Com diversos bolsonaristas inconformados com o resultado das eleições protestando em frente aos quartéis do país, os comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes; da Marinha, almirante Almir Garnier Santos; e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Junior; divulgaram uma nota conjunta nesta sexta-feira (11) em que afirmam que a Constituição permite protestos, mas que também prevê que “os deveres e os direitos” devem ser observados por todos os brasileiros e “que devem ser assegurados pelas Instituições”.
Na nota, os militares criticam restrições ao direito de ir e vir e alertam para ações que possam criar situações de risco. Parte dos manifestantes que está nas ruas pede golpe de estado e intervenção militar, o que é inconstitucional. Mas, na avaliação dos militares ouvidos pela reportagem, não seria correto a generalização e a caraterização de que todos os atos são de teor golpista.
“São condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade”.
Após a a divulgação da nota, o site do Exército chegou a sair do ar, segundo eles, por conta do grande número de acessos simultâneos.
Pressão política
Desde o fim das eleições e com a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo apurou a coluna, os militares preferiram manter o silêncio em relação às manifestações nas portas dos quartéis por avaliarem que se tratava de uma questão política e qualquer manifestação por parte deles não seria positiva.
Nos últimos dias, porém, após a divulgação do relatório de fiscalização das eleições por parte do Ministério da Defesa, Bolsonaro teria feito chegar aos comandantes que gostaria de alguma manifestação, o que também teria o apoio do ministro Paulo Sergio (Defesa).
Bolsonaro e Paulo Sérgio ficaram incomodados com a postura do presidente do TSE, Alexandre de Moraes, de responder de forma quase que imediata o relatório de 60 páginas elaborado pelas Forças Armadas.
Apesar disso, os militares negam que tenha sido feita algum tipo de consulta a Bolsonaro sobre o teor da nota divulgada hoje e afirmam que o texto vinha sendo construído nos últimos dias.
Ontem, em reunião do Alto Comando, que já estava pré-agendada, tratou -se da conjuntura atual e o texto foi discutido. Há uma pressão vinda por parte de generais da reserva que também englobam a parcela da população que não se conforma com o resultado das urnas.
Mas, esse não é um sentimento geral na ativa. Embora boa parte do generalato não goste do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), para a grande maioria dos militares da ativa, as eleições acabaram no dia 30 de outubro e a transição já está em curso.
A nota de hoje, segundo uma fonte, tenta encerrar o capítulo eleição e assegurar que as manifestações não irão sair do controle.
Recado aos golpistas?
Apesar de fontes militares afirmarem que o texto tem a intenção de reforçar o posicionamento institucional das Forças, o documento dá margem para reforçar os movimentos de rua, boa parte antidemocráticos, ao afirmar que as instituições devem dar atenção as demandas do povo.
“A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação”.
Na nota, os comandantes dizem ainda que reiteram “a crença na importância da independência dos Poderes” e reforçam o papel do Legislativo no processo democrático.
Segundo eles, a “Casa do Povo” é o “destinatário natural dos anseios e pleitos da população” e “sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade”.
Leia a íntegra da nota conjunta
Às Instituições e ao Povo Brasileiro Acerca das manifestações populares que vêm ocorrendo em inúmeros locais do País, a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira reafirmam seu compromisso irrestrito e inabalável com o Povo Brasileiro, com a democracia e com a harmonia política e social do Brasil, ratificado pelos valores e pelas tradições das Forças Armadas, sempre presentes e moderadoras nos mais importantes momentos de nossa história.
A Constituição Federal estabelece os deveres e os direitos a serem observados por todos os brasileiros e que devem ser assegurados pelas Instituições, especialmente no que tange à livre manifestação do pensamento; à liberdade de reunião, pacificamente; e à liberdade de locomoção no território nacional.
Nesse aspecto, ao regulamentar disposições do texto constitucional, por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, o Parlamento Brasileiro foi bastante claro ao estabelecer que: “Não constitui crime […] a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”.
Assim, são condenáveis tanto eventuais restrições a direitos, por parte de agentes públicos, quanto eventuais excessos cometidos em manifestações que possam restringir os direitos individuais e coletivos ou colocar em risco a segurança pública; bem como quaisquer ações, de indivíduos ou de entidades, públicas ou privadas, que alimentem a desarmonia na sociedade.
A solução a possíveis controvérsias no seio da sociedade deve valer-se dos instrumentos legais do estado democrático de direito. Como forma essencial para o restabelecimento e a manutenção da paz social, cabe às autoridades da República, instituídas pelo Povo, o exercício do poder que “Dele” emana, a imediata atenção a todas as demandas legais e legítimas da população, bem como a estrita observância das atribuições e dos limites de suas competências, nos termos da Constituição Federal e da legislação.
Da mesma forma, reiteramos a crença na importância da independência dos Poderes, em particular do Legislativo, Casa do Povo, destinatário natural dos anseios e pleitos da população, em nome da qual legisla e atua, sempre na busca de corrigir possíveis arbitrariedades ou descaminhos autocráticos que possam colocar em risco o bem maior de nossa sociedade, qual seja, a sua Liberdade.
A construção da verdadeira Democracia pressupõe o culto à tolerância, à ordem e à paz social. As Forças Armadas permanecem vigilantes, atentas e focadas em seu papel constitucional na garantia de nossa Soberania, da Ordem e do Progresso, sempre em defesa de nosso Povo.
Assim, temos primado pela Legalidade, Legitimidade e Estabilidade, transmitindo a nossos subordinados serenidade, confiança na cadeia de comando, coesão e patriotismo. O foco continuará a ser mantido no incansável cumprimento das nobres missões de Soldados Brasileiros, tendo como pilares de nossas convicções a Fé no Brasil e em seu pacífico e admirável Povo.
Brasília/DF, 11 de novembro de 2022.
Almirante de Esquadra ALMIR GARNIER SANTOS, Comandante da Marinha
General de Exército MARCO ANTÔNIO FREIRE GOMES, Comandante do Exército
Tenente-Brigadeiro do Ar CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA JUNIOR, Comandante da Aeronáutica
Fonte: Uol