ARACAJU/SE, 5 de setembro de 2025 , 17:15:18

Entenda em sete pontos os obstáculos da pauta da anistia na Câmara

 

Incluída na ordem do dia dos debates do Congresso, a eventual anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados enfrenta dificuldades de ordem prática e política para avançar. Até o momento, não há consenso sobre a forma e o alcance dos textos cogitados e nem sequer há uma definição sobre qual Casa poderia dar o pontapé inicial. Na Câmara, onde há uma pressão maior de bolsonaristas, um dos rascunhos em discussão, defendido pelo PL, oferece um perdão tão amplo que dificilmente prosperaria ao ser questionado no Supremo Tribunal Federal (STF). Já no Senado, a proposta está ligada à alteração da tipificação de crimes contra as instituições democráticas que hoje constam no Código Penal, mas enfrenta resistência entre oposicionistas.

Sem um horizonte claro para se chegar a um entendimento, os interessados na pauta ainda terão de enfrentar a mobilização do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que nesta quinta-feira (4) criticou a pauta em agenda em Minas Gerais, e pressões cada vez maiores para que Bolsonaro abençoe uma candidatura de Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Presidência em 2026, o que ainda não aconteceu. O governador de São Paulo é um dos principais articuladores da pauta e passou a semana em reuniões, em Brasília e São Paulo.

Veja os principais pontos dos impasses sobre o tema:

Versões ‘radicais’ do PL

Um dos textos em discussão entre líderes da oposição e do Centrão na Câmara, conforme antecipado pelo Globo, prevê que Bolsonaro fique novamente elegível para a disputa presidencial de 2026 e oferece uma anistia ampla, que incluiria, além do ex-presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), envolvidos nos atos de 8 de janeiro e alvos do Supremo Tribunal Federal (STF) em inquéritos como o das fake news e o das milícias digitais.

A versão defendida pelo PL inclui o perdão inclusive por crimes cometidos via redes sociais, além de anistiar quem ofendeu a instituições, deu apoio logístico e financeiro a protestos e atacou a soberania nacional.

Essa minuta não é assinada pelo deputado Rodrigo Valadares (União-SE), que foi relator do tema em 2024, e não há negociação fechada para que seja a versão escolhida para ir a plenário. A própria oposição admite que outras propostas circulam nos bastidores, todas ainda em fase de ajustes.

— Nós temos algumas sugestões de texto, duas ou três versões. Essa é o mínimo do mínimo — disse Sóstenes.

O texto em questão trata também de medidas cautelares, o que, por exemplo, tornaria sem efeito a imposição de tornozeleira eletrônica a Bolsonaro.

Há ainda a previsão de perdão para envolvidos em crimes contra a soberania, o que também abarca a situação de Eduardo. Ele foi indiciado pela Polícia Federal por, segundo as investigações, ter atuado junto ao governo dos EUA para coagir o STF no curso do julgamento da trama golpista.

Contrariedade no STF

Como mostrou O Globo nesta quinta-feira, ministros do STF avaliam que uma proposta do gênero seria considerada inconstitucional, pelo entendimento de que não é possível anistiar crimes contra a democracia. Ministros que integram a Primeira Turma vêm demonstrando incômodo com a discussão em meio ao julgamento do ex-presidente e aliados na trama golpista.

O colegiado analisa desde a última terça-feira o caso envolvendo o núcleo crucial do plano para dar um golpe de Estado após as eleições de 2022. A previsão é que o julgamento termine na próxima semana.

Aliados de Bolsonaro passaram a considerar uma fala do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, no mês passado, como gesto de apoio à proposta. Na ocasião, o magistrado afirmou que anistia antes de julgamento é “uma impossibilidade”, mas depois se torna “questão política”. À colunista do Globo Bela Megale, contudo, Barroso disse que não defendeu a anistia ou antecipou posição.

— Eu disse que não achava que ela pudesse ser possível antes do julgamento. E que, após o julgamento, entendia que essa passava a ser uma matéria para o Congresso. Não defendi a ideia de anistia. E, caso o tema seja judicializado, não emiti opinião sobre como o tribunal se posicionará neste caso. Nunca antecipo voto — disse o presidente do STF.

Sem acordo na Câmara

Após admitir que debateria o tema ainda este mês, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou não haver uma definição para a anistia ser votada. Segundo ele, líderes e Tarcísio de Freitas, com quem conversou, têm interesse no avanço do tema, mas ainda há negociações.

— Nós estamos sempre ouvindo o colégio de líderes nessas pautas. Não tem ainda nenhuma novidade com relação a isso. O governador é um querido amigo, é do nosso partido, nós temos dialogado sempre. Ele tem o interesse que se paute a anistia, isso é público. Mas estamos ouvindo a todos: aqueles que têm interesse e também os que não têm — disse Motta. — Estamos muito tranquilos em relação a essa discussão. Não existe ainda definição.

Mobilização do governo

Os apoiadores do texto terão que enfrentar a resistência do governo sobre o tema. Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que a “batalha” contra o projeto tem que ser feita pelo “povo” .

— Se for votar no Congresso, nós corremos risco da anistia. É importante vocês saberem, porque o Congresso, vocês sabem, não é eleito pela periferia. O Congresso tem ajudado o governo, o governo aprovou quase tudo que o governo queria, mas a extrema direita tem muita força ainda. É uma batalha que tem que ser feita também pelo povo — disse Lula em Belo Horizonte.

O Palácio do Planalto vem atuando para tentar travar a pauta. Articuladores políticos de Lula vão procurar o presidente da Câmara para tentar neutralizar a articulação do projeto.

Imprevisibilidade no Centrão

Integrantes do PSD dizem que o presidente do partido, Gilberto Kassab, está trabalhando para que a anistia entre em discussão, mas, ao mesmo tempo, não tem se comprometido em aprová-la. O entendimento de aliados do dirigente partidário é que esse compromisso de apoio só pode ser feito após um acordo pelo texto, algo que ainda não aconteceu.

Além disso, há uma avaliação no partido que Kassab, secretário de Governo de Tarcísio, nunca deixou de ter uma boa relação com Lula. Parlamentares com acesso ao chefe do PSD dizem que a situação dele é diferente da dos presidentes do PP, Ciro Nogueira, e do União Brasil, Antônio Rueda, que hoje são antagonistas do petista.

Pelos cálculos de quem acompanha o assunto, o apoio a uma anistia não é unanimidade na bancada do PSD e quase metade tem resistência a apoiar qualquer texto que dê perdão a Bolsonaro ou aliados.

Resistência no Senado

Já o texto patrocinado pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) gera resistência na oposição desde que foi cogitado. O chefe da Casa disse, esta semana, que vai apresentar um texto de sua autoria. Ontem, o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), criticou esta possibilidade:

— A partir do momento da condenação do Bolsonaro, não há texto alternativo. As penas são para todos os crimes — disse o líder do PL.

A alteração legislativa cogitada pelo presidente do Senado unifica os crimes de abolição do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe. A mudança abriria espaço para penas menores. Também faria uma diferenciação entre figuras secundárias e de liderança em eventuais tentativas de golpe, mas não abraça as convicções da oposição.

Jogo de 2026

A avaliação de caciques de PP, União, Republicanos e PL, com apoios parciais em PSD e MDB, é que a anistia passou a simbolizar a consolidação de uma coalizão eleitoral para 2026. Nesse arranjo, a anistia funciona como condição exigida por Bolsonaro para apoiar Tarcísio, num pacto que fortalece o governador nacionalmente e unifica a oposição em torno de uma agenda comum. Esse compromisso, porém, ainda não foi firmado publicamente e gera resistência entre bolsonaristas.

Fonte: O Globo

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