O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) discursou, nesta terça-feira (24), na abertura da 79ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York, nos Estados Unidos. O governante exaltou a presença da comissão palestina na cúpula, fez indiretas ao bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e disse que o uso da força de forma ilegal está se tornando regra no mundo.
O presidente condenou os ataques de Israel contra o Líbano e disse ser “injustificado” manter Cuba em uma lista de Estados que supostamente promovem terrorismo. O petista também abordou temas como a fome, a taxação de super-ricos e fez críticas à própria ONU.
Ao falar da crise climática e dos desastres ambientais no Brasil, disse que seu governo “não terceiriza responsabilidades, nem abdica da sua soberania”. Ele afirmou: “Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais”. O governo petista tem sido criticado por não reagir da forma mais célere às queimadas em diversas regiões do país.
Lula preferiu evitar falar sobre a crise política na Venezuela em seu discurso. Afirmou apenas que a América Latina é “tragada por disputas, muitas vezes alheias à região”, o que fragiliza a vocação de “cooperação e entendimento”.
O presidente disse que, em defesa da democracia, é preciso manter ação permanente “ante investidas extremistas, messiânicas e totalitárias, que espalham o ódio, a intolerância e o ressentimento”.
Ele afirmou: “Brasileiras e brasileiros continuarão a derrotar os que tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários”, disse. Afirmou que, no mundo globalizado, “não faz sentido recorrer a falsos patriotas e isolacionistas” e criticou os ultraliberais.
Lula também vendeu a sua principal proposta à frente do G20: a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza Extrema. O governante quer reunir o maior número de adesões posíveis até a reunião do grupo, em novembro, no Rio de Janeiro.
Lula falou por 19 minutos, quatro minutos a mais do que o tempo destinado aos discursos. Antes de iniciar a sessão, o presidente da Assembleia Geral deste ano, Philémon Yang, havia pedido atenção ao tempo. No domingo, Lula teve seu microfone cortado ao extrapolar o tempo de 5 minutos da sua fala no Pacto do Futuro, evento prévio promovido pela ONU.
A primeira-dama Janja Lula da Silva assistiu ao discurso do marido sentada na área destinada ao Brasil no plenário da ONU. Ao seu lado estava o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, e o representante permanente do Brasil na ONU, Sérgio Danese. Logo atrás, sentaram-se os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Em outra área do plenário, no canto esquerdo, integrantes do governo e aliados acompanharam o discurso. São eles: Ênio Verri, diretor-geral da Itaipu Binacional; Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento Social; Marina Silva, ministra do Meio Ambiente; Sônia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas; Vinícius Carvalho, controlador-geral da República; Anielle Franco, ministra de Igualdade Racial; Esther Dweck, ministra da Gestão e Inovação; Audo Faleiro, assessor especial adjunto da Presidência da República; Jaques Wagner (PT-BA), senador e líder do Governo no Senado; José Chrispiniano, secretário de imprensa da Secom (Secretaria de Comunicação Social).
A delegação de Israel não aplaudiu Lula em nenhum dos momentos em que o brasileiro recebeu as palmas. A delegação da Rússia não aplaudiu no final.
Oriente Médio
Lula iniciou o seu discurso com uma saudação à presença da delegação palestina na assembleia, representada pelo presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmmoud Abbas. O presidente criticou o conflito com Israel na Faixa de Gaza. Foi a primeira vez que a Palestina participou da abertura da Assembleia Geral da ONU como integrante observador.
“O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino”, declarou. Lula acrescentou que o direito de defesa se transformou em um “direito de vingança”, que impede a liberação de reféns e adia um cessar-fogo.
O presidente também condenou o ataque de Israel contra o Líbano, que já resultou em ao menos 558 mortos. Integrantes da delegação israelense não aplaudiram Lula em nenhum momento.
Lula afirmou que o mundo “vê o aumento das capacidades bélicas” e que o uso da força, sem amparo no Direito Internacional, “está se tornando a regra”.
Rússia X Ucrânia
Ao falar da escalada das ofensivas militares no mundo, Lula afirmou que há dois conflitos simultâneos com potencial de se tornarem “confrontos generalizados”.
“Na Ucrânia, é com pesar que vemos a guerra se estender sem perspectiva de paz. O Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano. Já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar”, disse. Apesar de afirmar ter condenado a invasão russa, no início do conflito, o petista disse que ambos tinham responsabilidade equânime pelo início da guerra.
Lula fez menção ao esforço brasileiro em conjunto com a China para apresentar uma proposta de paz idealizada pelos dois países. Defendeu a retomada do diálogo direto entre as partes.
Uma reunião sobre o tema, com a presença de outros países, para divulgar a proposta e tentar atrair adesões será realizada na sexta-feira (27), em Nova York. Lula não participará porque terá retornado ao Brasil. O país será representado pelo chanceler Mauro Vieira. Não haverá representantes da Rússia ou Ucrânia.
Cuba
O chefe do Executivo disse ser “injustificado” manter Cuba em uma lista de Estados que “promovem o terrorismo”. O presidente também condenou as sanções contra o país, que, segundo ele, penalizam “indevidamente” as populações mais vulneráveis.
Não é a primeira vez que Lula cobra o fim do embargo contra Cuba em uma Assembleia Geral da ONU. Na edição de 2023, o petista abordou o mesmo tema.
Em 2021, durante o governo de Donald Trump, Cuba foi incluída de novo na lista de países patrocinadores do terrorismo, o que prejudica as relações comerciais com outras nações. Havia sido retirada da lista em 2015, durante a gestão de Barack Obama.
Elon Musk
O presidente declarou que o governo não vai se intimidar com indivíduos, corporações e plataformas digitais que “se julgam acima da lei”. A declaração de Lula faz referência ao bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), que vem protagonizando uma série de atritos com o Poder Judiciário brasileiro.
“O futuro da nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação, que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas que se julgam acima da lei”, afirmou.
Segundo Lula, os elementos essenciais da soberania nacional incluem o direito de legislar e de “fazer cumprir as regras dentro de seu território”, incluindo o ambiente digital.
O petista se refere ao impasse entre Musk e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em agosto, o magistrado intimou o bilionário a nomear um representante legal para o X no Brasil, mas Musk não obedeceu. Então, Moraes determinou a retirada da rede social do ar. Recentemente, ele cumpriu a determinação.
Em mais de uma vez, Lula já defendeu a decisão de Moraes e disse que Musk deveria “aceitar” as regras do Brasil.
Inteligência artificial
Em seu discurso, Lula voltou a defender a necessidade de uma “governança” para regulamentar a inteligência artificial.
“Interessa-nos uma inteligência artificial emancipadora, que também tenha a cara do Sul Global e que fortaleça a diversidade cultural”, declarou.
Não é a primeira vez que o petista toca no assunto. Em maio de 2024, o presidente já havia abordado um modelo de governança internacional para “conter” os riscos da tecnologia.
Taxação de super-ricos
Lula voltou a defender a taxação dos super-ricos. Disse ainda que, nas últimas duas décadas, os bilionários dobraram as suas fortunas, deixando 60% do resto da população mais pobre.
O presidente também falou da proposta já citada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de criar uma cooperação internacional para regulamentar uma taxação global dos super-ricos.
Fome
O chefe do Executivo também abordou a questão da fome em seu discurso. Afirmou que, apesar de conflitos armados e pandemias ampliarem o seu “alcance”, a fome é o resultado de “escolhas políticas”.
De acordo com o petista, acabar com a fome no Brasil é o compromisso “mais urgente” do seu governo. Lula ainda criticou os gastos militares de outros países, e disse que os recursos poderiam ter sido utilizados para o combate da insegurança alimentar.
Meio ambiente
Lula também abordou a questão das queimadas e da seca no Brasil. Em agosto, o país registrou o maior número de focos de incêndios desde 2010 e a pior estiagem dos últimos 40 anos.
“Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto. O meu governo não terceiriza responsabilidades, nem abdica da sua soberania”, declarou.
O chefe do Executivo prometeu ainda erradicar o desmatamento até 2030 e disse que não era mais “admissível” pensar em soluções para as florestas sem ouvir as comunidades indígenas residentes.
Lula afirmou que “o planeta está farto de acordos não cumpridos”. “Está cansado de metas de redução de emissão de carbono negligenciadas e do auxílio financeiro aos países pobres que não chega. O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global”, disse.
Críticas à ONU
Ao iniciar seu discurso, Lula afirmou que a difícil aprovação do Pacto para o Futuro, no domingo (22), é uma demonstração do enfraquecimento da capacidade coletiva de negociação e diálogo. “Seu alcance limitado também é a expressão do paradoxo do nosso tempo: andamos em círculos”.
O presidente também criticou a falta de presença feminina na liderança da ONU. Segundo o petista, “inexiste equilíbrio” no exercício das mais altas funções. “O cargo de secretário-geral jamais foi ocupado por uma mulher”, declarou.
Fonte: Poder360