Os líderes do G20 aprovaram em consenso a declaração final na cúpula no Rio de Janeiro. Houve a inclusão de última hora de duas palavras em dois parágrafos diferentes, permitindo o aval final dos mandatários. A declaração fala de “paz” na Ucrânia, pede o cessar-fogo na Faixa de Gaza, defende taxação de super-ricos e aborda temas como Inteligência Artificial e igualdade de gênero.
O presidente argentino, Javier Milei, fez as ressalvas ao texto ao microfone. Assim, o documento foi aprovado, na prática, sem objeções. As ponderações do argentino foram anotadas, mas não constam da versão final.
A declaração final tem 22 páginas e 85 parágrafos. Começa dizendo que os líderes do G20 se reuniram no Rio de Janeiro para abordar os principais desafios e crises globais e promover um crescimento forte, sustentável, equilibrado e inclusivo.
“Nós nos reunimos no berço da Agenda de Desenvolvimento Sustentável para reafirmar nosso compromisso de construir um mundo justo e um planeta sustentável, sem deixar ninguém para trás”, afirma o texto.
O texto aborda:
- A situação econômica e política internacional
- Inclusão social e combate à fome e à pobreza
- Desenvolvimento sustentável, transições energéticas e ação climática
- Reforma das instituições de governança global
As mudanças
Para o texto ser aprovado, foram feitas duas mudanças. A primeira no parágrafo sete. Nele, houve inserção do termo “infraestrutura”. A alteração foi necessária para aplacar a pressão do G7, preocupado que a declaração final refletisse os últimos ataques da Rússia na Ucrânia. Ficou assim o texto final: “Afirmamos que todas as partes devem cumprir com suas obrigações sob o direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário e o direito internacional dos direitos humanos, e a este respeito condenamos todos os ataques contra civis e infraestrutura.”
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A segunda motivação foi no parágrafo nove, onde foi incluída a palavra “especificamente” para enfatizar a referência feita à Ucrânia.
“Especificamente em relação à guerra na Ucrânia, ao relembrar as nossas discussões em Nova Délhi, destacamos o sofrimento humano e os impactos negativos adicionais da guerra no que diz respeito à segurança alimentar e energética global, cadeias de suprimentos, estabilidade macrofinanceira, inflação e crescimento. Saudamos todas as iniciativas relevantes e construtivas que apoiam uma paz abrangente, justa e duradoura, mantendo todos os Propósitos e Princípios da Carta da ONU para a promoção de relações pacíficas, amigáveis e de boa vizinhança entre as nações”, diz o comunicado após a alteração.
Guerras
Em relação aos conflitos e guerras em andamento, o G20 reafirma que todos os Estados devem agir de maneira consistente com os Propósitos e Princípios da Carta da ONU em sua totalidade e diz que todos os Estados “devem se abster da ameaça ou uso da força para buscar aquisição territorial contra a integridade territorial e soberania ou independência política de qualquer Estado”.
“Afirmamos que todas as partes devem cumprir com suas obrigações sob o direito internacional, incluindo o direito internacional humanitário e o direito internacional dos direitos humanos, e a este respeito condenamos todos os ataques contra civis e infraestrutura”, afirma o texto.
Faixa de Gaza: cessar-fogo
O texto dá mais ênfase à guerra na Faixa de Gaza no que na Ucrânia e propõe um cessar-fogo no Oriente Médio.
“Estamos unidos em apoio a um cessar-fogo abrangente em Gaza, em conformidade com a Resolução n. 2735 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e no Líbano, que permite que os cidadãos retornem em segurança para suas casas em ambos os lados da Linha Azul”, afirma o texto.
Os líderes expressam “profunda preocupação” com a situação humanitária “catastrófica” na Faixa de Gaza e a escalada no Líbano e falam na “necessidade urgente de expandir o fluxo de assistência humanitária” e reforçar a proteção de civis e exigir a remoção de todas as barreiras à prestação de assistência humanitária em escala.
“Afirmando o direito palestino à autodeterminação, reiteramos nosso compromisso inabalável com a visão da solução de dois Estados, onde Israel e um Estado palestino vivem lado a lado, em paz, dentro de fronteiras seguras e reconhecidas, consistentes com o direito internacional e resoluções relevantes da ONU”, afirma o texto.
Super-ricos
Uma das principais bandeiras brasileiras no G20, a taxação dos super-ricos é citada uma vez. No texto, é dito que a soberania fiscal deve ser respeitada, mas que ainda assim o grupo vai buscar garantir que indivíduos de altíssima renda serão “efetivamente taxados”.
“Com total respeito à soberania fiscal, buscamos engajar-nos cooperativamente para assegurar que indivíduos de altíssimo patrimônio sejam efetivamente taxados. A cooperação pode envolver a troca de melhores práticas, o estímulo ao debate sobre princípios tributários e o desenvolvimento de mecanismos contra a evasão fiscal, incluindo o enfrentamento de práticas fiscais potencialmente prejudiciais”, diz a declaração.
O texto endossa a Declaração Ministerial do G20 do Rio de Janeiro sobre Cooperação Tributária Internacional e defende a tributação progressiva.
“A tributação progressiva é uma das principais ferramentas para reduzir as desigualdades domésticas, fortalecer a sustentabilidade fiscal, fomentar a consolidação orçamentária, promover um crescimento forte, sustentável, equilibrado e inclusivo e facilitar a realização dos ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável).
Estabilidade
A declaração afirma que “não haverá sustentabilidade nem prosperidade sem paz”.
“Conhecemos os horrores e sofrimentos produzidos por todas as guerras. Para colher os benefícios de nossos esforços conjuntos para promover o desenvolvimento sustentável em todas as suas dimensões – social, econômica e ambiental – precisamos equipar melhor o mundo com uma governança global reformada”, diz o texto.
O documento lembra que o G20 nasceu de crises financeiras e econômicas e diz que agora o mundo enfrenta “uma crise multifacetada, na qual tensões políticas e geopolíticas colocam em risco nossa capacidade de enfrentar desafios como a promoção do crescimento, a redução da pobreza e a luta contra as mudanças climáticas”.
A declaração afirma que os desafios que a comunidade global enfrenta hoje “só podem ser abordados por meio de soluções multilaterais para um amanhã melhor e o fortalecimento da governança global para as gerações presentes e futuras”.
“Para cumprir as promessas das Nações Unidas e outras organizações internacionais relevantes ao redor do mundo, prometemos trabalhar por um sistema multilateral revigorado e fortalecido, enraizado nos propósitos e princípios da Carta da ONU e do direito internacional, com instituições renovadas e uma governança reformada que seja mais representativa, eficaz, transparente e responsável, refletindo as realidades sociais, econômicas e políticas do século XXI”, diz a declaração.
Inteligência artificial
A declaração dos chefes de Estado afirma que o rápido progresso da Inteligência Artificial promete prosperidade e expansão da economia digital global.
“Para garantir o desenvolvimento, a implantação e o uso seguros, protegidos e confiáveis da IA, a proteção dos direitos humanos, a transparência e a explicabilidade, a justiça, a responsabilização, a regulamentação, a segurança, a supervisão humana apropriada, a ética, os preconceitos, a privacidade, a proteção de dados e a governança de dados devem ser abordadas”, diz o texto final dos líderes globais.
Gênero
O G20 reafirmou o compromisso com a Agenda 2030, destacando que apenas 17% das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão no caminho certo.
O texto também cita o “total compromisso com a igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas”, um dos pontos aos quais a Argentina tinha ressalvas.
“Nós nos comprometemos a promover a igualdade de gênero no trabalho de cuidado remunerado e não-remunerado para garantir a participação igualitária, plena e significativa das mulheres na economia, promovendo a corresponsabilidade social e de gênero, encorajando e facilitando o envolvimento igualitário de homens e meninos no trabalho de cuidado e desafiando as normas de gênero que impedem a distribuição equitativa e a redistribuição das responsabilidades de cuidado”, afirma o texto.
A cúpula destacou o lema de 2024: “Construindo um mundo justo e um planeta sustentável”, com foco na redução de desigualdades e ações socialmente justas e ambientalmente sustentáveis.
Ação Climática e Transição Energética
A declaração renova compromissos para atingir emissões líquidas zero até meados do século e para aumentar significativamente as energias renováveis e a eficiência energética globalmente até 2030.
A cúpula também lançou a Força Tarefa para Mobilização Global contra as Mudanças Climáticas para reforçar o financiamento climático, especialmente em países em desenvolvimento.
A declaração afirma que os países vão se empenhar em mobilizar financiamento novo e adicional de todas as fontes para florestas, incluindo financiamento concessional e “inovador” para países em desenvolvimento. Incentiva mecanismos inovadores que buscam mobilizar novas e diversas fontes de financiamento para pagar por serviços ecossistêmicos. Também reafirma a ambição do G20 de reduzir a degradação do solo em 50% até 2040 de forma voluntária. Os países também dizem que tomarão medidas para prevenir, gerenciar e lidar com os impactos negativos de secas e incêndios florestais extremos.
Combate à Pobreza e à Fome
A Cúpula do G20 lançou a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, promovendo estratégias como transferência de renda, programas de alimentação escolar e acesso ao microcrédito, e isso é mencionado no documento.
Comércio Global
O documento reforça a necessidade de modernizar a Organização Mundial do Comércio (OMC), promovendo um sistema comercial multilateral baseado em regras, justo e sustentável. O G20 apoia uma reforma no sistema de solução de disputas acessível a todos os membros e destacou o papel do comércio para o crescimento econômico inclusivo.
“Garantir condições equitativas e concorrência justa consistente com as regras da OMC é essencial para garantir a prosperidade e promover um ambiente favorável ao comércio e ao investimento para todos. Nós reiteramos a centralidade da dimensão do desenvolvimento da OMC”, diz o texto.
Conselho de Segurança da ONU
O texto também fala que os países do G20 de comprometem a modificar “o Conselho de Segurança por meio de uma reforma transformadora que o alinhe às realidades e demandas do século XXI, que o torne mais representativo, inclusivo, eficiente, eficaz, democrático e responsável, e mais transparente para toda a comunidade das Nações Unidas, permitindo uma melhor distribuição de responsabilidades entre todos os seus membros, ao mesmo tempo que melhora a eficácia e a transparência dos seus métodos de trabalho. Nós reivindicamos uma composição ampliada do Conselho de Segurança que melhore a representação das regiões e grupos sub-representados e não representados, como a África, Ásia-Pacífico e América Latina e Caribe”.
Saúde
O texto ainda destaca a necessidade de sistemas de saúde resilientes, financiamento sustentável e acesso equitativo a vacinas, diagnósticos e tratamentos, especialmente para doenças negligenciadas. A criação de uma Coalizão para Produção Local e Regional busca ampliar o acesso a tecnologias de saúde.
Fonte: O Globo