A série de derrotas sofridas pelo governo no plenário do Congresso, na noite de terça-feira (28), expôs em definitivo a dificuldade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) avançar com a sua agenda no Legislativo, especialmente na área de costumes.
A ausência de uma base parlamentar sólida, sobretudo na Câmara, cujo perfil é majoritariamente conservador, aliada ao fracasso de seus articuladores políticos, evidenciou que só a pauta econômica tem condições de ser negociada com deputados e senadores sem obstáculos instransponíveis.
Mas o placar de votações também serviu para mostrar a sensibilidade dos parlamentares com a pressão do eleitorado e para eles mandarem recados ao Executivo e ao Judiciário.
A maioria dos integrantes dos partidos do Centrão que integram o governo ajudou a impor as derrotas, e até governistas de esquerda votaram contra, após fazerem o cálculo político do peso da sua posição nas votações.
Diversos vetos presidenciais foram analisados e a maior parte dos assinados por Lula foi derrubada, evidenciando crescente fragilidade política, agravada também pelo pior momento de aprovação popular atestado por pesquisas de opinião.
Considerada uma derrota esperada, o veto à lei que proíbe as saídas temporárias de presos para resguardar as visitas familiares foi revogado por 314 dos 513 deputados e por 52 dos 81 senadores.
Os sucessivos adiamentos da sessão do Congresso não foram suficientes para mudar a tendência desenhada não apenas pelo predomínio dos partidos de centro e direita em plenário, como também pela crescente sensação de insegurança dos cidadãos, que se reflete nas campanhas eleitorais de prefeitos e vereadores neste ano.
Outro revés significativo para Lula foi a manutenção do veto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) à criminalização das chamadas fake news dentro da Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito. A votação na Câmara resultou em 317 votos pela manutenção do veto, dispensando a necessidade de apreciação dos senadores.
Essa decisão envia também um recado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao sublinhar mais uma vez o posicionamento do Congresso em relação ao debate sobre notícias falsas. Magistrados da Corte, como Alexandre de Moraes e Flávio Dino, têm sido vocais defensores de uma regulamentação das redes sociais com foco no combate a notícias “sabidamente inverídicas”, mas a polarização em torno do tema levou Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, a engavetar o PL das Fake News (também chamado de PL da Censura) no começo deste ano.
As decisões dos tribunais superiores contra a atuação de parlamentares de oposição nas redes sociais, sobretudo em campanhas eleitorais, aliadas ao apoio explícito dos ministros a projetos para regulamentar as plataformas digitais, representam um embate direto com o Congresso, que na terça-feira firmou posição novamente sobre a questão.
A notícia positiva para Lula foi a de que os parlamentares mantiveram o veto do presidente ao calendário fixo para pagamento de emendas impositivas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Foram 244 votos a favor do governo e 177 contra, dispensando a análise dos senadores.
Mas esse acordo só foi possível graças à liberação acelerada das verbas de emendas parlamentares, estratégicas em ano eleitoral. Caso o veto fosse derrubado, o Orçamento da União ficaria ainda mais rígido, praticamente inviabilizando a negociação de apoio parlamentar. A Secretaria das Relações Institucionais informou que, de janeiro a 26 de maio, foram autorizados R$ 19,21 bilhões em emendas, cinco vezes mais que igual período do ano passado.
O resultado prático desse desfecho é a imposição da autonomia dos parlamentares, que reagem à interferência do Executivo e do Judiciário. Além disso, eles demonstram foco nos próprios interesses eleitorais e na disputa interna do Congresso pela definição dos comandos de suas duas Casas em fevereiro de 2025.
Deputados de oposição conseguem até relaxar decreto de armas
Em um dia de comemorações para os oposicionistas, foi até aprovado um projeto de decreto legislativo (PDL) para suprimir trechos do decreto de armas editado ainda na gestão do então ministro da Justiça Flávio Dino. Entre os pontos do texto de Laura Carneiro (PSD-RJ) que flexibilizaram as medidas restritivas do governo está o que anula a exigência de distância mínima de um quilômetro entre clubes de tiro e escolas.
Após assumir pessoalmente as negociações com os presidentes do Legislativo, Lula também encurtou seu próprio espaço de manobra, deixando a relação entre poderes mais restrita e tensa, o que pode resultar em mais derrotas nas próximas tentativas.
Para analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, apenas uma guinada do Planalto em direção ao centro político poderia melhorar o cenário adverso de forma significativa. Nesse sentido, é vista como provável uma reforma ministerial após as eleições de outubro, para incorporar atores partidários e garantir governabilidade.
Lula sai derrotado na taxação do varejo on-line de importados
Para completar o cenário arrasador para o Planalto, a Câmara aprovou a taxação de 20% sobre compras internacionais de até US$ 50, uma medida inserida no projeto de lei que regulamenta o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que agora segue para o Senado.
Após um acerto entre o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e Lula, os deputados encerraram semanas de impasse. A votação foi simbólica justamente para que os parlamentares não se comprometessem com a polêmica. O meio-termo encontrado evitou a aplicação de uma alíquota de 60% e fez Lula recuar na ameaça de um futuro veto.
No encontro no Palácio do Planalto com Lula, horas antes da votação, Lira defendeu a taxação, enquanto o petista apresentou argumentos para vetá-la. A solução para a pendência que colocava o presidente em contradição com sua própria equipe econômica só foi encontrada mais tarde, com a redução da alíquota.
O cientista político Leonardo Barreto avalia que, neste ponto, tanto Lula quanto Lira perderam. “A situação se complicou quando o chefe do Executivo voltou atrás no acordo anterior em razão do medo de desgaste de imagem. Como punição, Lira estaria disposto a tirar de pauta o projeto do Mover, gerando perdas para as montadoras que já estão usufruindo da renúncia fiscal de R$ 20 bilhões”.
O resultado da votação acabou desgastando duplamente Lula, que terá de se equilibrar entre a narrativa de defesa do consumidor e a da proteção das empresas brasileiras da concorrência de importados. As plataformas de comércio eletrônico, que estavam isentas, acabaram continuando parcialmente beneficiadas. Com isso, todos os atores envolvidos ficaram insatisfeitos e devem creditar a irritação ao governo.
O cientista político João Henrique Hummel considerou a última sessão do Congresso como um divisor de águas sobre o futuro das relações entre Executivo e Legislativo, ao consagrarem maior independência dos parlamentares não apenas em questões de Orçamento da União e pautas de votação, mas também na elaboração de políticas públicas. Uma sinalização mais forte disso, acredita, deverá vir dos desdobramentos da regulamentação da reforma tributária, que ainda está sendo analisada pelos parlamentares.
Analistas políticos salientam que é grande a expectativa no Congresso para o conjunto de medidas de arrecadação que o Ministério da Fazenda planeja apresentar para compensar a manutenção da desoneração de 17 setores econômicos em 2024. O receio é que o impacto seja grande, respaldado na decisão do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), que cobra compensação ao Orçamento para cada renúncia tributária.
Randolfe descarta apelar ao STF para reverter derrotas no Congresso
Diante da derrocada no Congresso, cresceram os rumores de que o Planalto poderia lançar mão, mais uma vez, do expediente de recorrer à judicialização, junto ao STF, para conseguir reverter decisões contrárias ao seu interesse. Mas o próprio líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) revelou que, em princípio, estaria descartada qualquer tentativa de levar as perdas ao Judiciário.
Em relação ao veto de Bolsonaro para impedir a criminalização das fake news eleitorais, ele afirmou que o Executivo continuará defendendo a aprovação do projeto para regular as redes sociais, chamado de PL da Censura, considerado inviável para ser levado a voto e à espera de novo relator.
Fonte: Gazeta do Povo