A disputa eleitoral de domingo coloca Jeannette Jara, candidata da coligação governamental de esquerda pelo Partido Comunista, contra uma série de concorrentes de direita.
É muito provável que a eleição vá para o segundo turno, que deve acontecer em 14 de dezembro, com as pesquisas apontando o candidato de direita, José Antonio Kast, como favorito para vencer.
Kast prometeu expulsar todos os imigrantes sem documentos e seu plano “Escudo da Fronteira” inclui a construção de um muro de fronteira de 5 metros com trincheiras de 3 metros e cercas elétricas.
Aumento da imigração em 2021
Nenhum lugar se tornou um foco maior de migração e criminalidade do que as fronteiras desérticas do norte do Chile com o Peru e a Bolívia.
Colchane, uma pequena cidade na fronteira com a Bolívia, lar de algumas centenas de cidadãos, em sua maioria indígenas aimarás e idosos, ganhou destaque nacional quando centenas de milhares de migrantes, principalmente venezuelanos, entraram no Chile pela região a partir de 2021.
Os moradores estavam acostumados a deixar as portas destrancadas e carros na rua, mas uma onda de arrombamentos, roubos e até mesmo o assassinato de uma mulher de 85 anos em abril deixou muitos desconfiados e apreensivos.
Jocely Garcia, de 33 anos, sempre gostou dos pântanos de Colchane, em grandes altitudes e varridos pelo vento, onde suas lhamas pastam livremente em ambos os lados da fronteira.
No início deste ano, ela contou que um homem com sotaque estrangeiro tentou roubar o carro do seu irmão quando ele apareceu por lá certa manhã.
“Nunca me aconteceu nada parecido”, relatou Garcia. “Hoje em dia, você não pode sair de casa sem trancar a porta. Se tiver algo de valor, como um carro ou uma bicicleta, é roubado”.
Ascensão do crime organizado
Raúl Arancibia, ex-procurador-chefe da região de Tarapacá, no norte do Chile, lembra-se da primeira vez que ouviu falar do ‘Tren de Aragua’, uma gangue transnacional venezuelana.
No final de 2021, quando a migração venezuelana para o Chile crescia exponencialmente, duas mulheres foram detidas ao atravessar a fronteira com ketamina, uma droga rara no Chile na época.
A investigação apontou para Pisiga, a cidade boliviana do outro lado de Colchane, onde o ‘Tren de Aragua’ dominava a fronteira e o fluxo de migrantes.
O norte do Chile, que faz fronteira com dois grandes produtores de drogas, possui uma extensa fronteira permeável e um importante porto franco.
A região era relativamente desconhecida para as organizações criminosas internacionais antes que a imigração em larga escala a tornasse conhecida.
“E quando você trafica pessoas, você diz: por que não traficamos armas? Se você já tem controle e conhecimento das rotas, você expande seus negócios”, analisou Arancibia.
Ele disse que começaram a observar novos tipos de crimes, como extorsão, tortura e assassinatos por encomenda, que se espalharam rapidamente por toda a região.
“Nem mesmo os criminosos chilenos estavam acostumados com esse tipo de violência, então tiveram que se adaptar” e se tornarem mais violentos, afirmou Arancibia.
Ele disse que tentou soar o alarme em Santiago em 2021, mas seus avisos foram ignorados.
Então, quando o presidente Gabriel Boric assumiu o poder, em 2022, os assassinatos atingiram seu nível mais alto, e o governo progressista se apressou em aumentar o financiamento da polícia, aprovar novas leis, criar forças-tarefa dedicadas a combater o crime organizado e mobilizar militares na fronteira.
O governo chileno afirma ter prendido centenas de membros do Tren de Aragua e que o grupo está sob pressão, enquanto a atual administração e Jara dizem que a revogação do sigilo bancário é um passo essencial para combater o crime organizado.
Os candidatos de direita discordam e estão optando por abordagens repressivas em diferentes graus para combater as gangues e conter a migração.
Para Dammert, concentrar-se na fronteira e nos grupos internacionais do crime organizado desvia a atenção da profundidade do problema.
“Às vezes, observamos os grupos criminosos transnacionais com muita atenção, mas nos esquecemos de olhar para os nossos próprios”, disse ele. “No fim das contas, a maioria das pessoas na prisão é chilena e a maioria das gangues é comandada por chilenos”.
Fonte: Reuters





