ARACAJU/SE, 23 de novembro de 2024 , 9:42:22

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Entenda como foi o processo de implementação da urna eletrônica, em 1996, no Brasil

 

O mês de maio tem uma importância destacada na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Foi neste mês que, em 1996, o então presidente da Corte eleitoral, ministro Carlos Velloso, enviou as primeiras urnas eletrônicas aos TREs.

Os equipamentos foram utilizados, pela primeira vez, naquele ano, nas eleições municipais de 57 cidades, marcando o começo de uma nova era.

Desde então, a Justiça Eleitoral tem continuamente aprimorado o mecanismo, a despeito dos recentes ataques ao sistema.

Protótipos

A transição das urnas convencionais para as eletrônicas tem raízes antigas. Desde a criação da Justiça Eleitoral, em 1932, o primeiro Código Eleitoral já antecipava as inovações futuras ao mencionar a possibilidade de uso de “máquinas ou urnas”.

Em 1937, o então Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (TSJE) analisou alguns equipamentos para a coleta de votos, incluindo um da empresa norte-americana The Automatic Voting Machine. Ele possuía um braço mecânico que marcava e registrava os votos em uma folha de metal, mas não foi adotado.

Inovações subsequentes incluíram o Televoto, em 1952, e a Máquina de Puntel, em 1958, ambas rejeitadas por suas complexidades de implementação.

A verdadeira experimentação começou em 1989 com o uso de microcomputadores em Santa Catarina e culminou no plebiscito de 1991 em Cocal do Sul, conduzido por computadores adaptados pelo TRE/SC.

Em 1994, as eleições gerais no segundo turno em Florianópolis/SC também utilizaram urnas eletrônicas desenvolvidas regionalmente.

Fraudes comuns

O voto impresso era facilmente fraudado. Entre as fraudes mais comuns estavam a “urna grávida”, em que cédulas pré-preenchidas eram inseridas antes da votação, e o “mapismo”, onde os votos eram manipulados durante a digitação do mapa de resultados.

Outras práticas fraudulentas incluíam o “voto formiguinha”, em que cédulas oficiais eram substituídas por outras preenchidas fora da seção eleitoral, e o “voto estoque”, onde cédulas de segurança eram usadas para inflar os números. Além deles, eram comuns fraudes no momento do transporte das urnas até a seção eleitoral, e, posteriormente, até a Junta Apuradora, como a substituição ou roubo.

O catalisador para que o TSE decidisse informatizar o processo eleitoral ocorreu em 1994. Naquele ano, as eleições para deputados Federais e estaduais precisaram ser anuladas por fraudes constatadas nas urnas do Rio de Janeiro.

O ministro do STF, Luiz Fux, enfrentou significativos desafios durante sua atuação como juiz eleitoral na 25ª zona eleitoral do Rio de Janeiro. Durante esse período, Fux recebeu ameaças de morte de uma facção criminosa, em resposta às suas ações rigorosas para assegurar a integridade das eleições.

“As urnas tinham uma fenda por onde só passava uma cédula, mas, ao derramá-las sobre a mesa, havia bolos de votos com elástico enrolados em um jornal. Ou seja, não tinha como esse bolo de voto entrar a não ser que – como se usava a expressão na época – se ‘engravidassem’ as urnas”, descreveu o atual ministro.

Apesar das ameaças, Fux persistiu em sua missão de fiscalização, chegando a permanecer acordado por mais de 30 horas seguidas para acompanhar o processo eleitoral. Nos seis meses seguintes, foi constantemente acompanhado por policiais que garantiram a segurança dele e de sua família.

A experiência levou a mudanças significativas na forma como os votos eram coletados e contados no Brasil. “Depois disso, o TSE desenvolveu o projeto das urnas eletrônicas, que tornou a eleição magnífica, segura e muito rápida. O resultado saía no mesmo dia, ao passo que, no sistema anterior, levava dias e dias”, celebrou, elogiando a eficiência e segurança introduzidas com a nova tecnologia.

Reação do TSE

A caótica situação nas eleições de 1994 fez com que o TSE redobrasse os esforços para implementar uma solução mais segura nas eleições seguintes.

A positiva experiência com a informatização no TRE/SC, combinada com a complexidade de gerenciar milhões de cédulas de papel, convenceu o então presidente da Corte Eleitoral, ministro Sepúlveda Pertence, da necessidade de digitalizar a votação para prevenir fraudes.

Foi durante partidas de tênis que o ministro Carlos Velloso e Paulo César Bhering Camarão, representante do Serpro, discutiram a tecnologia e delinearam os primeiros planos para o desenvolvimento da urna eletrônica. Velloso, que já possuía experiência prévia com a informatização de apurações em Minas Gerais, convidou Camarão para chefiar a secretaria de informática do TSE.

Três protótipos finais

Ao longo de cinco meses, uma equipe composta por técnicos de informática dos TREs dedicou-se à análise e aos testes de diversos projetos elaborados tanto pela Justiça Eleitoral quanto por empresas privadas convidadas.

Durante esse período, diferentes protótipos foram avaliados, cada um contribuindo de forma única para o avanço do projeto de informatização das eleições no Brasil.

O desenvolvido pelo TRE/RS se destacava por seu monitor sensível ao toque e uma bobina de papel integrada para registro impresso. O modelo do TRE/MT, por sua vez, introduziu a zerésima e o Boletim de Urna, ambos fundamentais para garantir a transparência do processo eleitoral. O TRE/MG sugeriu, em seu modelo em colaboração com a empresa IBM, um sistema de votação exclusivamente numérico, operado por um teclado similar ao de um telefone.

Essas inovações foram consolidadas no relatório final, aprovado pelo TSE, em 31/08/95. O documento estabeleceu critérios básicos para o desenvolvimento das urnas eletrônicas, marcando uma nova era na coleta de votos no país.

Conclusão do projeto

A fase final do projeto de informatização do processo eleitoral brasileiro culminou com a licitação para a fabricação das urnas eletrônicas. Para isso, uma comissão especial foi designada para detalhar os requisitos técnicos necessários, incluindo a implementação de um monitor antirreflexo, um teclado com relevo adaptado para deficientes visuais e uma bateria de longa duração, entre outras especificações.

Contando com a colaboração de prestigiadas instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e os ministérios do Exército e da Marinha, a equipe, apelidada de “ninjas”, desempenhou um papel crucial na especificação e análise dos protótipos. O esforço conjunto levou à criação do primeiro modelo da urna eletrônica, oficialmente denominado Coletor Eletrônico de Voto.

Sucesso da urna

Paulo Camarão, ex-secretário de informática do TSE, creditou o sucesso da urna eletrônica a três fatores principais: a redução da interferência humana no processo eleitoral, a liderança eficaz do ministro Carlos Velloso e o suporte contínuo dos Três Poderes.

Essa combinação de elementos foi fundamental para tornar a informatização do voto uma realidade concreta, transformando as eleições brasileiras em um processo tanto seguro quanto eficiente, afirmou.

Nas eleições municipais de 1996, sob a presidência de Marco Aurélio Mello, sucessor de Velloso, aproximadamente 30% dos eleitores brasileiros utilizaram a urna eletrônica pela primeira vez.

O evento registrou mais de 60 milhões de votos em cerca de 70 mil equipamentos, instalados nas capitais e em municípios com mais de 200 mil eleitores. Essa estreia consolidou os esforços realizados durante a gestão de Velloso no TSE e comprovou a aceitação positiva do novo sistema pelo eleitorado.

Um momento marcante dessa transição ocorreu quando uma senhora se aproximou de Velloso em uma seção eleitoral de Minas Gerais, em 1996.

Ela informou ao ministro que, pela primeira vez, havia votado de maneira consciente. Surpreso, Velloso ouviu a explicação da senhora, que era analfabeta e, nas eleições anteriores, simplesmente escolhia aleatoriamente um dos nomes na cédula de papel.

No entanto, com a introdução da urna eletrônica, que exibia o número e a foto do candidato, ela pôde votar com certeza na escolha que desejava fazer. “Quer dizer, a urna eletrônica fez daquela humilde senhora cidadã”, refletiu o ministro, destacando o impacto transformador da tecnologia nas práticas democráticas.

Fontes: Migalhas e TSE

 

 

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