O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux defendeu, nesta quarta-feira (10/9), a anulação do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros réus por tentativa de golpe por incompetência da Corte para julgá-lo.
A posição do ministro foi celebrada pela defesa de Bolsonaro, que sempre argumentou que o processo não deveria estar sendo julgado no STF.
“Lavou nossa alma”, disse Celso Villardi, advogado de Bolsonaro.
Além disso, Fux também acolheu um dos argumentos-chave dos réus: o de que houve cerceamento da defesa devido à falta de tempo adequado para que os advogados analisassem todo o material levantado nas investigações.
Na avaliação de Fux, feita durante a leitura de seu voto no julgamento, Bolsonaro e os demais réus deveriam ser julgados na primeira instância – isso é, não em cortes superiores como STF –, pois já haviam perdido o foro privilegiado ao deixarem cargos como o de presidente.
“A prerrogativa de foro deixa de existir quando os cargos foram encerrados antes da ação”, disse Fux. “Estamos diante de uma incompetência absoluta”.
Essa não é a primeira vez que Fux se manifesta nesse sentido.
Em março, em sessão para decidir se o STF aceitava ou não denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Bolsonaro e mais sete aliados, Fux já havia dito que acreditava que o caso deveria ir para a primeira instância.
Na ocasião, Fux pediu, caso esse argumento não fosse aceito, que ao menos os 11 ministros do STF (o plenário) julgassem os réus – e não apenas a Primeira Turma.
Ele foi voto vencido, e a sessão na Primeira Turma terminou em 4 a 1 por aceitar a denúncia e manter o julgamento dentro do grupo.
Nesta quarta-feira, Fux também voltou a defender que o julgamento deveria ao menos acontecer no plenário do STF, já que envolveria crimes cometidos por um então presidente da República.
“A competência para o julgamento de presidente da República sempre foi e continua sendo o plenário da Casa”.
“Ao rebaixar a competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos silenciando as vozes de ministros que poderiam esterilizar a forma de pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal”, declarou.
Na decisão de manter o julgamento no STF, os outros ministros entenderam que a jurisprudência da Corte aponta que, nos crimes praticados no exercício de cargo como presidente, a prerrogativa de foro se mantém mesmo após o fim do mandato, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois do fim do exercício do cargo.
Vale lembrar que a denúncia da PGR aponta que a suposta trama golpista começou ainda em 2021, quando Bolsonaro era presidente.
Sobre a competência da Primeira Turma, o regimento interno do STF alterado em dezembro de 2023 diz que o plenário só é responsável pelo julgamento de autoridades como presidente em exercício, vice-presidente, presidente da Câmara e presidente do Senado.
O ministro Alexandre de Moraes defendeu na época que, como Bolsonaro não é mais presidente em exercício, não haveria a necessidade de julgamento no plenário.
A posição de Fux sobre a competência do STF e da Primeira Turma não quer dizer que ele votou pela absolvição total dos réus.
Esta divergência de Fux também não possibilita os chamados “embargos infringentes”, um recurso que pode ser utilizado pela defesa para pedir modificação da pena ao final do julgamento.
No caso de processos julgados por uma das duas turmas – compostas por cinco ministros cada -, são necessários dois votos pela absolvição para permitir a solicitação de embargos infringentes.
Absolvição
Até o início da tarde desta quarta-feira, o ministro votou por absolver os réus pelo crime de organização criminosa. Além disso, ele indicou que também os absolverá pelo crime de dano qualificado e do crime de golpe de Estado.
“Não houve na narrativa demonstração da prática de delito em organização criminosa”, afirmou o ministro, argumentando que não houve uso de arma de fogo, um dos elementos que configura esse crime.
Fux prosseguiu: “Não configuram crimes eventuais acampamentos, manifestações, faixas e aglomerações que consistem manifestações políticas com propósitos sociais”, afirmou. “Mesmo quando isso inclua a irresignação pacífica contra os poderes públicos”.
O ministro ainda disse que declarações “infelizes” ou a “irresignação” de políticos não podem ser classificadas como tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito.
Já era esperado que ele divergisse de Moraes, mas o teor do voto surpreendeu, disseram advogados ouvidos pela BBC News Brasil.
Cerceamento da defesa
Ainda durante seu voto, o ministro Luiz Fux acolheu argumento dos réus de que houve cerceamento da defesa devido à falta de tempo adequado para que os advogados analisassem todo o material levantado nas investigações.
Segundo ele, houve um “tsunami de dados” e esse é mais um motivo para anular todo o processo.
“Eu não sou especialista. A quantidade chega a 70 terabytes. Fui pesquisar isso, nem acreditei, porque são bilhões de páginas”, disse.
“E, apenas em 30 de abril de 2025, portanto mais de um mês após o recebimento da denúncia e menos de 20 dias antes do início do depoimento das testemunhas, foi proferida decisão deferindo acesso à íntegra de mídias e dos materiais apreendidos na fase investigatória”, continuou.
Ele ressaltou ainda que o material foi disponibilizado sem estar classificado, dificultando sua análise pelas defesas e por ele próprio. “Também senti essa dificuldade”, afirmou.
Segundo ele, a falta de acesso adequado da defesa ao conteúdo da investigação impede que advogados possam encontrar eventuais provas favoráveis aos réus no material apreendido.
O ministro, porém, divergiu da defesa em relação à delação de Mauro Cid. Para Fux, a colaboração deve ser mantida, porque os ritos foram realizados de acordo com os termos.
Fonte: BBC News Brasil