A CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado aprovou nesta 3ª feira (22.fev.2022) projeto que reconhece e regula o mercado de criptomoedas no Brasil. O colegiado acolheu o substitutivo do senador Irajá (PSD-TO) a 3 matérias apresentadas pelos senadores Flávio Arns (Podemos-PR), Soraya Thronicke (PSL-MS) e Styvenson Valentim (Podemos-RN). Se não houver recurso para votação em plenário, o texto poderá seguir diretamente para a Câmara.
As moedas digitais utilizam sistemas de criptografia para a realização de transações. Ao contrário do dinheiro soberano –emitido por governos, como o real ou o dólar–, as criptomoedas são lançadas por agentes privados e negociadas exclusivamente na internet. Quem detém uma moeda virtual só pode resgatá-la usando um código fornecido por quem vendeu.
Segundo o senador Irajá (PSD-TO), quase 3 milhões de pessoas estão registradas em corretoras de criptomoedas. O número se aproxima da quantidade de investidores na bolsa de valores. “As empresas negociadoras de criptoativos não estão sujeitas nem à regulamentação, nem ao controle do Banco Central ou da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), o que torna mais difícil ao poder público identificar movimentações suspeitas”, disse.
A intenção do projeto é coibir ou restringir práticas ilegais, como lavagem de dinheiro, evasão de divisa e outros crimes nesse segmento. Há um mercado que é lícito, mas há exceções, afirmou Irajá. Ele também destacou o papel do Banco Central de fiscalizar as empresas e garantir que o criptoativo possa ser, de fato, uma boa opção de investimento e as criptomoedas uma alternativa de meio de pagamento, como hoje acontece com o Pix.
Em 2018, foram negociados R$ 6,8 bilhões em moedas virtuais no Brasil, tendo sido criadas 23 novas corretoras. Em 2019, já eram 35 empresas agindo livremente, sem a supervisão ou fiscalização dos órgãos do sistema financeiro, como o Banco Central ou as bolsas de valores.
O que diz o substitutivo
O substitutivo recomenda a aprovação do PL 3.825/2019, do senador Flávio Arns (Podemos-PR). Irajá considera prejudicados os PLs 4.207/2020 e 3.949/2019, sugeridos por Soraya Thronicke (PSL-MS) e Styvenson Valentim (Podemos-RN). O substitutivo traz regras e diretrizes tanto para a prestação de serviços relacionados a ativos virtuais quanto para o funcionamento das corretoras.
Irajá entende que o criptoativo não é um título mobiliário. Assim, não fica submetido à fiscalização da CVM, que supervisiona o mercado de ações. A exceção é para o caso de oferta pública de criptoativos para captação de recursos no mercado financeiro.
O relator considera como prestadora de serviços de ativos virtuais a empresa que executa, em nome de terceiros, ao menos um dos serviços:
- resgate de criptomoedas (troca por moeda soberana);
- troca entre uma ou mais criptomoedas;
- transferência de ativos virtuais; custódia ou administração desses ativos ou de instrumentos de controle de ativos virtuais;
- participação em serviços financeiros relacionados à oferta por um emissor ou à venda de ativos virtuais.
Regulação
As propostas de Soraya Thronicke e Flávio Arns estabeleciam a Receita Federal e o Banco Central como reguladores do mercado de moedas virtuais. O relator atribui ao Poder Executivo a responsabilidade de definir quais órgãos devem normatizar e fiscalizar os negócios com criptomoedas.
O substitutivo de Irajá fixa algumas diretrizes: a regulação do mercado de criptomoedas deve promover a livre iniciativa e a concorrência; obrigar o controle e a separação dos recursos dos clientes; definir boas práticas de governança e gestão de riscos; garantir a segurança da informação e a proteção dos dados pessoais; proteger e defender consumidores e usuários e a poupança popular; e garantir a solidez e eficiência das operações.
De acordo com o texto, o Poder Executivo deve criar normas alinhadas aos padrões internacionais para prevenir a lavagem de dinheiro e a ocultação de bens, assim como combater a atuação de organizações criminosas, o financiamento do terrorismo e da produção e comércio de armas de destruição em massa. Pelo texto, cabe aos órgãos indicados pelo Poder Executivo autorizar o funcionamento das corretoras e definir quais serão os ativos regulados.
O texto admite a possibilidade de um procedimento simplificado para obtenção da licença de funcionamento. O órgão pode autorizar a prestação de outros serviços direta ou indiretamente relacionados à atividade da exchange. O regulador indicado pelo Poder Executivo pode autorizar a transferência de controle, fusão, cisão e incorporação da corretora; estabelecer condições para o exercício de cargos de direção; e autorizar a posse e o exercício de pessoas nesses cargos.
Segundo o PL 3.825/2019, o órgão fica livre para decidir se as empresas terão que atuar exclusivamente no mercado de ativos virtuais ou não. As hipóteses de inclusão das transações no mercado de câmbio e a necessidade de submissão delas à regulamentação de capitais brasileiros no exterior e capitais estrangeiros no país também precisam ser definidas pelo regulador.
De acordo com o substitutivo, o funcionamento irregular sujeita a corretora e seus donos a todas as penas previstas na lei dos crimes de colarinho branco (Lei 7.492, de 1986). O regulador deve definir condições e prazos para o registro das corretoras existentes, e elas devem se adequar em até seis meses depois que a proposta virar lei.
Lavagem de dinheiro
O órgão indicado pelo Poder Executivo deve supervisionar as corretoras e aplicar as mesmas regras que a Lei 13.506, de 2017 estabelece para as empresas fiscalizadas pela CVM e pelo Banco Central. Deve estabelecer normas para o cancelamento da licença de funcionamento, por iniciativa própria ou a pedido, em caso de desobediência à legislação.
O projeto também submete as corretoras às regras da lei de lavagem de dinheiro (Lei 9.613, de 1998). Ficam obrigadas a registrar todas as transações que ultrapassem os limites fixados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), órgão brasileiro de combate à lavagem de dinheiro.
O texto propõe que as empresas sejam consideradas instituições financeiras e submetidas a todas as normas da lei de crimes financeiros (Lei 7.492, de 1986); e também ao Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 1990).
Segundo o senador Flávio Arns, o Coaf já alertou para os riscos de lavagem de dinheiro em negócios com criptomoedas. Ele afirma que em 2017 o Ministério Público e a Polícia Civil do Distrito Federal identificaram um grupo criminoso praticando pirâmide financeira com uma moeda virtual fictícia (kriptacoin).
Em 2019, a Polícia Federal no Rio Grande do Sul indiciou 19 pessoas que captavam dinheiro de prefeituras para investimento em criptomoedas, prometendo rendimentos elevados.
Arns lembra que, na União Europeia, exchanges e carteiras digitais devem ser registradas nos órgãos financeiros de cada país. Estados Unidos, Japão e Austrália já regulam operações com criptomoedas e têm sistemas de licenciamento de corretoras.
Além de uma série de informações sobre o negócio e os sócios, os países exigem das empresas a prevenção a fraudes e lavagem de dinheiro e mecanismos de compliance e gerenciamento de riscos, além de demonstrações contábeis auditadas.
Isenções fiscais
O substitutivo prevê a redução a zero das alíquotas de determinados tributos devidos por pessoas jurídicas. O benefício vale até 31 de dezembro de 2029 e se aplica a empresas que comprem máquinas (hardware) e ferramentas computacionais (software) para processamento, mineração e preservação de ativos virtuais.
O incentivo foi sugerido por meio de emenda do senador Luis Carlos Heinze (PP-RS) e acolhida pelo relator, senador Irajá. Se as máquinas ou ferramentas forem adquiridas por meio de importação, serão zeradas as alíquotas de PIS, Cofins Importação, IPI Importação e Imposto de Importação. Se forem adquiridas no mercado nacional, serão zeradas as alíquotas de contribuição para o PIS, Cofins e IPI.
Têm direito às alíquotas zeradas os empreendimentos que utilizem em suas atividades 100% de fontes de energia renováveis e neutralizem 100% das emissões de gases de efeito estufa provenientes dessas atividades. Um ato do Poder Executivo deve definir a competência para autorizar e fiscalizar a concessão da isenção.
Cadastro de políticos
Uma novidade no texto foi sugerida pela senadora Soraya Thronicke e acolhida por Irajá: a criação de um CNPEP (Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente), a ser normatizado por ato do Poder Executivo e publicado pelo Portal da Transparência. A mudança deve ser realizada também na lei da lavagem de dinheiro.
Uma novidade no texto foi sugerida pela senadora Soraya Thronicke e acolhida por Irajá: a criação de um CNPEP (Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente), a ser normatizado por ato do Poder Executivo e publicado pelo Portal da Transparência. A mudança deve ser realizada também na lei da lavagem de dinheiro.
Os órgãos e as entidades de quaisquer Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios devem encaminhar ao gestor CNPEP informações atualizadas sobre seus integrantes ou ex-integrantes classificados como pessoas expostas politicamente na legislação e regulação vigentes. O órgão gestor do CNPEP deve indicar órgãos e entidades que deixem de cumprir essa obrigação.
As instituições reguladas pelo Banco Central devem consultar o CNPEP para executar políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e avaliar o risco de crédito, por meio de convênio com o órgão responsável pelo cadastro definido em comum acordo. Outras instituições podem aderir ao convênio com o CNPEP visando combater e prevenir a lavagem de dinheiro.
Fraude
O parecer inclui na lei de crimes financeiros (Lei 7.492, de 1986) a prestação de serviços de ativos virtuais sem prévia autorização. A pena prevista é de reclusão de 1 a 4 anos e multa.
O texto também insere no Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940) a fraude em prestação de serviços de ativos virtuais, tipificada como “organizar, gerir, ofertar carteiras ou intermediar operações envolvendo ativos virtuais, com o fim de obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”. A pena é de reclusão de 4 a 8 anos.
Fonte: Diário do Poder