Com quase todas as urnas apuradas, o conservador Partido Popular, de Alberto Nunez Feijóo, confirmou o favoritismo apontado pelas pesquisas eleitorais e foi o mais votado mas eleições de ontem na Espanha, tento que não alcançava desde 2016. O PP conseguiu 14 cadeiras no parlamento a mais do que o PSOE do atual primeiro-ministro Pedro Sánchez, de centro-esquerda. Mas, com o desempenho aquém do esperado do ultradireitista Vox, sua coalizão não alcançou a maioria necessária para formar o governo — o que pode forçar novas eleições ou até mesmo a formação de um rearranjo de siglas sob o comando dos socialistas. As negociações já começaram e os féis da balança podem ser os separatistas catalães, que avançaram na Câmara Baixa e avisaram que irão “cobrar caro” por um eventual apoio.
Apesar do aumento de 47 cadeiras, o PP teve resultado inferior ao previsto pelas principais pesquisas divulgadas ontem — Sigma Dos previa entre 145 e 150, enquanto GAD3 dava 150 cadeiras, contra as 136 conquistadas. O tsunami azul (referência à cor do partido) não aconteceu.
— Tivemos mais votos. É uma anomalia o partido mais votado não ter o direito de governar. Na quarta economia do Euro, é imprescindível que o primeiro-ministro seja aquele que teve mais votos. Na história da Espanha, todos os mais votados governaram. Todos. Inclusive Sánchez. Todos governaram ganhando as eleições. Nenhum governou após perdê-las— afirmou Feijóo em seu primeiro discurso após a apuração, defendendo que o partido mais votado deve governar, mesmo sem maioria.
Não é tão simples assim. Em um país dividido ao meio, o número mágico de 176 cadeiras, maioria absoluta no parlamento, não foi alcançado ontem por qualquer grupo político. No flanco da esquerda, o PSOE surpreendeu e ganhou duas cadeiras. A coalizão com o Sumar, de esquerda, chegou a 153 deputados, quatro a mais do que o esperado. Sánchez, em seu pronunciamento, para uma multidão que gritava “não passarão”, enfatizou que “tivemos mais votos do que em 2019”:
— Fracassaram hoje o PP, o Vox e o caminho do retrocesso. Queremos que a Espanha siga avançando, e assim será.
O Vox, de fato, foi a sigla que mais encolheu, perdendo 19 assentos. Analistas apontam que o derretimento da direita radical tem relação com o voto útil no PP e o afastamento de eleitores do partido por suas posições antidemocráticas. Se fizer parte do novo governo, será a primeira vez em mais de quatro décadas, desde o franquismo, que a extrema direita conquistaria tamanho poder na Espanha.
Os resultados atestam o tamanho da divisão do eleitorado espanhol e a importância da ameaça da fragmentação nacional, por um lado, e do avanço autoritário, por outro, na hora do voto. Somados, PP e Vox receberam pouco mais de 11 milhões de votos, contra 10,7 milhões de PSOE e Sumar.
Em Madri, o fisioterapeuta Jorge Varea disse que Sánchez “perdeu a credibilidade”:
— Para formar governo, ele precisará de uns 10 partidos, cada um com seus interesses, frequentemente contrários aos interesses da Espanha.
Já o historiador paulistano Alexandre Muscalu, radicado há anos em Madri, acredita que a chegada ao poder de uma coalizão integrada pelo Vox seria um perigo para imigrantes e outras minorias:
— O Vox é islamofóbico e manifesta-se corriqueiramente de forma machista e racista. No poder, criarão dificuldades aos imigrantes.
As coalizões dependem agora das siglas menores para tentar formar um governo fragmentado, sob risco de instauração de um governo provisório, apenas para convocação de uma nova eleição, em dezembro.Incerteza e separatismo
Fiéis da balança
Feijóo e Sánchez buscam agora firmar acordos com outros sete partidos que conquistaram entre um e sete deputados cada, a fim de obter maioria absoluta. Incerteza política não é novidade na Espanha. Em 2016, o país passou 10 meses em um limbo político de eleições sequenciais, sem conseguir formar um governo. O cenário só se estabilizou quando Sánchez conseguiu o apoio de partidos minoritários.
Projeções do El País apontam como provável o alinhamento de ERC, Bildu, BNG e PNV, que, somados, conquistaram 19 cadeiras, com o bloco de Sánchez, o que deixaria a formação expandida com 172 cadeiras (faltando 4 para formar o governo). Já a coalizão PP/Vox encontraria um alinhamento mais natural com os nanicos UPN e CCA, que conquistaram dois assentos (totalizando 169 cadeiras).
Gabriel Rufián, líder da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), anunciou que as sete cadeiras que conquistou engrossarão, como se esperava, a coalizão de esquerda, e convocou o restante das formações independentistas a não apoiar um bloco de direita com o Vox. Lideranças do Vox questionam a legalidade das agremiações nacionalistas, o que agora é uma pedra no sapato de Feijóo.
Paradoxalmente, o fiel da balança para o futuro governo espanhol deve ser uma sigla que surgiu exatamente para contestar a unidade territorial do país — o Junts per Catalunya, partido fundado por Carles Puigdemont, que tentou organizar um referendo pela independência da Catalunha em 2017. Tratado corriqueiramente como um partido marginal, seus sete assentos serão muito disputados.
A líder do JUNTS, Miriam Nogueras, acenou com a possibilidade de apoio a Sánchez, mas deixou claro que a eventual participação do partido no governo não sairia barato:
— Entendemos o resultado como uma oportunidade, uma etapa para recuperar nossa identidade. Meu pulso não tremerá, não faremos Pedro Sánchez (seguir no governo) em troca de nada.
Fonte: O Globo