Enquanto o nível do mar avança, cerca de 16% das ocupações humanas no mundo têm se aproximado do litoral. A maior parte dessa porcentagem é composta por pessoas de nível de renda baixo (os mais pobres) e alto (os ultra ricos), indica um estudo internacional publicado na revista Nature Climate Change. Já as camadas de renda média tem se direcionado ao interior dos continentes.
Para chegar às conclusões, os pesquisadores analisaram imagens de satélites de luzes ligadas durante a noite entre 1992 e 2019 em 155 países da África, Oceania, Europa, Ásia, América do Sul e América do Norte. Eles observaram que 56% das ocupações humanas se deslocaram em direção ao continente, enquanto 28% delas ficaram estáveis.
“Isso implica que a retirada ainda é a abordagem dominante usada pelas ocupações nos últimos 28 anos. No entanto, o aumento dos riscos costeiros não impediu que as pessoas permanecessem ou até mesmo se mudassem para mais perto do litoral”, analisa o autor do estudo Xiaoming Wang, ligado à Universidade de Monash, na Austrália, e à Academia Chinesa de Ciências.
Além da elevação do nível do mar, viver próximo ao oceano oferece maior exposição a erosão costeira e eventos climáticos extremos, como tempestades tropicais, ciclones e enchentes. O movimento de interiorização é cada vez mais visto como uma resposta necessária às mudanças climáticas.
Os que lideraram o recuo foram países da África e da Oceania, com 67% e 58,6%, respectivamente, de ocupações aumentando a distância entre si e o mar, segundo o artigo publicado em 22 de setembro. Ambos os continentes detêm as comunidades humanas mais próximas do nível do mar.
Entre os estratos sociais, pessoas de renda média baixa foram as que mais foram para o interior, com 65%, seguido por pessoas de renda média alta (59%). A interiorização foi menos pronunciada entre indivíduos de baixa renda (53,9%) e de alta renda (45,6%).
A busca por melhores condições de vida, a fonte de renda ligado ao mar e a falta de recursos para o deslocamento pode fazer com que pessoas de baixa renda permaneçam no litoral. Já aqueles de renda alta contam com mais recursos para fazer adaptações e podem optar por ficar próximo à costa para manter determinado estilo de vida, diz Wang.
O professor Eduardo Bulhões, do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), destaca que estudos mundiais como esse costumam apresentar algumas diferenças com as pesquisas locais em razão de uma perda de precisão.
“Existe uma questão de escala que é importante ficar claro, e esses trabalhos globais dão uma perspectiva bem ampla sobre determinados problemas no litoral, mas podem apresentar discrepâncias se a gente estiver analisando um pedacinho do litoral de forma independente”, explica.
A América do Sul apresentou um cenário similar ao geral de interiorização conforme os níveis de renda, com 49,7% do deslocamento sendo da classe média baixa e 34,4% da classe média alta.
Mas os demais continentes apresentaram diferenças. A América do Norte e a Europa, por exemplo, tiveram um maior recuo em relação à costa da população de alta renda, que registraram 100% e 76,1% de recuo, respectivamente. Na África, foram as pessoas de renda média baixa (46,2%) e baixa (39,2%); na Oceania, os indivíduos de alta (47,1%) e baixa (29,4%) renda; e na Ásia, de renda média baixa (47%).
E o Brasil?
A pesquisa também indicou que entre as ocupações que se deslocaram para o interior do continente há grande presença de agricultura. Isso pode ser explicado pela maior propensão dessa atividade de sofrer com a salinização e as mudanças climáticas.
De acordo com Bulhões, o estudo recém-publicado está relacionado à desigualdade ambiental ao apontar que populações de baixa renda precisam ficar mais perto do litoral, o que os torna mais vulneráveis às mudanças climáticas.
O professor ressalta a necessidade de criar políticas públicas que foquem na interiorização da população e que impeçam a urbanização em áreas costeiras vulneráveis e sem ocupação humana. Porém, o Brasil não vem aderindo a essas políticas.
“O que a gente tem visto aqui no Brasil são, justamente, políticas e investimentos que visam criar linhas de defesa, construir grandes muros, grandes quebra-mares ou grandes projetos de engorda de praia. Mas não se pensa no replanejamento urbano das cidades”, diz.
Fonte: GALILEU