A reeleição de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos representa um novo marco para a direita global. Ao vencer a candidata do Partido Democrata e atual vice-presidente, Kamala Harris, na disputa presidencial do último dia 5, o republicano impulsiona agendas conservadoras pelo mundo e expõe o esgotamento da sociedade com as atuais estruturas institucionais progressistas vigentes no Ocidente. Com posse marcada para o dia 20 de janeiro, Trump promete trazer de volta à discussão temas que dialogam diretamente com a população, que se sente cada vez mais insatisfeita com as políticas atuais.
A esmagadora vitória do republicano sinaliza uma adesão crescente a pautas de direita ao redor do mundo, cada qual adaptada às particularidades de cada país. Analistas ouvidos pela reportagem apontam que, além de promover a ascensão de prováveis novos movimentos conservadores, o retorno de Trump fortalece os governos de direita que já estão no poder e reflete o desgaste do eleitor médio com a política atual, especialmente no tratamento de temas que envolvem segurança, imigração e valores tradicionais.
Para a Europa, onde o debate sobre imigração e segurança está intenso, a reeleição de Trump representa um impulso significativo para partidos da direita mais nacionalista. Legendas como o Vox, na Espanha, e o Chega, em Portugal, bem como o Reagrupamento Nacional (RN) de Marine Le Pen, na França, deverão se beneficiar da vitória do republicano nos EUA, já que, assim como eles, Trump defende maior controle de fronteiras e endurecimento em questões de imigração. Na Alemanha, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) já surfa na onda de insatisfação da atual liderança de centro-esquerda do país, imersa neste momento em uma forte crise, e deve usar a vitória do republicano como um exemplo de que políticas mais conservadoras têm forte apelo popular.
A influência da vitória de Trump pode alcançar importantes eleições gerais que serão realizadas em diversos países no ano de 2025. Canadá, Chile e a própria Alemanha, onde partidos de centro-esquerda e esquerda estão atualmente no poder e enfrentam baixas taxas de popularidade, realizarão pleitos decisivos no próximo ano. De acordo com pesquisas, conservadores e a centro-direita lideram a disputa pelo governo desses países, e a chegada de Trump ao poder nos EUA serve para fortalecer ainda mais a posição de legendas desse espectro político, em especial pela atração dos eleitores descontentes com as políticas tradicionais.
Em entrevista à Gazeta do Povo, o professor de Ciências Políticas do Ibmec de Brasília, Naue Bernardo, observa que a vitória republicana nos EUA reflete a demanda da população por uma vida mais tranquila e livre de interferências excessivas.
“Esse evento demonstra expressamente mais um dos sintomas do cansaço geral do eleitor mediano com o atual estado de coisas”, disse Bernardo. “O eleitor médio não quer ser ‘incomodado’ com questões políticas, essa pessoa quer ter condições de viver sua vida de forma pacífica e sem maiores problemas”, acrescentou.
Bernardo pontua que o sucesso de Trump nos EUA pode encorajar nos demais países a discussão de políticas mais rígidas voltadas para o controle da imigração e temas como a segurança nacional, mas frisa que a direita de cada nação deve adequar suas pautas conforme os problemas locais.
“Em muitos países, pautas como imigração não fazem sentido; em outros, pautas de costumes podem não pegar. A leitura do cenário atual é o que faz a força da direita, que capta o sentimento da população e oferece uma plataforma para aqueles que estão descrentes na capacidade do sistema atualmente existente de resolver problemas”, disse.
Denilde Holzhacker, professora de Relações Internacionais da ESPM, avalia que a vitória de Trump tem potencial para fortalecer tanto governos de direita já estabelecidos, como na Itália, Argentina e Hungria, quanto grupos conservadores emergentes que buscam ascensão em outras regiões.
Em entrevista à Gazeta do Povo, Holzhacker lembrou que, além do tema da imigração, já central para a direita, especialmente na Europa, a vitória de Trump pode também intensificar debates econômicos e a defesa de políticas de desregulamentação, segurança e até protecionismo, que ganham força como soluções para beneficiar diretamente a população mundial.
“Essa percepção é clara na Alemanha, mas se torna ainda mais evidente nos países da América Latina”, afirma Holzhacker
No Brasil, a eleição de 2026 já começa a ser afetada pela possível volta da direita ao poder. Conservadores brasileiros enxergam na vitória de Trump uma esperança de que Jair Bolsonaro também possa retornar à presidência do país. Embora Bolsonaro esteja inelegível, apoiadores do ex-presidente veem como uma meta possível reverter essa condição e, para isso, defendem medidas como anistia para os presos políticos do 8 de janeiro de 2023 e discussões sobre uma possível reabilitação política de Bolsonaro.
“Vozes do bolsonarismo acreditam que, assim como Trump, Bolsonaro poderá voltar novamente à presidência”, disse Rodrigo Prando, cientista político da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em entrevista à Gazeta do Povo.
De acordo com a Reuters, a empresa de inteligência de riscos Verisk Maplecroft analisou que a vitória de Trump pode trazer mais recursos para a mobilização e esforços de comunicação da direita brasileira.
“Trumpismo e bolsonarismo estão intimamente ligados. Se Jair Bolsonaro jogar suas cartas corretamente, seu círculo interno pode recuperar centralidade no cenário conservador em transformação no Brasil”, disse a empresa em nota.
Segundo Holzhacker, Bolsonaro e seus aliados já estão explorando a conexão com Trump, buscando transmitir que a onda republicana que varreu os Estados Unidos também se refletirá no cenário brasileiro. No entanto, ela lembra que no país ainda “há algumas limitações”.
“Bolsonaro ainda é inelegível. Seu movimento se baseia em criar um ambiente favorável para pressionar pela derrubada da inelegibilidade e lidar com as divergências internas da própria direita”, disse Holzhacker.
A professora explica que o eleitorado brasileiro tem mostrado inclinação à direita, principalmente após as eleições municipais deste ano, com grande receptividade ao discurso econômico, de desregulamentação e de empreendedorismo individual, “que são bandeiras fortes da direita”. Ela destaca que o embate de 2026 deverá ocorrer em torno do papel do Estado na economia e na regulação social.
Holzhacker acrescenta que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará desafios semelhantes aos do governo do democrata Joe Biden, que precisam demonstrar resultados concretos para a população. Para ela, a eleição de 2026 trará um embate entre projetos políticos, mas dependerá ainda de como se definirá a liderança da direita e do envolvimento de Bolsonaro ou de sua família no pleito.
Fonte: Gazeta do Povo