O Ministério da Saúde reduziu em 61% o gasto com campanhas de prevenção contra a dengue de 2022 (na administração de Jair Bolsonaro) para 2023 (sob Luiz Inácio Lula da Silva). O Brasil passa pelo pior surto da doença em sua história. Já há mais de 2,6 milhões de casos registrados e mais de 1.000 mortes confirmadas.
Parte da crise de dengue é atribuída ao menor esforço do governo para orientar a população a adotar medidas preventivas, o que tradicionalmente é feito por meio de campanhas publicitárias na mídia.
Em 2022, os gastos com campanhas de esclarecimento sobre a dengue foram de R$ 31,6 milhões (em valores corrigidos pela inflação). Em 2023, o valor foi de R$ 12 milhões.
Foi o menor gasto com essas campanhas desde 2019, início da série de dados. Quem decide sobre esse tipo de campanha é o Ministério da Saúde, sob comando da socióloga Nísia Trindade, que tem sido criticada tanto pela oposição como por integrantes do governo Lula.
As informações fazem parte de levantamento do Poder360 com os dados do Sistema de Comunicação de Governo do Poder Executivo Federal (Sicom). Leva em consideração todas as campanhas do Ministério da Saúde que mencionem a doença ou o mosquito Aedes aegypti, vetor da enfermidade.
O ministério como um todo gastou 16% a menos em campanhas de divulgação registradas no Sicom. O total passou de R$ 207 milhões (em valores corrigidos pela inflação) a R$ 174 milhões. Ou seja, a redução na campanha da dengue foi maior do que a da verba total.
Em nota, o Ministério da Saúde diz que os dados obtidos pela reportagem não incluem fases de continuação das campanhas contra a dengue em janeiro e fevereiro de 2024. Segundo o ministério, somando esses valores, o total seria de R$ 35 milhões.
No sistema de comunicação do governo, com informações parciais, os meses de janeiro e fevereiro somam R$ 3,8 milhões em campanhas de divulgação contra a dengue.
Especialistas afirmam, no entanto, que o melhor momento para ações publicitárias de prevenção não é no meio da epidemia, mas sim no período que antecede a alta sazonal de casos.
Isso acontece porque a maioria (75%) dos focos de dengue está dentro das casas das pessoas. Enquanto não há vacina disponível em quantidade suficiente, a remoção desses criadouros é uma das principais medidas contra a doença.
“É muito importante mobilizar a população para a eliminação desses focos, principalmente no período entre as epidemias (de maio a dezembro), antes do aumento expressivo no número de casos“, diz o infectologista Júlio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e professor da UFMS.
Ou seja, ainda que o governo tenha aumentado o gasto com as campanhas em janeiro e fevereiro de 2024, quando explodiu o número de casos de dengue, isso não tira a importância do investimento antes de a epidemia se alastrar.
“Foi uma redução significativa, de mais de 50% – isso quando tínhamos uma expectativa de aumento de casos em 2024. Realmente preocupa essa priorização no planejamento”, afirma o infectologista.
A expectativa à que Croda se refere é o fato de ter havido um inverno atípico em 2023 com muitos casos de dengue e com projeção do fenômeno El Niño subindo a temperatura e a incidência de chuvas no verão. Os epidemiologistas já esperavam, no ano passado, que houvesse um aumento no número de casos em 2024.
Prioridades em 2023
De acordo com os dados do Sicom, o governo Lula não repetiu em 2023 campanhas contra a poliomielite e a varíola, duas das maiores ações de marketing realizadas pelo Ministério da Saúde em 2022.
A prioridade ficou concentrada na campanha de multivacinação, que recebeu 141% mais verbas, num momento em que o Brasil soava o alerta de uma baixíssima cobertura vacinal. A vacinação foi um dos itens mais quentes na campanha eleitoral de 2022, com Lula acusando Bolsonaro de ser negacionista. Uma vez no Palácio do Planalto, a administração petista seguiu essa premissa, que havia dado certo eleitoralmente.
De acordo com o Ministério da Saúde, depois da campanha de vacinação, houve aumento na cobertura de 13 das 16 principais vacinas ofertadas pelo PNI.
O ministério também incluiu outras divulgações, como farmácia popular e a de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), que, de acordo com os dados do Sicom, não haviam tido campanhas próprias em 2022. A campanha da dengue passou de segunda com mais verbas do ministério em 2022 para a sexta em divulgação em 2023.
“É claro que o ministério precisa avaliar o impacto de cada situação. São importantes campanhas para aumentar a cobertura vacinal, mas também não pode deixar de aplicar na dengue, porque ela mata”, afirma a imunologista Isabella Ballalai, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim).
A infectologista diz não acompanhar de perto os desembolsos do governo com as campanhas, mas critica alguns dos resultados na ponta. “Às vezes até mais importante que o valor é como a comunicação é feita. Não adianta só falar para virar o pratinho. A comunicação tem de ser mais assertiva, ao falar sobre os sinais de alerta da doença”, diz Ballalai.
Renato Kfouri, vice-presidente da Sbim, diz ser difícil avaliar o quanto a redução de verbas pode ter impactado no aumento de casos da doença. “A despeito de maiores ou menores esforços, não temos tido nos últimos anos resultados suficientes. Claro que se triplicasse o dinheiro seria melhor, mas o combate à dengue não é feito só de comunicação”, afirma.
A nota do Ministério da Saúde enviada à reportagem destaca outras ações tomadas pelo governo contra a doença: encontro com gestores municipais – realizados ao longo de 2023, alertando para o possível aumento de casos; sala nacional – para o monitoramento de arboviroses, em dezembro de 2023; repasse de R$ 256 milhões para estados e municípios, começando em dezembro de 2023, para fortalecer vigilância; centro de emergência – criado em março de 2024.
Metodologia
O Poder360 usou dados do Sicom e corrigiu todos os valores pela inflação. Só foram somados os gastos de publicidade com confirmação de veiculação.
Outro lado
Eis a íntegra da nota enviada pelo Ministério da Saúde:
“Em relação às campanhas de enfrentamento à dengue, o Ministério da Saúde informa que não foram computadas no cálculo da reportagem as fases da continuidade da campanha de eliminação do mosquito e sobre as orientações sobre o tratamento e sintomas da doença que se estenderam pelos meses de janeiro e fevereiro deste ano, totalizando R$ 35 milhões.
Além das campanhas publicitárias, desde 2023, o Ministério da Saúde está em constante monitoramento e alerta quanto ao cenário epidemiológico da dengue no Brasil, coordenando uma série de ações para o enfrentamento da doença. Ao longo do ano passado, foram realizados encontros com gestores municipais e estaduais para alertas sobre o possível aumento de casos, a instalação da Sala Nacional de Situação, regularização dos estoques de insumos para o enfrentamento da doença, a primeira etapa da campanha nacional de combate ao mosquito e o repasse de R$ 256 milhões para reforço das ações de vigilância aos estados e municípios.
Em 2024, a pasta ampliou os repasses em até R$ 1,5 bilhão para apoiar estados e municípios em situação de emergência, reforçando a assistência e o cuidado integral pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, a pasta coordena, em parceria com o Conasems, o treinamento e a formação dos profissionais de saúde e dos agentes de combate às endemias em todo país. O Ministério da Saúde também instalou o Centro de Operações de Emergência contra a dengue (COE Dengue) para coordenar, em conjunto com estados e municípios, as estratégias de vigilância frente ao aumento de casos no Brasil, permitindo mais agilidade no monitoramento e análise do cenário para definição de ações oportunas para o enfrentamento da dengue.
“Sobre as campanhas de vacinação, havia a necessidade de retomar as campanhas de mobilização e incentivo à imunização, uma vez que as coberturas vacinais eram as mais baixas dos últimos anos. Ainda no início de 2023, o Ministério da Saúde lançou o Movimento Nacional pela Vacinação para resgatar na população brasileira a confiança nas vacinas para que o Brasil volte a ser referência mundial em altas coberturas vacinais e para retomar as campanhas de vacinação com adoção de novas estratégias em todo o país. O esforço já mostra resultados positivos para todo o país, revertendo a tendência de queda e ampliando as coberturas vacinais de 13 das 16 principais vacinas ofertadas pelo PNI”.
Fonte: Poder360