O governo Lula quer incluir no pacote de negociação com os Estados Unidos uma revisão das punições impostas ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, enquadrado na Lei Magnitsky, e também uma reversão da suspensão dos vistos a autoridades do Executivo e do Judiciário brasileiros. Planalto e Itamaraty avaliam que restringir as conversas só a tarifas não basta.
Desde 23 de setembro, quando Donald Trump (Partido Republicano) citou publicamente que teria um encontro com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), interlocutores dos dois países retomaram as conversas. O chanceler Mauro Vieira ficou uma semana em Nova York, onde teve contato com integrantes da administração trumpista. Voltou ao Brasil no domingo (28). As negociações para o encontro, no entanto, ainda estão em fase inicial.
É possível que os dois presidentes conversem ainda nesta semana por telefone ou videoconferência. Parte dos integrantes do Planalto tem pressa para não perder o momento e deixar esfriar a relação recém-estabelecida com Trump.
Um encontro presencial ficaria para um outro momento. Poderia ser realizado em um 3º país ou na residência de Trump em Mar-a-Lago, em Palm Beach, na Flórida (EUA). O governo brasileiro quer evitar uma recepção formal na Casa Branca. Avalia que haveria mais exposição a jornalistas e menos controle sobre eventuais constrangimentos impostos pelo republicano. Não seria a 1ª vez. Já passaram por situações humilhantes no Salão Oval os presidentes da África do Sul, Cyril Ramaphosa, da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e da Turquia, Recep Tayyp Erdogan.
A organização desse tipo de interação entre dois chefes de Estado é complexa e demanda uma série de garantias previamente estabelecidas. Algumas delas se dão em torno do que poderá ser negociado por cada lado. Os três principais temas da conversa – redução das tarifas, reversão das punições contra Moraes e cancelamento da suspensão de vistos a ministros – devem ser colocados na mesa de negociação.
Se Lula for bem-sucedido ao tratar dessas questões, obterá uma vitória relevante sobre o grupo político liderado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. É improvável, entretanto, que o governo Trump recue em tudo o que impôs de sanções ao Brasil e a autoridades brasileiras. A administração do republicano tem forte viés ideológico antiesquerda e a favor das atuação das big techs e empresas norte-americanas em geral.
Seria uma alteração relevante de política da Casa Branca rever todas as críticas públicas que já fez a Moraes e ao Judiciário brasileiro. Trump já disse que o julgamento de Bolsonaro foi uma “caça às bruxas” e que as decisões do STF ferem a liberdade de expressão de cidadãos e de empresas norte-americanas (no caso, das grandes empresas de tecnologia).
Aliados de Lula trabalham com cautela. Dizem que ainda não está claro quem são exatamente os interlocutores preferenciais de Trump. Avaliam que qualquer encaminhamento terá a palavra final do republicano, que pode mudar de ideia de forma inesperada.
Do lado brasileiro, o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, e os ministros de Relações Exteriores, Mauro Vieira, e da Fazenda, Fernando Haddad, têm encabeçado as discussões.
Em 9 de julho, Trump anunciou tarifas de 50% para os produtos brasileiros importados pelos Estados Unidos. Entraram em vigor em 6 de agosto. Em carta endereçada a Lula, o republicano justificou o aumento da taxação pelo tratamento que alegou ter sido dado pelo governo brasileiro ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a quem disse respeitar profundamente.
Em 30 de julho, o governo dos Estados Unidos anunciou a inclusão de Moraes na Lei Magnitsky, utilizada para impor restrições financeiras e econômicas a autoridades estrangeiras acusadas de violações de direitos humanos ou corrupção. Relator do processo que levou à condenação de Bolsonaro, o ministro teria violado direitos humanos ao não ter conduzido um julgamento justo para o Departamento de Estado dos EUA.
Moraes foi acusado de usar o cargo para “autorizar detenções arbitrárias preventivas e suprimir a liberdade de expressão”. As punições envolvem bloqueio de ativos, proibição de entrada no país e restrições de negócios com cidadãos e empresas norte-americanas.
As decisões foram influenciadas pela atuação do deputado Eduardo Bolsonaro(PL-SP) e do empresário e jornalista Paulo Figueiredo junto à ala mais ideológica de direita da Casa Branca –que tem no estrategista Steve Bannon um de seus líderes. Bannon ficou afastado de Trump por algum tempo, mas retomou seu papel de conselheiro do presidente dos EUA. Tiveram um encontro reservado em 19 de junho de 2025.
A atuação de Eduardo Bolsonaro nos EUA provocou uma interrupção nos canais oficiais entre os governos Lula e Trump. Como o jornal O Estado de S. Paulo mostrou, os dois governos voltaram a se falar com mais intensidade a partir da condenação de Bolsonaro pelo STF em 11 de setembro. Uma série de conversas entre autoridades dos dois governos se deu nos bastidores e uma reaproximação foi construída. Empresários do setor privado brasileiro, como um dos donos da JBS, Joesley Batista, ajudou nos contatos.
Lula e Trump tiveram o 1º contato pessoalmente em 23 de setembro, no intervalo entre o discurso de ambos na abertura da 80ª Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. O cumprimento que durou alguns segundos já era esperado pelos dois governos, mas não se sabia exatamente como ocorreria e qual seria sua extensão.
O fato de o republicano ter mencionado o encontro em seu discurso no evento e ter dito que ambos haviam combinado um encontro para esta semana deu outro peso à aproximação entre os dois. O episódio foi lido como uma vitória para Lula.
Minutos antes do cumprimento, o petista havia dito em seu discurso que o Brasil seguirá como “nação independente e como povo livre de qualquer tipo de tutela”. O petista foi aplaudido ao dizer que a democracia e a soberania brasileira são “inegociáveis”. E criticou o que chamou de medidas “unilaterais e arbitrárias” contra instituições e contra a economia do país.
Na sua vez de discursar, logo depois de Lula, Trump relatou o encontro com o petista, a quem elogiou, mas disse que o Brasil irá fracassar sem a ajuda da Casa Branca. “O Brasil está indo mal, e só irá melhorar quando trabalhar em cooperação com os Estados Unidos […] Sem nós, eles fracassarão, assim como outros fracassaram. Essa é a verdade”, afirmou o republicano.
Fonte: Poder360