ARACAJU/SE, 1 de novembro de 2024 , 22:18:34

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Código e lei vedam offshores. Ou: Domésticas no inferno; Guedes no paraíso!

 

Não adianta Paulo Guedes, ministro da Economia, e Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, enfiarem a mão no bolso, a assoviar e a olhar para o outro lado. Ficaram em situação delicada. Guedes tem uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, em sociedade com a mulher e a filha. Lá estavam investidos, em 2015, US$ 9,5 milhões (R$ 51 milhões em valores atuais). Campos Netto divide com a mulher quatro empresas: duas no Panamá e duas nas Bahamas. Tanto o território britânico como os dois países são notórios paraísos fiscais. Ter dinheiro em offshore é crime? Não. Todo mundo pode ter a sua? A resposta é “não”! A posição da dupla é sustentável? A resposta também é “não”. As coisas podem ficar como estão? Mais uma vez, é preciso dizer “não”! O clichê serve à perfeição: “À mulher de César não basta ser honesta; é preciso parecer honesta”. E há ainda o chamado “Paradigma das Empregadas que vão à Disney”. Vamos ver.

CÓDIGO DE CONDUTA E LEI

Existe um Código de Conduta da Administração Federal, aprovado em 2000. O Parágrafo 1º do Artigo 5º, acrescido ao texto em 2001, é explícito: “É vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo, excetuadas aplicações em modalidades de investimento que a CEP [Comissão de Ética Pública] venha a especificar.”

Guedes e Campos Neto digam o que quiserem, o fato é que eles se enquadram precisamente na situação acima especificada. Há ainda a Lei 12.813, que trata do conflito de interesses. Os incisos II e III do Artigo 5º do texto dizem que tal conflito está caracterizado no exercício do cargo ou função quando a pessoa:

II – exercer atividade que implique a prestação de serviços ou a manutenção de relação de negócio com pessoa física ou jurídica que tenha interesse em decisão do agente público ou de colegiado do qual este participe;

III – exercer, direta ou indiretamente, atividade que em razão da sua natureza seja incompatível com as atribuições do cargo ou emprego, considerando-se como tal, inclusive, a atividade desenvolvida em áreas ou matérias correlatas.

NÃO HÁ SAÍDA

Guedes e Campos Neto teriam de demonstrar que as decisões que cada um deles toma nos seus respectivos campos de atuação são absolutamente irrelevantes para quem mantém investimentos em offshores sediadas em paraísos fiscais. Bem, isso é indemonstrável porque a relação é umbilical.

Tentar negar corresponde a enrolar-se, produzindo desinformação e diversionismo. Ah, sim: essa lei foi sancionada pela então presidente Dilma no dia 16 de maio de 2013.

A revelação sobre os investimentos foi feita pela revista Piauí e pelo jornal El País, que integram o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, o ICIJ, que apura o conteúdo dos “Pandora Papers”, que investiga paraísos fiscais.

O deputado Bohn Gass (RS), líder do PT na Câmara, anunciou ontem que a bancada vai encaminhar à Procuradoria Geral da República um pedido para que Guedes e Campos Neto sejam investigados. Para Alexandre Molon (PSB-RJ), líder da oposição na Casa, estamos diante de um escândalo que “viola o artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal”. Viola? Viola. Ele quer que a dupla seja convocada a prestar esclarecimentos.

AS RESPOSTAS

Em nota, o Ministério da Economia respondeu que a atuação pregressa de Guedes “foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada”. O presidente do BC deu resposta parecida: “As empresas foram constituídas há mais de 14 anos. A integralidade desse patrimônio, no País e no exterior, está declarada à Comissão de Ética Pública, à Receita Federal e ao Banco Central, com recolhimento de toda a tributação devida e a tempestiva observância de todas as regras legais e comandos éticos aplicáveis aos agentes públicos”.

Campos Neto não é bobo e sabe que o terreno é movediço. Fez questão de declarar que não enviou nenhuma remessa às suas empresas depois de assumir o cargo e que deixou de participar da gestão. Guedes não respondeu à Folha se, durante o exercício do cargo, enviou algum dinheiro novo para a Dreadnoughts International.

Nem tudo o que não é ilegal é ético — e cumpre, sim, indagar se, não sendo ético, não é também ilegal, uma vez que o texto que define o conflito de interesses é uma lei. É claro que, a muitos, as duas autoridades mais importantes na definição dos rumos da economia passam a mensagem de que eles próprios não confiam na eficácia do próprio trabalho.

O DÓLAR, AS DOMÉSTICAS E OS MILHÕES DE GUEDES

A simples cotação do dólar – e as respectivas decisões de ambos interferem na valorização ou desvalorização do real – mexe com o tamanho de suas respectivas fortunas.

Querem ver? No dia 12 de fevereiro de 2020, com o dólar em escalada, a R$ 4,35, Guedes, com aquele seu jeito desassombrado, decidiu nos brindar com um raciocínio sofisticadíssimo. Afirmou:

“O câmbio não está nervoso, [o câmbio] mudou. Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada. Pera aí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro de Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu, vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil. Está cheio de coisa bonita para ver”.

Vejam que coisa. Até 2015 ao menos, o ministro tinha US$ 9,5 milhões na sua offshore, cuja tradução do nome é “Encouraçado (ou Couraçado) Internacional”. Trata-se de um navio de guerra… Se o dólar estivesse a R$ 1,80 — o que, segundo ele, seria do interesse turístico das domésticas —, não seria do seu próprio interesse, já que aquela dinheirama valeria, então, R$ 17,1 milhões.

Como estava a US$ 4,35, e o ministro não via nada de errado, sua fortuna, só a do offshore, correspondia, então, a R$ 41,325 milhões. Às empregadas, Cachoeiro do Itapemirim; ao próprio Guedes, o paraíso — inclusive o fiscal.

No dia seguinte à declaração, ele não ficou mais rico por pouco: o dólar chegou a 4,38 — e sua fortuna subiu para R$ 41,610 milhões por algum tempo. O BC interveio, e a moeda acabou fechando em queda: R$ 4,336. O ministro até ficou um tiquinho, bem tiquinho, mais pobre. Mas a sua logolatria teve um custo público.

A situação das empregadas, de fevereiro de 2020 a esta data, piorou muito. A de Guedes melhorou em quase R$ 10 milhões só com a grana investida no seu “Encouraçado”.

IMPOSTO DE RENDA

Querem um outro exemplo eloquente? O Artigo 51 do substitutivo que muda o Imposto de Renda permite ao contribuinte atualizar, a valor de mercado, ativos já existentes no exterior pelo câmbio do último dia útil de dezembro de 2021, pagando uma alíquota de 6% sobre o eventual ganho auferido. Pela lei atual, a alíquota é 15%. Guedes concordou com uma proposta que obviamente pode beneficiá-lo.

PRESTEM ATENÇÃO!

Não! Eu não estou aqui a afirmar que Guedes ou o Campos Neto tomam esta ou aquela decisões pensando nos dólares que têm depositados em offshores. Mas é evidente que suas decisões impactam nos… dólares que têm depositados em offshores!!!

Daí que, como mulheres de César, não lhes basta a honestidade, que até pode se dar como pressuposto nesse raciocínio que faço. É preciso que também o “mercado político” acredite na sua honestidade.

De resto, ministro da Economia e presidente do Banco Central com dinheiro em offshores é coisa congenitamente antiética. Não por acaso, os respectivos ministros da economia de apenas três outros países têm grana em offshores: Cazaquistão, Gana e Paquistão. Não parecem bons modelos, não é mesmo?

Fonte: Reinaldo Azevedo/Colunista do UOL

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