O ex-candidato da oposição Edmundo González Urrutia, principal rival do ditador Nicolás Maduro nas eleições presidenciais de 28 de julho, disse em mensagem de áudio que vai “continuar na luta” após deixar a Venezuela no sábado e chegar à Espanha neste domingo, onde receberá asilo. O ex-diplomata de 75 anos é acusado de cinco crimes pelo Ministério Público venezuelano e tornou-se alvo de um mandado de prisão na semana passada, após ter ignorado três intimações para depor.
“Confio que em breve continuaremos a luta para alcançar a liberdade e a recuperação da democracia na Venezuela”, disse o opositor, que reivindica a sua vitória nas eleições, num áudio de 41 segundos transmitido pela sua equipe de imprensa.
Sua partida vinha sendo organizada há duas semanas e as negociações contaram com a participação do ex-presidente espanhol José Luiz Rodríguez Zapatero e importantes autoridades venezuelanas, como o presidente da Assembleia Nacional do país, Jorge Rodríguez, e a vice-presidente Delcy Rodríguez — quem tornou pública a saída do ex-diplomata.
“Hoje, 7 de setembro, o cidadão oposicionista Edmundo González Urrutia, refugiado voluntário na Embaixada do Reino da Espanha em Caracas há vários dias, deixou o país e solicitou asilo político a esse governo”, afirmou Rodríguez através das redes sociais. A vice de Maduro acrescentou que, após contatos entre os dois governos, “a Venezuela concedeu os salvo-condutos necessários para o bem da tranquilidade e da paz política do país”. O ex-diplomata deixou a Venezuela com sua esposa, Mercedes, informou o Ministério das Relações Exteriores da Espanha.
Na clandestinidade há mais de um mês, González se reuniu na manhã de sábado com diplomatas espanhóis em uma embaixada europeia, informaram fontes ao jornal El País. Ele deixou a Venezuela no mesmo dia que Maduro revogou “de maneira imediata” a autorização para que a Embaixada da Argentina em Caracas, que abriga colaboradores da líder da oposição, María Corina Machado, tenha custódia do Brasil, alegando “planejamento de atividades terroristas e tentativas de assassinato contra o presidente” no local. O cerco policial nos arredores do local foi encerrado neste domingo.
O ex-diplomata, que ia “de casa em casa para resguardar sua vida”, segundo seu advogado José Vicente Haro, estava hospedado na residência do embaixador espanhol em Caracas quando o anúncio do governo venezuelano foi feito, deixando claro para González e os diplomatas espanhóis que não havia mais lugar seguro no país. O ex-candidato opositor voou para a Espanha “em um avião da Força Aérea espanhola”, segundo o ministro das Relações Exteriores espanhol, José Manuel Albares.
A aeronave esperava González na República Dominicana, enquanto se preparavam os salvo-condutos para que pudesse chegar ao aeroporto e sair do país sem ser detido pelas autoridades. O avião em que o opositor viajava pousou por volta das 16h (11h no horário de Brasília) na base área de Torrejón, perto de Madri, informou a Chancelaria espanhola em comunicado.
No dia anterior, o primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sánchez, havia chamado González de “herói que a Espanha não abandonará” durante uma reunião do Partido Socialista na capital da Espanha. A essa hora, já se sabia que o ex-candidato opositor estava próximo de tomar uma decisão.
— Reiterei mais uma vez o compromisso do governo espanhol com os direitos políticos, a liberdade de expressão e manifestação, e a integridade física de todos os venezuelanos — disse Albares aos meios de comunicação que o acompanham em uma viagem oficial à China, acrescentando ter conversado com o ex-diplomata antes da decolagem.
Horas depois, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, disse que a partida de González marcou “o fim dessa peça medíocre que desencadeou ansiedade, sangue, suor e lágrimas em espectadores inocentes”. Em entrevista coletiva, Saab afirmou que o Ministério Público teve conhecimento “em primeira mão” do momento exato em que o ex-diplomata ingressou na Embaixada da Espanha em Caracas e “que foram informados pelas autoridades venezuelanas da solicitação de asilo feita por ele no âmbito da Declaração Nacional dos Direitos Humanos e das relações diplomáticas entre os Estados.”
— Consequentemente, este Ministério Público expressa seu absoluto respeito às decisões do Executivo venezuelano, de modo que, em cumprimento ao direito de asilo garantido pelo artigo 69 da Constituição da República, concedeu o salvo-conduto correspondente — destacou o procurador-geral.
Concluiu afirmando que, uma vez que em sua comunicação ao ministério no último dia 4 González supostamente “expressou seu reconhecimento à nossa autoridade como Procuradoria-Geral da República e as competências da instituição que lideramos”, a pasta manteve uma comunicação próxima com seu advogado “para os fins consequentes do caso em que está sendo investigado”.
Até o momento, não há indícios de que mais opositores ou a própria María Corina pensem em seguir o mesmo caminho do ex-diplomata. A Espanha não ofereceu asilo político a ninguém, mas irá aceitar suas solicitações, caso ocorram, informou o El País.
‘Corria perigo de vida’
A líder da oposição falou sobre o exílio do aliado pela primeira vez neste domingo em um comunicado publicado nas redes sociais. María Corina disse que a vida de González “corria perigo” e que, nesse contexto de “crescentes ameaças, intimações, mandados de prisão”, seu exílio era necessário para “preservar sua liberdade, sua integridade e sua vida”. Na visão da opositora, as perseguições ao ex-diplomata “demonstram que o regime não tem escrúpulos ou limites em sua obsessão para silenciá-lo e tentar destruí-lo.”
“Essa operação do regime e de seus aliados é mais uma prova de sua natureza criminosa, que os deslegitima e os afunda ainda mais a cada dia. Mas, mais uma vez, eles estavam errados. Sua tentativa de golpe de Estado contra a soberania popular não será bem-sucedida”, disse a líder da oposição, afirmando que em janeiro González “tomará posse como presidente constitucional da Venezuela e comandante-em-chefe das Forças Armadas Nacionais.”
María Corina prometeu ainda que o ex-candidato “lutará de fora com nossa diáspora”, em referência aos mais de 7,7 milhões de migrantes venezuelanos, segundo a ONU, enquanto ela continuará “a fazê-lo aqui, com vocês.” A líder da oposição também está na clandestinidade, embora tenha participado presencialmente de algumas manifestações contrárias à reeleição de Maduro. O ex-diplomata, por sua vez, não é visto em público desde o dia 30 de julho, limitando-se às declarações pelas redes sociais.
A partida de González também foi criticada pelo chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell. “A União Europeia insiste que as autoridades venezuelanas ponham fim à repressão, às prisões arbitrárias e ao ataque contra membros da oposição e da sociedade civil, assim como que libertem todos os presos políticos”, disse Borrell em comunicado.
O chefe da diplomacia do bloco afirmou ainda que o ex-diplomata ficou alojado na Embaixada da Holanda em Caracas e que sua estadia estendeu-se “até 5 de setembro (última quinta-feira)”, sem especificar seu início. De acordo com o ministro das Relações Exteriores da Holanda, Caspar Veldkamp, foi González quem solicitou o alojamento, no qual teria permanecido por mais de um mês secretamente. A declaração foi feita à Câmara de Deputados holandesa e divulgada pela Fundação Neerlandesa de Radiodifusão (NOS, na sigla em holandês).
Crise pós-eleições
Até abril deste ano, González era apenas aposentado desconhecido pela maior parte dos venezuelanos, que lia à tarde, brincava com os netos e passava tempo com a mulher. Seu nome na política venezuelana ganhou força após o ex-diplomata aceitar a indicação pela Plataforma Unitária Democrática (PUD), maior coalizão de oposição da Venezuela, para assumir o lugar de María Corina, nas urnas.
Apesar de ter tido uma vitória acachapante nas primárias da oposição, líder opositora estava inabilitada politicamente por 15 anos pela Justiça venezuelana. María Corina indicou inicialmente como substituta Corina Yoris, mas a filósofa e professora universitária teve a candidatura barrada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). A oferta não foi aceita de imediato pelo ex-diplomata, mas no final, acabou cedendo: “Não tenho medo”, afirmou em entrevista ao El País.
O pedido de asilo de González é mais um capítulo da conturbada votação venezuelana e ocorre no contexto da crise pós-eleições, nas quais Maduro foi proclamado vencedor pelo CNE do país, resultado contestado pela oposição e por boa parte da comunidade internacional. González e María Corina acusam fraude na votação e afirmam que o ex-diplomata foi o verdadeiro vencedor, segundo atas da votação a que alegam terem tido acesso. Os líderes da oposição criaram um site — foco das intimações — para publicar as cópias desses comprovantes. O governo Maduro considera as atas da oposição “forjadas”.
O Centro Carter, um dos poucos observadores internacionais que participaram do processo eleitoral na Venezuela, afirmou que as atas eleitorais coletadas pela oposição são “consistentes” e que González venceu de maneira clara “por uma margem intransponível”. O Tribunal Supremo de Justiça, em conclusão à perícia técnica solicitada pelo chavista, validou o resultado divulgado pelo CNE, que até o momento não apresentou a contagem detalhada de cada mesa, conforme exigido por lei, citando uma invasão de seus sistemas.
González é acusado de usurpação de funções, falsificação de documentos públicos, instigação à desobediência às leis, conspiração, “sabotagem de danos aos sistemas” (sic) e associação no pedido de prisão entregue pelo promotor Luis Ernesto Dueñez, encarregado da 58ª Promotoria Nacional, ao Primeiro Tribunal Especial de Primeira Instância, com jurisdição sobre casos de terrorismo.
Saab responsabiliza González e María Corina por instigar os protestos contrários à reeleição de Maduro, que sacudiram o país nas horas e dias seguintes ao anúncio do resultado pelo CNE e resultaram em 27 mortes, 192 feridos e 2,4 mil detidos.
O ex-diplomata é pelo menos o terceiro grande opositor venezuelano a buscar abrigo no estrangeiro. Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido como presidente interino da Venezuela pelos EUA e mais 50 países, incluindo o Brasil, do início de 2019 até janeiro de 2023, mudou-se para Miami após ser forçado a deixar a vizinha Colômbia, onde teria entrado a pé. Já o ex-prefeito do município de Chacao, Leopoldo López, assim como González, refugiou-se na Espanha depois de passar cerca de um ano e meio na residência do embaixador espanhol na Venezuela.
Fonte: O Globo