Com dimensão continental, o Brasil não aproveita o potencial do transporte de cargas por trilhos para redução de custos logísticos. Uma combinação de herança histórica, falta de planejamento de longo prazo e crédito caro explica a dificuldade em ampliar a malha ferroviária nacional, segundo Natália Marcassa, vice-presidente de Relações Institucionais da Rumo Logística, maior operadora ferroviária do Brasil.
“Hoje, a nossa malha ferroviária tem mais ou menos 30 mil quilômetros, mas apenas um terço disso tem operação com carga mesmo”, afirma Marcassa em entrevista ao programa EXAME INFRA, realizado pela EXAME em parceria com a empresa Suporte.
Economista e ex-secretária dos ministérios dos Transportes e Infraestrutura, Marcassa diz que a ferrovia no Brasil nasceu em 1854 com uma lógica voltada à integração nacional, iniciada no século XIX, ainda no Império.
Toda a estrutura se concentrou no litoral e regiões estratégicas como o Sudeste e parte do Sul, com objetivos até de proteção de fronteiras, o que hoje limita a sua utilidade econômica, como explica a especialista.
Na década de 1950, a malha ferroviária chegou a ter cerca de 37 mil quilômetros. Mas 40 anos depois, a estrutura passou a dar prejuízo de pelo menos US$ 1 milhão por dia. Para responder ao déficit, a Rede Ferroviária Federal, que operava a estrutura, foi liquidada. E o processo de privatização das ferrovias focou mais em reduzir prejuízos do que promover novos investimentos. “A ideia da privatização era parar de perder dinheiro, não ampliar a malha”, diz Marcassa.
Os contratos fechados na época permitiam, por exemplo, que as concessionárias abandonassem trechos considerados antieconômicos — o que, na prática, levou os operadores a terem interesse apenas nas rotas com maior rentabilidade.
Como consequência, 56% da atual malha ferroviária do Brasil tem um fluxo inferior a dois trens por dia, aponta relatório do Tribunal de Contas da União (TCU). Divulgado no ano passado, o documento mostra a ociosidade como uma falta de investimentos e de manutenção no setor ferroviário.
Segundo a vice-presidente da Rumo, a lógica só começou a mudar em 2017, com a legislação que permitiu renovações antecipadas das concessões ferroviárias, atreladas a novos investimentos.
“Foi uma remodelagem dos contratos para trazer uma regulação dos dias atuais. Desde então, voltamos a ver investimentos no setor”, afirma.
Desafios atuais para ampliação das ferrovias
À frente da principal companhia de operação do setor, Marcassa observa que apesar dos avanços nos últimos oito anos, o custo de financiamento ainda é um grande entrave.
“Não tem acesso a instrumentos de fomento com taxas apropriadas. Uma taxa de quase 15% machuca demais o investimento em infraestrutura. Em ferrovia, nesse valor, é quase impeditivo”.
De acordo com a executiva, o apetite de novos investidores no setor ferroviário existe, mas depende das condições de financiamento. Na Rumo, por exemplo, parte do CAPEX da empresa já contratado para este ano, de quase R$ 6 bilhões, prevê obras de ampliação no Porto de Santos, em São Paulo.
Mas, segundo a vice-presidente, a companhia tem apetite para investir ainda mais, porém “não consegue”.
A executiva chama atenção para a necessidade de rever a distribuição de riscos nos contratos de concessão.
“A gente evoluiu mais no setor rodoviário do que no ferroviário nesse aspecto. Um contrato com alocação de risco desequilibrada aumenta a incerteza e dificulta o financiamento”, afirma.
Os exemplos incluem desde o custo com desapropriações até contrapartidas sociais em regiões vulneráveis, que hoje são arcadas pelas concessionárias sem estar previstas nos contratos.
Além disso, a falta de formalização da regulação ambiental é outro ponto crítico. “No Brasil, a gente tem uma tradição de leiloar sem licença prévia. O concessionário só conhece os riscos depois, o que traz muita incerteza”, diz Marcassa.
Mudança estrutural em infraestrutura
A vice-presidente da Rumo vê avanços importantes na meta do Ministério dos Transportes de atrair R$ 200 bilhões em investimentos ferroviários, assim como o lançamento de leilões no setor.
Como afirmou ao EXAME INFRA o secretário da pasta, George Santoro, estão previstos certames como o da Arco Ferroviário do Sudeste (F118) e Ferrogrão. Uma novidade para esse tipo de transporte que, em 40 anos, registrou apenas três leilões.
Marcassa pondera, no entanto, que o processo é de longo prazo. “Nada em infraestrutura se faz da noite para o dia. O importante agora é ter planejamento, escutar o mercado e modelar bem os projetos. Se a gente não tiver projeto, não sai 1 km a mais de ferrovia”.
A Rumo tem ampliado investimentos, especialmente no corredor ferroviário que liga o Mato Grosso ao Porto de Santos, além da modernização dos terminais portuários. A empresa também está em negociação com estados para aproveitar trechos ferroviários ociosos ou abandonados para o transporte de passageiros e trens turísticos.
A companhia negocia repasses de malhas para viabilizar projetos como o TIC (Trem Intercidades), mas o investimento não está no seu plano de negócios, de acordo com a vice-presidente, Natália Marcassa. “Estamos conversando com os estados para viabilizar o uso de áreas que não têm operação. É uma forma de reativar trechos importantes sem partir do zero”.
Fonte: EXAME