O empresário John Textor, sócio majoritário da Sociedade Anônima de Futebol (SAF) Botafogo de Futebol e Regatas, reafirmou ter provas de manipulação de resultados no futebol brasileiro. O depoimento foi dado à CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, na tarde desta segunda-feira (22). Os requerimentos para o convite a Textor foram apresentados pelo presidente da comissão, senador Jorge Kajuru (PSB-GO), e pelo relator, senador Romário (PL-RJ) (REQ 25/2024 e REQ 12/2024, respectivamente). Textor disse que as provas de suas denúncias seriam entregues à CPI em uma reunião secreta.
“É um dia muito importante para mim e espero que seja também para o futebol do Brasil. É um esporte que todos amamos”, afirmou Textor.
O empresário falou em inglês e contou com a ajuda de dois tradutores. Textor agradeceu ao Senado por fazer algo que ele disse não ter presenciado em nenhum outro lugar do mundo — que é uma investigação por parte de uma comissão de uma Casa Legislativa em relação a denúncias de manipulação nos resultados de futebol. Ele disse não querer causar problemas para ninguém de forma específica e reconheceu a “coragem” da CPI em enfrentar a questão. O empresário também elogiou a legislação da SAF, que segundo ele facilita os negócios, permitindo novos desenvolvimentos para o futebol nacional. De acordo com Textor, as fraudes em resultados é hoje um problema global.
“A manipulação ocorre como o doping. Ninguém quer acreditar, até a gente perceber que isso pode ocorrer em qualquer lugar”, declarou.
Segundo Textor, a tecnologia usada pela empresa Good Game! — contratada por ele para a análise de partidas — não diz por que o jogo foi manipulado, mas aponta como foi. O dirigente disse que alguns jogos afetaram o Botafogo de forma indireta. Para o empresário, se as provas forem consideradas, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) — órgão ligado à Confederação Brasileira do Futebol (CBF) e sem relação com o Poder Judiciário —, e também a polícia e a CPI poderiam tomar iniciativas.
“Tenho um amor tão forte pelo meu clube que isso me cega. Então, eu tento investigar o assunto da forma mais profunda possível. A corrupção morre com a luz do sol”, afirmou, e ainda cobrou mais transparência por parte da CBF.
Textor fez uma analogia ao dizer que a manipulação é como um truque de mágica, em que o torcedor olha um lance, enquanto a irregularidade ocorre em outra situação. Ele disse que a visão computacional pode enxergar cada segundo do jogo, com capacidade de avaliação sobre o desempenho de árbitros e jogadores.
O senador Carlos Portinho (PL-RJ) manifestou preocupação com a dependência que o futebol brasileiro vem desenvolvendo em relação às casas de apostas. Ele disse que, se não houver uma investigação profunda, nunca se saberá se houve de fato alguma manipulação. Para o senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), a fala de Textor poderá colaborar com algumas sugestões que a CPI vai fazer. Ele ainda elogiou a “disposição colaborativa” do dono do Botafogo. O senador Dr. Hiran (PP-RR) disse confiar no trabalho de Romário e Kajuru. Para ele, que é torcedor do Botafogo, o futebol é a maior paixão do brasileiro.
Contradição e CBF
Kajuru ressaltou que uma CPI funciona sempre às segundas-feiras, dia costumeiramente mais vazio no Senado, e disse que as reuniões devem ocorrer também às quartas-feiras. O presidente da CPI ainda informou que a CBF deve enviar documentos e relatórios para colaborar com o trabalho da comissão.
O senador ainda destacou o fato de Textor ter sofrido uma fratura no braço no domingo e mesmo assim ter comparecido à reunião da CPI nessa segunda. Na parte das perguntas, Kajuru questionou uma suposta contradição de Textor. Em um canal do YouTube, Textor disse ter “provas pesadas” de que o Palmeiras vem sendo beneficiado por manipulação de resultados por duas temporadas. Em outra situação, em uma entrevista coletiva, o dono do Botafogo afirmou não ter feito acusação alguma contra o Palmeiras e o São Paulo.
Textor respondeu que não havia contradição nas declarações. Ele reafirmou que o Palmeiras foi beneficiado em 2022 e 2023, mas disse que nunca acusou o Palmeiras ou o São Paulo, como clubes, de estarem por trás de alguma manipulação. Os dois clubes já anunciaram a intenção de processar o empresário, que também confirmou a Kajuru ter enviado à CBF, em dezembro do ano passado, um relatório de 70 páginas sobre possíveis manipulações. O STJD, no entanto, teria arquivado a denúncia em menos de 24 horas — o que, em tese, teria ocorrido sem a análise do relatório.
“Eu recebi indicação de que houve pressão por parte da CBF e possivelmente por parte de clubes (para o arquivamento)”, declarou.
O vice-presidente da CPI, senador Eduardo Girão (Novo-CE), afirmou que a comissão trabalha para buscar a verdade. Na opinião de Girão, o advento da aposta esportiva via internet foi muito ruim para o futebol e para o país. Ele disse que muitos brasileiros estão comprometendo a renda e fazendo dívidas por conta das apostas. Girão questionou Textor se a CBF pode ser considerada conivente com as possíveis irregularidades denunciadas e quis saber de um áudio que o empresário disse ter sobre uma cobrança de suborno para um árbitro interferir em uma partida.
Textor respondeu que suas denúncias implicam também a CBF. Ele questionou a relação da confederação com alguns veículos da imprensa e disse que já teve convite para entrevistas cancelados por supostas interferências da CBF. Textor também relatou que já apresentou provas ao tribunal esportivo. Ele questionou ainda o fato de um árbitro de VAR (vídeo auxiliar da arbitragem) ser escalado com o mesmo árbitro de campo 16 vezes de 20 possíveis, e os patrocínios de empresas de apostas a eventos e entidades de futebol. Em relação ao áudio que envolve um árbitro, Textor informou que falaria sobre o assunto na reunião secreta com a CPI. Ele também admitiu que se incomoda por, muitas vezes, as apostas em jogos serem feitas por pessoas com poucas condições financeiras.
Manipulações
O senador Romário destacou a coragem de Textor em depor à CPI e disse já ter sido chamado de “fanfarrão” por propor uma investigação sobre as manipulações. O relator questionou se as análises da Good Game! são suficientes como provas de manipulação e se é possível diferenciar com precisão um erro intencional de uma falta de concentração de um jogador.
Em resposta, Textor informou que investiga possíveis manipulações desde 2017. Sem entrar em detalhes de data e local, ele citou um jogo do Vasco contra o Palmeiras em que o ângulo da câmera do VAR foi mal colocado. Assim, um gol do Vasco teria sido incorretamente anulado. Ele também disse que no jogo do Botafogo contra o Palmeiras, em 1º de novembro do ano passado, houve uma expulsão questionável de um jogador do alvinegro já na reta final da partida. Segundo Textor, também houve um posicionamento errado de uma câmera do VAR. Depois da expulsão, o Palmeiras virou o jogo para 4 a 3.
Textor explicou que a análise da Good Game! é capaz de avaliar o comportamento humano normal e depois distinguir o comportamento considerado anormal de um jogador. Condições como idade e cansaço são levadas em conta para ser possível identificar o desvio. Ele contou que, no jogo Palmeiras 5 x 0 São Paulo, um dos jogadores do São Paulo analisado teve oito deficiências, quase três vezes a mais do que o índice considerado normal. Ele voltou a afirmar que cinco jogadores do São Paulo demonstraram anormalidades, inclusive em situações de gol. Textor disse que tem tentado preservar os jogadores, mas ter convicção de que esse jogo foi manipulado. Ele ainda sugeriu que quem quiser saber pode assistir o VT da partida e tirar suas próprias conclusões. O empresário disse que tem colocado sua credibilidade em jogo ao fazer as denúncias, mas registrou que nunca acusou o Palmeiras de estar diretamente envolvido em alguma irregularidade.
“Eu não estou dizendo se o Palmeiras está envolvido ou não. Mas identificamos eventos muito estranhos”, declarou.
Ao responder Romário se adota algum método de análise para o próprio Botafogo, Textor informou que pediu à Good Game! para fazer uma análise sobre a queda de desempenho do clube no segundo turno do campeonato brasileiro do ano passado, mas que ainda não recebeu os resultados. Segundo o empresário, a “família Botafogo” deve estar pronta para as consequências, até se as investigações atingirem alguém ligado ao clube. Também em resposta a Romário, ele negou que as denúncias seriam uma estratégia para poder vender a SAF Botafogo e sair do futebol brasileiro.
“Se eu quisesse vender, eu não estaria dizendo as coisas ruins. Eu nunca venderia um negócio dessa forma. Isso acaba sendo muito imaginativo”, contestou Textor.
Comissão Parlamentar de Inquérito
A CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas foi criada por um requerimento de Romário (RQS 158/2024). A comissão é composta por 11 senadores titulares e sete suplentes, com previsão de durar 180 dias. O objetivo da CPI é investigar fatos relacionados às denúncias e suspeitas de manipulação de resultados no futebol brasileiro, envolvendo jogadores, dirigentes e empresas de apostas.
Fonte: Agência Senado
Foto: Roque de Sá/Agência Senado›