O ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira afirmou, em interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF) nessa terça-feira (10), que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) não o pressionou para alterar o relatório sobre a fiscalização do processo eleitoral produzido pelas Forças Armadas. Nogueira é ouvido na ação em que ele, Bolsonaro e mais seis são acusados de liderar uma tentativa de golpe contra Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2022. Durante a sessão, o ex-ministro também disse que nunca tratou da chamada “minuta do golpe” com os três comandantes das Forças Armadas.
Sobre o relatório das urnas eletrônicas, Nogueira disse que não despachou sobre o assunto com ninguém e enviou o documento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assim como recebeu do técnico responsável pela elaboração.
“O presidente da República Jair Bolsonaro não me pressionou para entregar o relatório em momento algum”, disse.
O ex-ministro apontou ainda que o objetivo do relatório das Forças Armadas não era encontrar fraudes nas urnas, mas fiscalizar o processo eleitoral, o que, segundo ele, são coisas diferentes.
Durante o interrogatório, Nogueira foi questionado pelo ministro Alexandre de Moraes sobre o motivo de o Ministério da Defesa ter emitido uma nota para afirmar que relatório não excluía a possibilidade de fraude ou inconsistência nas urnas.
O ex-ministro, então, afirmou que não escolheu bem os termos do comunicado. “Nas palavras, não fui legal”, disse.
Hacker era ‘técnico de TI’
Paulo Sérgio Nogueira foi questionado sobre contatos que teve com Walter Delgatti, hacker que ficou conhecido pela ligação com a deputada federal licenciada Carla Zambelli (PL-SP). Ambos foram condenados pelo STF por invadirem o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Segundo o ex-ministro, Delgatti era apresentado por Bolsonaro como um “técnico” da área de tecnologia da informação, e não como um hacker que estaria disposto a invadir os sistemas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Segundo as investigações, Zambelli apresentou Delgatti a Bolsonaro. Ele teria, na sequência, sido apresentado a Nogueira. As Forças Armadas, sob o guarda-chuva do Ministério da Defesa, participavam do processo de fiscalização das urnas nas eleições de 2022.
“Estou entalado com esse assunto desde a CPI [do 8 de janeiro]. Estava embarcando para Belém quando o telefone tocou. Era o presidente Bolsonaro: “Estou mandando aí um técnico’”, afirmou. O ex-presidente, então, teria informado que um militar levaria Delgatti. O hacker ficou famoso ao invadir celulares de procuradores da Lava-Jato e divulgar conversas no que ficou conhecido como “Vaza-Jato”.
“Na mesma hora, o oficial responsável disse que ninguém poderia receber esse camarada. Ele [Delgatti] teve o descaramento de dizer na CPI que participou de quatro ou cinco reuniões no Ministério da Defesa, uma comigo. E que o relatório das Forças Armadas [sobre as eleições de 2022] era baseado em ideias dele. É um criminoso”, prosseguiu.
Ao ser interrogado, Bolsonaro também citou o episódio. Ele confirmou que conheceu Delgatti por intermédio de Zambelli e que encaminhou o hacker à Comissão de Transparência Eleitoral, iniciativa do TSE que contava com militares em sua composição. “Eu o recebi [Delgatti]. Não entendo nada de informática, não senti confiança nele. Encaminhei para a Comissão de Transparência Eleitoral e nunca mais tive contato”.
Minuta golpista
Bolsonaro, interrogado antes do ex-ministro, reconheceu ter discutido “hipóteses constitucionais” sobre o resultado das eleições, mas negou ter discutido um golpe de Estado. A exemplo do ex-presidente, Nogueira também negou ter discutido a elaboração de uma “minuta de golpe” com comandantes das Forças Armadas.
Moraes abordou o assunto para saber por que o então ministro convocou uma reunião na sede da pasta no dia 14 de dezembro de 2022. Ao responder, o ex-ministro chegou a propor uma acareação com o ex-comandante da Aeronáutica Baptista Júnior, que relatou em depoimento que Nogueira tentou apresentar a “minuta do golpe” naquele dia e ele se recusou a tratar do assunto.
Segundo Nogueira, ele tratou da chamada “minuta do golpe” apenas na reunião do dia 7 de dezembro, que ocorreu no Palácio da Alvorada, quando o então presidente Jair Bolsonaro apresentou os “considerandos” do documento.
Sobre os atos do 8 de janeiro de 2023, Nogueira definiu o episódio como uma “manifestação pacífica que acabou em baderna”. “Jamais foi uma tentativa de golpe”, afirmou.
Pedido de desculpas
O ex-ministro pediu desculpas por “palavras inadequadas” ditas durante uma reunião ministerial feita em julho de 2022 a respeito do sistema eletrônico de votação.
“Queria me desculpar publicamente por ter feito essas colocações naquele dia. Eu tinha assumido o ministério em abril. Vinha do Exército. Depois de 47 anos de Exército, talvez com aquela postura de militar e vendo que na Defesa as coisas seriam diferentes”, disse.
“[A declaração] coincide com essa reunião em que trato com palavras inadequadas o trabalho do Tribunal Superior Eleitoral. [Me desculpo] olhando para vossa excelência, porque trabalhamos juntos. Foram palavras mal colocadas”, prosseguiu.
Mais cedo, Bolsonaro também pediu desculpa por dizer que Moraes teria recebido US$ 50 milhões para fraudar as eleições de 2022. O ex-presidente foi questionado pelo ministro sobre se havia evidências da afirmação. Ele respondeu que não tinha provas.
“Não tenho indício nenhum, senhor. Foi um desabafo, uma retórica que usei. Então, me desculpe. Não tinha intenção de acusar de qualquer desvio de conduta os senhores”. O pedido de desculpa também se estendeu a Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, que segundo o ex-presidente também teriam recebido dinheiro para fraudar as eleições.
Fonte: Folha de S.Paulo