A Autoridade de Concorrência da França encerrou uma disputa de 3 anos entre a indústria de mídia jornalística do país e a empresa norte-americana Google. No dia 21, foi aceita uma proposta da big tech sobre direitos autorais.
A medida determina que a plataforma deve pagar aos veículos de mídia sempre que seus conteúdos aparecerem nos resultados de busca na internet. Não está claro ainda o critério para definição de valores a serem pagos nem quais veículos jornalísticos estarão qualificados para ter o direito de receber tais pagamentos.
O Google também desistiu de recurso contra uma decisão dada pelo órgão regulador em julho de 2021. À época, a Autoridade de Concorrência (“Autorité de la Concurrence”, em francês) multou a big tech em € 500 milhões (R$ 2,7 bilhões) por violar as regras de direitos autorais de notícias e por não negociar com “boa-fé”. Com o acordo, a empresa se comprometeu a pagar o valor. A multa será destinada ao próprio regulador do governo francês.
A decisão desta semana integra um processo aberto em novembro de 2019 pela Autoridade de Concorrência a pedido de duas organizações de mídia francesa junto à agência de notícias AFP (Agence France-Presse). As organizações são: Apig (Aliança da Imprensa de Informação Geral) e SEPM (Sindicato de Editores de Imprensa de Revistas).
O processo foi aberto em novembro de 2019 pela Apig, SEPM e AFP contra o Google depois da adoção da lei nº 2019-775 de 24 de julho de 2019.
A lei foi adotada depois que a União Europeia implementou a chamada Diretiva Europeia de Direitos Autorais em 17 de abril de 2019. A ação exigia que o Google pagasse os direitos autorais pela reprodução dos textos, vídeos, fotos, infográficos e vídeos de veículos franceses.
Em abril de 2021, a Autoridade da Concorrência francesa recomendou novamente que o Google implementasse uma negociação de “boa-fé” com os editores e agências de notícias.
A Autoridade multou em junho de 2021 o Google em 500 milhões de euros pelo fato de a plataforma não ter negociado com a mídia. Em setembro, o Google recorreu da decisão. Nesta semana, o caso chegou ao fim com o acordo.
O coordenador do curso de direito da ESPM e especialista em direito digital, Marcelo Crespo, explica como funciona a forma com que o Google rentabiliza seu mecanismo de busca.
“Funciona assim. Todas as vezes que acessamos a internet e fazemos uma busca de um dos buscadores, como, por exemplo, do Google, clicamos no resultado que aparece ali no link. Você digita uma palavra. Então, por exemplo, Poder360. Digita lá, vai aparecer alguma coisa. Quando clicamos nesses links o Google é remunerado por isso. Por que? Porque ele vende as AdWords [por exemplo, se o Poder360 pagar ao Google para ter seus resultados nesse tipo de busca], as palavras que vão estar relacionadas aos sites”, diz Crespo.
O especialista afirma que quando o Google vende mídia para que as pessoas encontrem mais facilmente aquilo que elas querem, a plataforma ganha “bilhões por ano”. O que se está fazendo agora, no caso da França, por exemplo, é a big tech pagar uma espécie de pedágio para os veículos, segundo Crespo.
“Em resumo, essa diretiva dos direitos do autor estabelece que os grandes portais, as big techs, como o Google, tenham que pagar uma espécie de pedágio para poder relacionar os links no seu buscador, sendo esses links de outras entidades, como portais jornalísticos”, afirma Crespo.
Para o professor da de sociologia da comunicação da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Danilo Rothberg, a iniciativa do Google com os veículos de mídia tem como objetivo o combate a notícias falsas.
“O Google apresenta esse pagamento como parte de um conjunto de iniciativas da empresa para enfrentar o cenário da desinformação. Considera-se no contexto a propagação de informação, de credibilidade pelas empresas jornalísticas já conhecidas. É fundamental para vencer a desinformação”, diz Rotheberg.
A partir da decisão da França, outros países da União Europeia podem seguir o mesmo caminho e iniciar acordos com o Google. É uma percepção do especialista Marcelo Crespo.
“Acredito que a discussão da França vai se espalhar para outros países, porque a partir da diretiva, essa é a interpretação. Como a França tem sido o 1º país a se movimentar nesse sentido, há uma tendência de que outros, que componham a União Europeia, possa fazer acordos também”, afirma.
Na União Europeia, a big tech já fechou acordo com mais de 650 publicações até agora. Os nomes dos veículos não foram divulgados. Para Crespo, esses acertos podem sofrer alterações depois da decisão acordada na França nesta semana se jornais e agências decidirem que querem um acordo melhor.
A discussão sobre acordos da big tech com veículos de mídia tem sido alvo de discussões em alguns países.
Canadá
O ministro do Patrimônio canadense, Pablo Rodríguez, apresentou o projeto de lei Online News Act (Lei de Notícias On-line, em português). O principal objetivo da medida da proposta apresentada em 5 de abril de 2022 é assegurar que big techs como Google e Facebook paguem aos veículos de mídia do país parte dos lucros originados pela divulgação de notícias.
A lei determinará a negociação dos valores entre as plataformas e os veículos de mídia, além de promover os acordos de forma voluntária com intervenção mínima do governo.
O projeto também estabelecerá o papel e as ferramentas de regulação da CRTC (Comissão Canadense de Telecomunicações de Rádio e Televisão) –órgão que tem papel similar ao da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) no Brasil.
Austrália
Em fevereiro de 2021, o país aprovou lei para que as big techs paguem os veículos pela divulgação dos seus conteúdos noticiosos. Contudo, o texto sancionado isenta Google e Facebook de aplicarem alguns pontos da proposta.
O governo australiano se comprometeu com as empresas a considerar os acordos que tenham feitos com os veículos locais antes de aplicar a lei. Também permitiu mais tempo para que as big techs possam negociar com os veículos.
O texto australiano também estabelece que as empresas de comunicação possam bloquear o comércio de seus conteúdos pelas big tech. Assim, não apareceriam em feeds de notícias nem resultados de pesquisas.
Reino Unido
O país não avançou no tema. Há uma legislação em discussão pelo governo sobre o assunto, mas ainda não foi apresentada uma proposta. O órgão fiscalizador do Reino Unido tem dito que fará uso total de seus poderes, o que inclui a obtenção de um conjunto de compromissos do Google em relação a veículos jornalísticos.
EUA
Nos Estados Unidos ainda não há avanços específicos sobre o tema. Segundo Crespo, o que se discute no país é o uso justo de informaçōes jornalísticas pela big tech.
“Nos Estados Unidos não se discute muito essa questão porque eles têm um conceito de uso justo […]. Eles [as big techs] estão veiculando uma informação. Eles não estão se apropriando dessa informação. Eles estão facilitando que as pessoas possam acessar a informação”, afirma o especialista.
O que se discute nos EUA são questões mais pontuais de até onde vai esse chamado “uso justo” por parte do Google, de acordo com o coordenador do curso de Direito da ESPM.
PL das Fake News no Brasil
Em abril, o Google lançou uma campanha publicitária contra o projeto de lei 2.630/2020, conhecido como PL das Fake News. A plataforma diz que o texto pode “obrigá-la” a financiar notícias falsas. As plataformas têm feito forte lobby para evitar que a proposta avance, ao menos com a redação atual.
Foram publicados anúncios pagos contra o PL das Fake News nos principais veículos impressos do Brasil: O Globo, Folha de S.Paulo, Estado de S. Paulo, Correio Braziliense. A peça tenta estimular usuários a procurar deputados nas redes sociais para pedir mais tempo para debater a proposta.
Para o relator do projeto na Câmara, Orlando Silva (PC do B-SP), o Google abusa de seu poder econômico para fazer “chantagem explícita” com a “mídia alternativa” e pequenos e médios veículos de comunicação. Ele apresentou nova versão de seu relatório em 31 de março.
Em abril, um requerimento de urgência do projeto foi rejeitado no plenário da Câmara. O projeto perdeu velocidade e não avançou mais.
Fonte: Poder 360