A Comissão Externa da Câmara dos Deputados que apura o derramamento de óleo no litoral do Nordeste realizou audiência pública, nesta quinta-feira (28), para debater os impactos socioeconômicos do desastre ambiental do vazamento na cadeia produtiva do pescado. O debate foi fruto dos requerimentos apresentados pelos deputados João Daniel (PT/SE), coordenador da Comissão, e Carlos Veras (PT/PE).
Para o parlamentar sergipano, a audiência teve papel fundamental para saber o impacto sobre a segurança alimentar e a perda dos pescadores, formais e informais, e todos os que dependem dessa atividade para viver, além dos efeitos para a saúde humana para os que tiveram contato com o óleo e também quem ingeriu alimentos que possam estar contaminados, sem contar o impacto para a cadeia produtiva.
“Nosso objetivo, com esse debate, é apontar medidas de curto, médio e longo prazo, de proteção da saúde, assistência social, principalmente aos grupos mais vulneráveis, e a recuperação da cadeia econômica local, a fim de manter as atividades econômicas regionais”, ressaltou João Daniel. Para a audiência foram convidados representantes dos pescadores, pesquisadores e representantes de órgãos públicos para falar sobre as medidas que vêm sendo tomadas para mitigar os efeitos desse crime ambiental. Também estiveram presentes deputados federais.
A professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Rita de Cássia Franco Rêgo, registrou que não foi acionado o plano de contingência por acidente com poluição por óleo em água, que foi um decreto ainda do governo Dilma Rousseff, e nem a criação do Comitê Executivo coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente, que tem a função de autoridade nacional desse plano nacional de contingencia. A pesquisadora apresentou dados da extensão do alcance do vazamento. Segundo ela, de 30 de agosto a 21 de novembro, 11 estados já foram afetados, 124 municípios e 772 localidades afetadas.
Dados do impacto
Em sua explanação ela falou sobre a composição, toxicidade e os riscos desse óleo para as pessoas que, de alguma forma, tem tido contato com esse óleo que chegou ao litoral com o vazamento. Entre os dados apresentados por ela, mais da metade da captura de pescado nos países em desenvolvimento é produzida por pescadores artesanais. Nas últimas estatísticas disponíveis no país, 957 mil pescadores artesanais eram registrados até setembro 2011, totalizando 98,7% do total. A pesca artesanal responde por 75% da pesca produzida no Nordeste.
Só na Bahia existem 130 mil pescadores artesanais. No entanto, esses pescadores trabalhadores autônomos predominantemente em produção familiar, com uma renda média de R$ 300 a R$ 400, a grande maioria negros (90% a 95%), sendo aproximadamente 30% analfabetos, o que dificulta o acesso às informações sobre os riscos à saúde e a necessidade de proteção.
Para o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Gilberto Gonçalves Rodrigues, que também é coordenador do Comitê UFPE/USMar, aconteceu uma falha de conduta, de política porque não se acionou o Plano de Contingência. Esse comitê só foi acionado em outubro. “É um desastre de maior extensão no país”, classificou.
Com a experiencia de quem há anos trabalha com populações tradicionais, esse desastre vem atingindo um vasto ecossistema e as pessoas que vivem diariamente junto dele, homens e mulheres que têm uma visão cosmológica. “Pescadores, pescadoras artesanais, marisqueiras, catadores de siri, caranguejo representam uma grande parte da população brasileira, porque estão localizados em toda vastidão do nosso litoral. O sistema pesqueiro possui uma multipolifuncionalidade, uma diversidade muito grande de obtenção de recursos, mas é o mais desprezado de todas as culturas no Brasil”, disse.
Importância da pesca
Ele relatou que, em Pernambuco, o último diagnóstico de pesca, divulgado em 2010, apontava um universo de 34 mil pescadores artesanais, número que o pesquisador acredita já ser o dobro, porque por conta da crise econômica existe muito na informalidade.
“A pesca artesanal é extremamente importante para o desenvolvimento socioeconômico do Nordeste, principalmente para Pernambuco. Por isso há uma extrema necessidade de a gente se debruçar pela as questões ambientais, porque não são apenas os ecossistemas que são importantes, mas há essa população que sempre esteve ali. E se essas áreas estão conservadas, é porque esse povo está ali”, afirmou Gilberto, que acrescentou que a UFPE foi a primeira instituição a lançar edital de pesquisa e extensão voltada esta questão e mesmo com um valor irrisório de R$ 250 mil estão tentando multiplicar o recurso para desencadear ações que venham contribuir nessa situação.
Com bastante indignação, a representante do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais, Maria Martilene Rodrigues de Lima externou toda sua revolta com essa situação e o impacto que tem causado a milhares de famílias que sobrevivem da pesca e que têm que ver o litoral atingido pelo petróleo, como ela prefere denominar a substância encontrada nas praias e rios desde que o vazamento foi identificado. “Desde que tudo isso iniciou, a primeira imagem que me veio à cabeça, foi o que seria dessas mulheres e dos pescadores artesanais, que dependem da pesca, a maioria negro e indígena. É para nós que vem todo esse desmando e desgraceira”, desabafou.
As consequências desse desastre, segundo ela, atingem toda comunidade pesqueira e seu território, “que não é só terra e água. É todo nosso saber que está sendo desrespeitado e vindo como um rolo compressor, com os grandes empreendimentos que estão chegando à nossa comunidade sem nenhuma consulta, como se fossem donos das terras”, acrescentou Martilene, ao ressaltar que mesmo assim o governo insiste em tratá-los como invisíveis.
“Colocamos 70% do pescado que chega à mesa é por nós, pescadores artesanais e a chegada do petróleo está gerando um impacto econômico, social e humano. “Nossa saúde está comprometida. Quem teve o primeiro contato com o óleo fomos nós, porque o governo foi omisso, depois de 41 dias foi que acionou o plano de contingência”, disse, disparando sobre as coincidências de tudo isso acontecer no Nordeste, mesma região que o governo tanto odeia. “Esse petróleo está causando um impacto enorme para nós, principalmente para as mulheres, porque não temos como dar comida aos nossos filhos, porque não conseguimos pescar e quando pescamos não conseguimos vender. Nosso povo está passando fome. Isso vai gerar saída para as cidades”, declarou.
Para ela, a antecipação do Seguro Defeso não vai ser a solução, pois não atinge a todos, uma vez que há muitos pescadores que não estão registrados, até porque há anos não é feito cadastro e muitos trabalham na informalidade. “Precisamos de um plano emergencial para todos impactados. O Seguro Defeso não vai nos proteger. A gente repudia o silencio do governo. Nossos territórios já estão contaminados, nós sabemos disso e não vamos poder pescar”.
O secretário de Aquicultura e Pesca Substituto do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), João Crescêncio, relatou as ações que a pasta vem empreendendo e o grupo formado no governo federal constituído por diversas instituições e um grupo de acompanhamento e gestão. Falou sobre o desmanche na estrutura executiva para a pesca, com a extinção do ministério da pesca para uma secretaria que esteve em várias pastas e agora está no Ministério da Agricultura. Sobre o cadastro dos pescadores, no momento há dubiedade de legislação e por isso alguns decretos estão sendo revogados, para que possa ser feito o recadastramento e cadastramento de pescadores que ainda não estão registrados.
O diretor do Departamento dos Serviços Técnicos da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA/MAPA), José Luís Ravagnani Vargas, apresentou um resumo de ações e resultados sobre o derramamento de óleo e o funcionamento do Centro Integrado de Resposta Nacional a Emergências Agropecuárias (Cirene). E o diretor do Departamento de Política e Ações Integradas do Ministério do Turismo, Luciano Puchlski, informou que o ministério está acompanhando toda essa situação está acompanhando toda essa situação que impacta no turismo. O que foi complementado pelo coordenador-geral substituto do Departamento de Política e Ações Integradas do Ministério do Turismo, Rodrigo Batista Santana Rios, de que ainda em novembro será divulgado o resultado da pesquisa de sondagem empresarial sobre os impactos do vazamento na cadeia turística.
Entre os presentes à audiência pública, o ex-deputado federal e ex-ministro da Pesca no governo Lula, José Fritsch, que questionou aos representantes do governo federal se este havia abandonado a ideia de buscar quem foi o culpado pelo desastre. “Essa explicação ser dada à população brasileira”, afirmou, ao lembrar que desde o início tentaram fazer uma disputa política e ideológica com a afirmação de que o óleo viria da Venezuela e esqueceram das milhares de pessoas atingidas por isso. “Vemos que o problema está saindo da mídia e essa questão vai gerar anos e anos de reflexo com os impactos para a população e meio ambiente. É um sinal de que esse problema terá uma duração de longo prazo de duração”, disse, ao opinar que nesse caso não pode ser aplicada a lei do defeso.
A palavra foi aberta aos participantes para que pudessem fazer questionamentos aos convidados. Ao final, o deputado federal João Daniel agradeceu aos participantes e representes de pescadores e ressaltou o papel da Comissão Externa de fazer uma investigação para contribuir para a apuração desse crime ambiental ocorrido no Brasil, preparar legislação. O parlamentar acrescentou que todas as sugestões foram recolhidas pela consultoria da Câmara e por orientação do presidente da Câmara os parlamentares vão ajudar a articular projetos e também debatera inclusão no orçamento de recursos destinado aos pescadores artesanais, para apresentar próxima semana, antes do recesso, para ajudar a amenizar os impactos que eles vêm sentindo.
Fonte: Ascom Parlamentar