Conforme o prometido, a versão dos deputados para o projeto de marco fiscal apresentado pelo governo criou gatilhos automáticos e endureceu as punições caso o Executivo não cumpra as metas de gastos que serão estipuladas anualmente no Orçamento.
A versão original havia reduzido as exigências e preocupou economistas, que tinham considerado as regras muito brandas para garantir que os presidentes se comprometessem de fato em respeitar os limites de despesa e endividamento estipulados.
O relator do marco fiscal na Câmara, o deputado Claudio Cajado (PP-BA), apresentou na terça-feira (17) o seu relatório final sobre o projeto de lei, que é a nova versão da proposta após alterações coordenadas por Cajado junto a parlamentares, governo e técnicos para chegar ao parecer.
É esta versão que segue, agora, para ser debatida e votada na Câmara e, depois, no Senado.
Como a proposta original apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a nova versão mantém de fora a criminalização do presidente ou de membros do governo para o caso de descumprimento das regras fiscais.
Isto poderia, por exemplo, gerar um crime de responsabilidade fiscal, o que, no cenário mais extremo, pode levar ao impeachment do presidente.
O endurecimento proposto no texto de Cajado foi feito por meio de mecanismos que criam diversas barreiras econômicas aos gestores no caso de descumprimento das metas.
Gatilhos automáticos e aumentos vedados
Pelo novo texto, o governo fica automaticamente proibido de fazer determinadas expansões de despesa, como criar cargos, criar ou dar aumento para programas sociais, ou conceder novas isenções tributárias, caso descumpra as metas de resultado primário em um ano.
Criar um benefício como o vale-gás, concedido no ano passado às vésperas da eleição em meio a preços recordes do botijão, ou dar aumento para o Bolsa Família, por exemplo, são ações que passam a ficar vedadas até o fim daquele ano.
Caso descumpra a meta novamente, em um segundo ano consecutivo, a lista de travas se amplia, proibindo também reajustes para servidores e realização de concursos para novas contratações.
O que fica proibido após 1 ano de descumprimento de meta:
- Criação de cargos, caso implique em aumento de despesas;
- Reestruturação de carreiras que implique aumento de despesas (como criar novos cargos ou benefícios em carreiras como as de militares, do Judiciário, profissionais de saúde e outras áreas públicas.
- Criação ou aumento de auxílios, vantagens e benefícios.
- Criação ou expansão de programas e linhas de financiamento (como o Minha Casa, Minha Vida; o Programa de Aceleração do Crescimento ou as linhas de crédito direcionadas da Caixa e do BNDES).
- Renegociação ou refinanciamento de dívidas que impliquem em ampliação de subsídios.
- Concessão ou ampliação de incentivos tributários (como desonerações a combustíveis, à cesta básica ou a algum setor empresarial).
- Criação de despesas obrigatórias (alguns exemplos de despesas obrigatórias são as aposentadorias, pensões, salários dos servidores, abono salarial e seguro-desemprego).
- Reajustar alguma despesa obrigatória acima da inflação – à exceção do salário mínimo.
O que fica proibido após o 2º ano seguido de descumprimento da meta
- Todos os anteriores seguem vedados da mesma maneira.
- Dar aumentos ou reajustar os salários dos servidores.
- Realização de concursos públicos.
- Admissão ou contratação de pessoal (à exceção de cargos vagos).
Todas as vedações valerão por um ano ou até que os resultados das contas do governo voltem para os limites da meta.
Em quaisquer dos casos, o governo poderá a qualquer momento enviar um projeto de lei complementar ao Congresso Nacional pedindo “permissão” para realizar as ações que ficaram bloqueadas — desde que mostre contrapartidas, como corte de gastos ou aumento de algum imposto, ou demonstre como conseguirá arcar com os custos adicionais sem deixar de cumprir a meta novamente.
Salário mínimo pode ser reajustado sempre
Ao criar proibições automáticas para diversos tipos de aumento no caso de descumprimento das metas, o próprio texto ressalva que os aumentos ao salário mínimo — seja pela inflação ou acima dela — ficam fora dos bloqueios, e poderão continuar sendo concedidos mesmo com os gatilhos de punição acionados.
O aumento anual do salário mínimo ao menos pela inflação, de maneira a preservar o seu poder de compra, é determinado pela Constituição e é obrigatório.
Promessa de campanha, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva já encaminhou, no começo de maio, seu projeto de lei retomando a política de valorização do piso salarial nacional, pela qual o reajuste volta a ter, também, ganhos reais atrelados ao crescimento da economia.
Bloqueio de verba obrigatório, mas com limites
A versão da Câmara dos Deputados recolocou no marco fiscal a obrigatoriedade de bloqueio de verbas do Orçamento ao longo do ano caso as contas públicas estejam caminhando para ficar fora da meta. Elas retornam, entretanto, de maneira menos rígida do que como é feito atualmente.
Na versão inicial apresentada pelo governo, os contingenciamentos tinham se tornado completamente opcionais. De acordo com o Ministério da Fazenda, a intenção era estimular a busca de soluções por outros mecanismos antes de fazer cortes compulsórios que podem prejudicar o andamento de programas.
Os contingenciamentos são um mecanismo criado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000.
Eles são obrigatórios e devem ser feitos pelo governo regularmente, ao longo do ano, caso seja necessário ajustar a trajetória das contas públicas às metas de gasto e arrecadação projetadas no começo do ano pelo Orçamento aprovado.
Na configuração atual, não há limites para esses bloqueios.
Pela nova versão do marco fiscal, eles continuam obrigatórios, mas limitados a um piso de 75% da verba originalmente prevista, considerado “o nível mínimo de despesas discricionárias necessárias ao funcionamento regular da administração pública”, de acordo com o texto do projeto de lei.
Ou seja, as verbas discricionárias (aquelas que não são obrigatórias) poderão ser bloqueadas em um máximo de 25% do que o Orçamento do ano dispensou para elas.
O que foi mantido
Já previsto na proposta original de Haddad, a cada ano que o governo não cumprir a meta fiscal, seu teto de gasto para o ano seguinte fica automaticamente menor.
Pelo projeto, o gasto previsto no Orçamento para um determinado ano será sempre reajustado pela inflação do ano anterior — como era o teto de gastos original — mais uma pequena variação, limitada a um piso e a um teto de reajuste.
Essa banda fica estipulada em um piso de crescimento de 0,6% e um máximo de 2,5%, já considerados as correções acima da inflação.
Dentro desta banda, a correção não poderá ser maior do que 70% do crescimento da arrecadação do governo no ano anterior, também considerado o quanto a receita cresceu acima da inflação (veja aqui como vai funcionar o novo teto de gastos).
Mas, caso o governo descumpra a meta de resultado primário estipulada, essa porcentagem cai de 70% para 50% no ano seguinte.
Ou seja, se o aumento das receitas, no ano anterior, foi de 3%, o aumento dos gastos, em vez de 70% disso — 2,1% —, deverá ser 50% disso, ou 1,5%.
Os aumentos já consideram os incrementos feitos depois da correção pela inflação.
Essas regras foram mantidas na versão que segue agora para os deputados.
O que é a meta que deve ser cumprida
Além dos limites do teto de gasto — princípio mantido na nova proposta, mas com mais folga que o original —, o novo regime fiscal resgata o sistema de metas de resultado primário, criado também pela LRF, em 2000, e o principal mecanismo de controle das contas públicas até a criação do teto de gastos, em 2017.
O resultado primário é o saldo entre o que o governo gasta e o que arrecada.
Essas metas são definidas anualmente pelo governo, no projeto do Orçamento, podendo ser tanto negativas (déficits) quando positivas (superávits).
A inovação da proposta atual foi incluir bandas de tolerância para essas metas, que serão de 0,25 ponto para mais ou para menos.
Para 2023, por exemplo, a meta de resultado primário proposta por Haddad é de um déficit de -0,5% do PIB, o que significa que o governo deverá concluir o ano com um déficit entre -0,75% e -0,25% do PIB.
Todas as punições previstas serão ativadas sempre que o governo concluir o ano com um saldo pior do que o limite mínimo previsto por essas bandas.
Fonte: CNN Brasil