A declaração de um advogado no plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) apagou os mais de 4 séculos que separam Nicolau Maquiavel de Antoine de Saint-Exupéry. O comentário ainda repetiu o erro bastante comum de associar uma frase polêmica ao legado do filósofo italiano.
“Como diz ‘O Pequeno Príncipe’, os fins justificam os meios”, afirmou o advogado Hery Waldir Kattwinkel na tarde de quinta-feira (14), segundo dia do julgamento dos atos golpistas de 8 de janeiro.
A gafe foi apontada ainda na sessão pelo ministro Alexandre de Moraes, que acusou o advogado de “esquecer” a defesa do cliente e de fazer “discursinho” para as redes sociais.
“Realmente é muito triste (…) confundiu ‘O Príncipe’, de Maquiavel, com ‘O Pequeno Príncipe’, de Antoine de Saint-Exupéry, que são obras que não têm absolutamente nada a ver”, afirmou Moraes.
Depois, em razão dos ataques que fez aos ministros durante a sua fala, o advogado acabou expulso do partido Solidariedade ao qual era afiliado.
Confira do que tratam os livros, quem são seus autores. Além disso, a frase sobre os “fins” é erroneamente atribuída a Maquiavel.
Dois livros: ‘manual’ político x fábula/novela filosófica
- “O PRÍNCIPE”: O primeiro dos livros a ser publicado foi “O Príncipe”, em 1532, período histórico conhecido como Renascimento. É uma obra fundamental na filosofia e precursora da ciência política moderna, que costuma ser tema de questões nos vestibulares e no Enem.
- Pode ser lido como uma espécie de “manual” de política e liderança.
- Foi escrito para os soberanos, para os príncipes.
- Busca responder o que o governante precisa fazer para permanecer no poder e evitar a instabilidade.
- Enfatiza a necessidade de pragmatismo e realismo político, e que o governante deve agir conforme o momento.
- Tem capítulos com temas do tipo: “De como se evitam os aduladores”.
“‘O Príncipe’ é uma obra central e incontornável não só para as pessoas da filosofia política, mas para as pessoas que pensam na política, no estado, na sua organização e na lei. Portanto, para um advogado, é incontornável”, afirma Gian Dorigo, autor de história e filosofia do Sistema Anglo de Ensino e doutorando em filosofia política.
O professor Rafael Saldanha, autor de filosofia do Sistema de Ensino pH, lembra que o livro de Maquiavel atrai atenção assim como “A Arte da Guerra”, de Sun Tzu, por ter a preocupação de compartilhar ensinamentos, servir como guia.
“A grande questão do Maquiavel é como a gente consegue construir um governo e um governo que consiga evitar a instabilidade”, afirma Saldanha.
- “O PEQUENO PRÍNCIPE”: A obra de Exupéry é considerada uma fábula ou uma novela. No geral, é classificada como literatura infantojuvenil e é ilustrada pelo próprio autor.
- Foi escrito durante a Segunda Guerra Mundial, contendo muitas referências autobiográficas.
- Conta a história de um garoto, um pequeno príncipe, que viaja por planetas e encontra personagens peculiares.
- Explora temas como amizade, amor, responsabilidade e a busca por significado na vida.
“Ele é um tipo de livro muito raro, é um livro sobre sabedoria”, avalia o professor Rafael Saldanha.
Traduzido para centenas de idiomas, é também uma obra muito conhecida por frases famosas, veja abaixo uma lista:
- “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas.”
- “O essencial é invisível aos olhos.”
- “Todas as pessoas grandes foram um dia crianças, mas poucas se lembram disso.”
- “Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante.”
“Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três começarei a ser feliz.”
Filósofo x Aviador: quem escreveu?
- Nicolau Maquiavel (1469-1527): Nasceu em 3 de maio de 1469, em Florença, Itália. Foi um filósofo político, diplomata e escritor. Maquiavel serviu como diplomata na República de Florença, mas também enfrentou períodos de exílio devido a intrigas políticas.
- Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944): Nasceu em 29 de junho de 1900, em Lyon, França. Foi um escritor, poeta e aviador. Durante sua carreira como piloto, Saint-Exupéry trabalhou como correio aéreo na América do Sul, experiência que influenciou sua obra. Ele também serviu como piloto durante a Segunda Guerra Mundial e desapareceu durante uma missão em 1944.
Os fins justificam os meios?
Em sua manifestação no STF, o advogado Hery Waldir Kattwinkel citou a frase famosa que costuma ser associada erroneamente a Maquiavel. Parte dessa interpretação equivocada do seu texto, dando a ideia de que o governante pode tudo, é que fez seu nome dar origem ao adjetivo pejorativo: maquiavélico.
O professor Rafael Saldanha lembra que a frase “os fins justificam os meios” é atribuída ao poeta romano Ovídio na sua obra Heroides. “Maquiavel fala coisas parecidas, mas não é isso que está em jogo”, afirma o professor.
Uma frase mais próxima e que de fato tem origem nos escritos é a que diz “que é melhor ser temido do que ser amado pelo povo”. A frase não consta literalmente desta forma na obra, especialmente no capítulo 17, que trata do tema.
Mas, no texto, o autor aborda essa ideia e diz que, se tiver que escolher uma das duas, deve escolher ser temido, pois esse sentimento é capaz de manter seus súditos unidos e evitar desordem. E que o fundamental é evitar ser odiado pelo povo.
Fonte: G1