Novas informações do Censo 2022 divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nessa quinta-feira (9) mostram que 1,3 milhão de habitantes leva mais de duas horas para ir de casa até o serviço. Os dados do novo levantamento sobre essa situação se mantiveram praticamente estáveis em relação à sondagem anterior, de 2010 (redução de 0,8 ponto percentual), mas apontam a persistência de desafios e gargalos do transporte pelo país, especialmente para homens, pretos e parda e de menor renda e em grandes metrópoles como Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus e Salvador e municípios da Baixada Fluminense.
O levantamento mostra que, em doze anos, saltou a proporção de trabalhadores que levam de seis minutos até meia hora para chegar ao trabalho. Segundo o Censo 2022, a maior parte da população ocupada no Brasil — 40 milhões de pessoas — concluía o percurso nesse intervalo. Desde 2010, esse grupo saltou de 52,2% para 57,4% no Brasil. A alta ocorreu em todas as regiões do país, mas foi maior no Centro-Oeste (52,9% a 58,9%); no Sul (59,4% a 64,9%); e no Sudeste (47,6% a 53%).
Todas as regiões também registraram acréscimo na proporção de pessoas que passaram a levar mais de um hora até duas horas para irem trabalhar. O analista da pesquisa, Mauro Pinheiro, destaca que os dados propiciam uma leitura de aumento geral do tempo despendido pelo trabalhador nos trajetos.
“Quando a gente observa Brasil e grandes regiões, a gente repara que houve um aumento geral do deslocamento para o trabalho. Houve um na faixa de seis a trinta minutos e nas faixas mais elevadas, à exceção do grupo de mais de duas horas. Na faixa de uma hora até duas horas, destaque para o Norte do Brasil, que teve um aumento de 2%. Isso indica que aumentou a população que está se deslocando, mas também os gargalos da organização da mobilidade, das redes de transporte público. Há um descompasso entre demanda e oferta”, ressalta Pinheiro.
Para fazer o levantamento, o IBGE levou em conta o deslocamento de casa até o trabalho, sem considerar interrupções no trajeto, e somou o período gasto em mais de um meio, inclusive o percurso feito a pé, se fosse o caso.
O levantamento considerou pessoas de 10 anos ou mais, ocupadas na semana de referência do levantamento, que trabalhavam fora de seu domicílio, excluídas aquelas que atuavam em mais de um município ou país. Foi considerado apenas o trabalho principal do habitante, mesmo se ele prestasse serviços em mais de um lugar.
O Censo 2022 apontou que os homens em geral passam mais tempo no caminho até o trabalho que as mulheres, embora a diferença seja pequena. Elas aparecem em maior proporção no grupo que leva até meia hora, enquanto eles se destacam entre os que demoram de meia até uma hora e também mais de duas horas no trajeto para o trabalho.
Os dados também apontam que pretos e pardos tendem a gastar mais tempo no deslocamento. Mais de um quinto da população desses dois grupos (23,9% e 20,7%) demoram de meia até uma hora para ir ao trabalho. São também os que mais levam mais de duas horas nesse trajeto (2,5% e 2%), atrás apenas dos indígenas (2,9%). Enquanto isso, a maioria da população branca (58,5%) chega no serviço após um intervalo de seis a 30 minutos.
Conforme o rendimento do habitante aumenta, diminui seu tempo de deslocamento, evidencia o Censo 2022. Na faixa dos que ganham até um salário mínimo, mais de um terço (34,6%) leva mais de meia hora até mais de duas horas para chegar ao trabalho.
Esse número cai para 28,8% entre aqueles que recebem mais de cinco salários, cujo deslocamento, em 71% dos casos, leva até trinta minutos. O IBGE destacou haver aumento proporcional da faixa até cinco minutos conforme o rendimento aumenta e redução proporcional do tempo de deslocamento daqueles com maior rendimento domiciliar per capita.
“Tudo isso traz implicações para o planejamento urbano. Quem são os usuários e o quanto isso pode impactar no âmbito da vida da pessoa? Se a gente fala de tempo de deslocamento para o trabalho, a gente fala também do tempo que a pessoa vai ter para se dedicar a outro nível de estudo para ampliar sua formação, ao lazer, outras atividades. E outra: onde você pode morar? Quanto maior a renda, maior a possibilidade de escolher, inclusive perto do trabalho. Por outro lado, o Brasil tem acentuadas diferenças socioespaciais. Há pessoas que têm a mesma renda morando em comunidades urbanas, favelas, perto do serviço, e outras que moram em municípios mais afastados do núcleo da concentração urbana”, analisa Mauro Pinheiro.
Tempo habitual por transporte
Os dados do Censo 2022 mostram também que, em geral, os transportes coletivos, como ônibus, trem, metrô e embarcações para até 20 pessoas registram o maior tempo habitual até o trabalho. Os dados podem estar ligados às maiores distâncias percorridas para esses meios de deslocamento. Ainda assim, o IBGE destaca a alta proporção das faixas de mais de uma hora nessas conduções e menor participação na faixa de seis a 30 minutos.
De automóvel, o tempo habitual até o trabalho foi, em 65% dos casos, de seis minutos até meia hora. Outros 9,6% sequer levam cinco minutos. A porção dos que levam a partir de uma hora soma 6%.
Nos ônibus, os trajetos que levam mais de uma hora chegam a 30,6% — com 3% sendo mais de 60 minutos. Quase quatro em cada dez viagens ao trabalho, porém, é concluída de meia até uma hora.
Nos trens ou metrô, são maioria (52,6%) aqueles que levam mais de uma hora até mais de duas horas no deslocamento para o serviço — 7,7% acima de 60 minutos. Os que levam até meia hora, por outro lado, são apenas um oitavo da população que usa um desses transportes como principal (12,5%).
“De fato os transportes coletivos, como ônibus, trem, metrô, têm faixas de tempo maiores no transporte. Isso se dá pelas distâncias que percorrem e pelas características deles, que têm fluxo mais engessado, traçado definido, enquanto o automóvel e a moto têm níveis de tempo menores. Mas uma coisa acaba alimentando a outra. A pessoa demora no congestionamento pelo alto número de veículos nas vias, passa a pegar transporte individual para chegar mais rápido e causa ainda mais congestionamento”, destaca o analista Mauro Pinheiro.
Nas embarcações de pequeno porte, para até 20 pessoas, os habitantes com trajetos de mais de duas horas chegam a 9%, embora a maior parte leve de seis a 30 minutos até o serviço (42,5%).
Para Ciro Biderman, diretor do FGV Cidades, o levantamento sobre que tipo de transportes as pessoas usam expõe o retrato problemático do uso do sistema público, mas fornece informações importantes para a elaboração de políticas públicas. Ele destaca que o quadro dos transportes públicos se deteriorou durante a pandemia de covid-19.
“Se você sai para um compromisso profissional, você não pode chegar atrasado. Isso tudo se acentuou na pandemia, quando reduziram a frequência de ônibus. Perderam passageiros e reduziram ainda mais. É um ciclo vicioso. Nessa insegurança, o sujeito então compra uma moto e dificilmente volta, porque já fez esse investimento mais alto. A gente não tinha um retrato tão completo como o do Censo 2022. É um avanço grande e uma grande oportunidade de pensar a integração dos modos. Não é nada revolucionário. É regular, cobrar e fiscalizar corretamente”, ressalta.
Em quais cidades se leva mais tempo?
Entre as metrópoles, Rio de Janeiro, São Paulo, Manaus, Salvador e Recife são as cidades em que os habitantes mais demoram para chegar ao trabalho. Na capital fluminense, pouco mais de 92 mil pessoas levava mais de duas horas para isso (5,6%); na capital paulista, outras 151,6 mil (3,4%).
Aliás, dos 20 municípios com população superior a 100 mil habitantes e maior percentual de trabalhadores com trajeto acima de duas horas, 11 eram do estado do Rio — com destaque para a Baixada Fluminense — e sete do de São Paulo.
Por outro lado, Florianópolis, Goiânia e Porto Alegre registram as maiores proporções de pessoas que levam de seis minutos a meia hora até o trabalho.
“Aliás, quase 70% dos habitantes leva até meia hora para ir ao trabalho na metrópole de Florianópolis. É a única em que esse número supera a média nacional, de 66%”, destaca Raphael Rocha, analista da pesquisa.
Fonte: O GLOBO