ARACAJU/SE, 26 de outubro de 2024 , 12:39:03

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Ex-ministros isolaram Bolsonaro e atribuíram a ele responsabilidade por reunião com embaixadores

Os ex-ministros Carlos França, das Relações Exteriores, e Ciro Nogueira, da Casa Civil, e o ex-secretário de Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência, Flávio Rocha, deixaram Jair Bolsonaro (PL) isolado e o apontaram como o responsável pela reunião com embaixadores que agora, 11 meses depois, poderá torná-lo inelegível por oito anos.

França, Nogueira e Rocha prestaram depoimentos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em dezembro de 2022 como testemunhas, a pedido da defesa do então presidente.

As oitivas estão em sigilo, mas trechos dos depoimentos foram inseridos no voto lido nesta terça-feira (27) pelo ministro Benedito Gonçalves, relator da ação e favorável à condenação de Bolsonaro.

Os três ex-auxiliares do ex-chefe de Estado relataram ao TSE terem sido meros espectadores da reunião promovida com embaixadores no Palácio da Alvorada em julho do ano passado.

O ministro Benedito Gonçalves afirmou em seu voto que, “em uníssono, disseram que não auxiliaram o ex-presidente na preparação do material, que não foram chamados a discutir a abordagem e que desconheciam o teor da apresentação”.

Os relatos dos ex-ministros e do ex-secretário de Bolsonaro passaram a compor o acervo de provas que o TSE terminará de analisar nesta semana, no processo em que o ex-presidente é acusado pelo PDT de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação pelo encontro com diplomatas.

Naquele encontro, Bolsonaro voltou a colocar em dúvida, sem apresentar provas, a lisura do sistema eleitoral, a acusar, sem embasamento, as urnas eletrônicas de serem fraudadas e a atacar opositores e ministros do STF e do TSE.

A reunião foi feita na residência oficial da Presidência da República e transmitida ao vivo pela TV Brasil, emissora pública, e seus perfis nas redes sociais.

Benedito Gonçalves narra em seu voto que, diferentemente da posição do ex-presidente exposta à época, seu ministro das Relações Exteriores pontuou em depoimento que eleições e política externa não são temas relacionados.

A avaliação de Carlos França era a de que a disputa presidencial se tratava de um “assunto interno” do Brasil.

Carlos França afirmou em seu depoimento ao TSE que a reunião com embaixadores era “uma ideia do presidente, de se dirigir aos chefes de missão” com o objetivo de “manifestar a posição do Executivo em relação à busca […] desses critérios de transparência”.

Benedito Gonçalves ressalta em seu voto que o ineditismo da reunião convocada por Bolsonaro no Palácio da Alvorada ficou assinalado nas respostas do ex-ministro. Em seu depoimento, Carlos França destacou que “não é função do Itamaraty, nem mesmo constitucional, de que nós nos ocupemos de temas eleitorais”.

 

 

França pontuou desconhecer um evento semelhante ao realizado por Bolsonaro no país em que um presidente da República tenha se dirigido a diplomatas para tratar de sistema de votação.

Ainda segundo Benedito Gonçalves, o ex-ministro foi ainda mais específico e informou ao final de seu depoimento que conversas sobre sistemas eleitorais dos países ocorrem “num nível hierárquico muito mais baixo”, nunca envolvendo “presidente, primeiro-ministro ou chanceler”.

O ex-ministro disse ao TSE que coube ao Itamaraty sugerir o perfil do público-alvo presente, mas enfatizou que a decisão de fazer a reunião já estava tomada.

Seu papel, conforme explicou no depoimento, foi apenas recomendar critérios para elaborar a lista de representantes, com base em um “corte hierárquico” compatível com a presença de Bolsonaro.

França reafirmou que não teve envolvimento na produção dos slides exibidos na apresentação feita por Bolsonaro aos embaixadores e que o Itamaraty foi acionado apenas para fornecer equipamento e tradutor para a tradução simultânea.

“Nós não tivemos acesso a esse material, e nós não fomos acionados para revisar esse material […], não houve participação do Itamarati na substância desse evento”, disse França.

O voto de Benedito Gonçalves também menciona o depoimento do senador Ciro Nogueira (PP-PI), que foi ministro-chefe da Casa Civil durante o governo Bolsonaro.

“O ex-ministro fez declarações que se distanciam da abordagem de Jair Messias Bolsonaro sobre o tema das urnas eletrônicas. De saída, expressou confiança no sistema eletrônico de votação e reconheceu a atuação da Justiça Eleitoral para seu contínuo aperfeiçoamento”, disse o relator.

Segundo o ministro responsável pela ação, Ciro Nogueira deixou evidente durante seu depoimento que esteve alheio ao planejamento da reunião, que não foi consultado sobre nenhum aspecto relevante dela, que não teve a oportunidade de dizer a Bolsonaro que era desfavorável à realização do encontro e que o classificou como superdimensionado e evitável.

Já o ex-secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência, Flávio Rocha, descreveu uma atuação periférica ao ser questionado sobre a reunião no Palácio da Alvorada.

“Disse não ter informação sobre a confecção dos slides exibidos pelo então presidente e, de resto, sobre nenhum diálogo a respeito da temática eleitoral”, relatou o ministro do TSE.

A documentação oficial aponta que o Cerimonial da Presidência atuou na organização material da reunião no Alvorada.

O voto do ministro mostra que a investigação não conseguiu localizar os slides ou qualquer comunicação que indicasse o envolvimento da Casa Civil, do Ministério das Relações Exteriores e Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos ou outros órgãos do governo na preparação do conteúdo que seria exibido por Bolsonaro para os embaixadores.

A conclusão de Benedito Gonçalves, após avaliar as provas colhidas ao longo dos últimos meses e analisar os depoimentos dos ex-ministros e do ex-secretário especial, é a de que Bolsonaro “foi integral e pessoalmente responsável pela concepção intelectual do evento [reunião com embaixadores] objeto desta ação”.

“Isso abrange desde a ideia de que a temática se inseria na competência da Presidência da República para conduzir ‘relações exteriores’ (percepção distinta da que externou o Chanceler ao conceituar a matéria como ‘tema interno’), até a definição do conteúdo dos slides e a tônica da exposição (que parecem ter sido lamentadas pelo ex-Ministro Chefe da Casa Civil)”, afirmou Benedito em seu voto.

Procurado pela CNN por meio de seus advogados, o ex-presidente Bolsonaro não se manifestou até a publicação desta reportagem.

FONTE: CNN BRASIL

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