A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) é fonte de intriga e desconfiança desde o início do governo Lula. Após a eleição, a Polícia Federal (PF), por ordem de Andrei Rodrigues, que viraria o diretor-geral da corporação, fez uma série de ações para isolar os servidores da agência. Eles tiveram, por exemplo, o acesso bloqueado à sede do governo de transição, onde as principais balizas do novo mandato eram decididas. Também foram recusados os computadores cedidos pelo órgão e até mesmo a rede de internet foi alterada.
A suspeita, desde então, era a de que haveria algum tipo de espionagem contra os petistas por parte dos agentes de inteligência, à época vinculados ao Gabinete de Segurança Institucional (GSI), então comandado pelo general Augusto Heleno. Ao assumir a cadeira presidencial, Lula tirou a Abin do guarda-chuva do GSI, transferindo-a para a Casa Civil – ou seja, para o braço-forte do Palácio do Planalto. O movimento, no entanto, não foi suficiente para pacificar as relações.
A PF e a Abin sempre estiveram em rota de colisão, principalmente pelo fato de o chefe da agência, Luiz Fernando Corrêa, ter mantido em postos de confiança pessoas que eram consideradas ligadas a Jair Bolsonaro e a Alexandre Ramagem. Uma dos alvos de suspeição, desde o início, era Alessandro Moretti, que acabou demitido por Lula na última terça-feira (30).
Pessoas influentes do governo, como o então ministro da Justiça Flávio Dino, tentaram uma espécie de intervenção para barrar o número 2 da agência, que foi braço-direito de Anderson Torres, ministro de Bolsonaro, na secretaria de Segurança do Distrito Federal. Lula, no entanto, dizia que havia dado carta branca a Corrêa para montar a sua equipe e não iria interferir nas escolhas.
Um episódio ocorrido na Casa Civil no auge das investigações da CPMI sobre o 8 de janeiro ilustra o clima belicoso. No encontro, Moretti apresentou um relatório com potencial de trazer problemas ao governo – o documento trazia responsabilizações ao Ministério da Justiça e ao então chefe do GSI, Gonçalves Dias, pelos atentados às sedes dos Três Poderes. O parecer, portanto, dava ressonância à estratégia dos oposicionistas da comissão, que acusavam o governo de ter sido negligente diante das ameaças de ataques obtidas por órgãos de inteligência na véspera.
Participantes da reunião, os ministros Rui Costa e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), e o então secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, se indignaram com o posicionamento e cobraram explicações do chefe da Abin. Eles viram, ali, justamente um jogo duplo da cúpula da agência para atingir Lula e seu governo. Luiz Fernando Corrêa reagiu: “Vocês estão duvidando da minha lealdade ao presidente?”, questionou. Ao fim, não se sabe se por lealdade ou por falta de embasamentos, o relatório acabou descartado – governistas, claro, dizem que o material era inócuo.
Outras divergências
Não foi a primeira vez que materiais produzidos pela Abin foram contestados por governistas. Em conversas privadas, auxiliares de Lula chegaram a fazer chacota da qualidade dos documentos de inteligência. Entregues lacrados e tarjados como ultraconfidenciais, o relatórios não costumam passar de um mero apanhado de reportagens jornalísticas, acompanhadas de alguns comentários.
Além disso, pessoas ligadas à PF apontam para uma obstrução da agência de inteligência com as investigações. Inicialmente, a Abin forneceu dados de apenas 1,8 mil monitoramentos feitos por meio da ferramenta de geomonitoramento FirstMile. Depois, porém, descobriu-se que, na realidade, foram feitas mais de 60 mil consultas, das quais metade delas esteve concentrada durante as eleições de 2020. Os dados ficaram armazenados em um servidor israelense.
Por esses e outros motivos, aliados do presidente esperavam que Lula fosse aproveitar as investigações da PF para fazer uma limpa na Abin e trocar toda a cúpula do órgão. O argumento era que, a exemplo do que já tinha acontecido em outubro, também no âmbito das apurações sobre o uso do software espião, o ministro Alexandre de Moraes pudesse tomar a dianteira e afastar, numa canetada, a cúpula do órgão.
O presidente, no entanto, fez mudanças parciais, demitiu o número 2 da Abin e trocou outros quatro diretores, mas decidiu manter o diretor-geral.
Fonte: VEJA