Em um discurso no Congresso dos Estados Unidos, Donald Trump fez nova defesa de sua política protecionista, com planos de aplicar uma série de outras taxações, e citou o Brasil como um dos países que, segundo ele, sempre “usaram tarifas contra os EUA”.
O presidente dos EUA também citou União Europeia, Índia e Coreia do Sul, além de México e Canadá neste trecho do discurso, fazendo menção ao que ele chama de “tarifas recíprocas”, modalidade que pretende aplicar a partir de 2 de abril. Ele afirmou que esses e outros países taxam produtos americanos em mais de 100% ou duas ou até quatro vezes a média das tarifas nos EUA.
— Esse sistema não é justo para os EUA, e nunca foi — afirmou. — Se nos taxarem, vamos taxá-los, é simples.
Ele explicou que vê nas tarifas uma forma de atrair “trilhões” em investimentos e empregos para os EUA no âmbito de sua política “America First”:
— Se não produz nos EUA, sob o governo Trump, você vai pagar uma tarifa. E, em alguns casos, bem alta. Outros países têm usado tarifas contras nós por décadas, e agora é nossa vez de começar a usá-las contra outros países.
Donald Trump cumpriu sua ameaça e taxou em 25% as importações vindas de Canadá e México, vizinhos com quem o seu país forma um bloco de livre comércio. Também dobrou a tarifa que impôs a produtos da China, de 10% para 20%.
Com isso, o republicano elevou a média das tarifas de importação dos EUA para o mais alto patamar desde a primeira metade do século XX, segundo o Laboratório de Orçamento da Universidade Yale. Os três países atingidos responderam com retaliações comerciais, mas os efeitos também serão sentidos no bolso dos americanos.
Empresas dos EUA alertaram ontem para o repasse do imposto de importação para o preço dos produtos de fora, alimentando a inflação persistente no país. Com a escalada da guerra comercial de Trump, bolsas caíram e o dólar perdeu valor perante outras moedas.
Após a confirmação do início das tarifas previstas para ontem, México e China foram cuidadosos, mas a resposta do Canadá foi mais enérgica.
O primeiro-ministro Justin Trudeau impôs tarifas de 25% sobre uma série de produtos americanos, no valor de 30 bilhões de dólares canadenses (cerca de US$ 21 bilhões) por ano. E deixou claro que, se as tarifas americanas persistirem, o Canadá ampliará a gama de bens importados dos EUA a serem taxados, totalizando US$ 107 bilhões. O líder demissionário chamou a decisão de Trump de “estúpida” e classificou de “absurda” a suposta negligência do Canadá com o tráfico de fentanil.
— O que ele quer é ver um colapso total da economia canadense, porque isso tornaria mais fácil nos anexar — disse, referindo-se a uma frase de Trump de que o Canadá poderia ser o 51º estado americano.
Secretário fala em alívio
Trudeau informou que os governos federal e provinciais do Canadá discutem medidas não tarifárias para evidenciar que “não há vencedores em uma guerra comercial”. Trump voltou à carga numa rede social ameaçando o Canadá com taxas mais altas.
Apesar disso, o secretário de Comércio dos EUA, Howard Lutnick, tentou amenizar a tensão dizendo que está negociando com México e Canadá um possível alívio nas tarifas, que poderia ser anunciado hoje envolvendo os produtos cobertos pelo acordo de livre comércio da América do Norte. Ele mencionou uma espécie de “meio-termo”, descartando remoção total de tarifas.
Trudeau disse que apresentará contestações à Organização Mundial do Comércio (OMC), caminho já feito pela China. Pequim informou que vai impor tarifas de 10% e 15% sobre alimentos dos EUA, como soja, trigo, frango e carne bovina, e apertou o cerco sobre 15 empresas americanas, que precisarão de licença para comprar bens chineses. Outras dez tiveram exportações bloqueadas para a China.
As sobretaxas anunciadas ontem pelo governo de Xi Jingping recaem sobre US$ 22 bilhões em importações americanas de alimentos numa resposta à tarifa adicional de 10% que Trump impôs ontem. Em fevereiro, quando os EUA anunciaram a primeira rodada de 10%, Pequim já havia sobretaxado US$ 14 bilhões em itens americanos, incluindo gás, carvão e maquinas agrícola.
Em tom distinto ao do Canadá, o porta-voz do Congresso Nacional do Povo, Lou Qinjian, disse esperar que os países possam encontrar uma solução por meio do diálogo:
— O importante é respeitar os interesses centrais e as principais preocupações de cada um e encontrar uma solução adequada.
Ainda mais cautelosa, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, disse na manhã de ontem que “não há motivo, razão ou justificativa” para as tarifas de 25% impostas pelos EUA sobre produtos mexicanos e afirmou que seu governo está preparando medidas “tarifárias e não tarifárias” em retaliação. No entanto, elas só devem ser apresentadas no próximo domingo. A presidente vai usar a praça principal da Cidade do México, para detalhar as medidas.
Até o momento, as tarifas impactam principalmente fabricantes dos setores químico, alimentício, de transportes, de máquinas e de eletrodomésticos. O laboratório de Yale avalia que as medidas podem representar um custo adicional de até US$ 2 mil (R$ 11,5 mil) para cada lar americano. Isso porque, do abacate ao smartphone, da madeira ao automóvel, boa parte dos produtos consumidos nos EUA vem de China, México e Canadá.
O que Trump já cumpriu e o que vem por aí
Veja a seguir um resumo dos planos de Trump em relação às tarifas aduaneiras — uma forma que os governos usam para tornar produtos importados menos competitivos internamente—, com datas prometidas de entrada em vigor e países no alvo. Mas é bom lembrar que esses planos do presidente americano mudam quase diariamente em sua retórica.
4 de fevereiro: China
Menos de duas semanas após sua posse, Donald Trump anunciou, em 1º de fevereiro, que imporia tarifas de 25% sobre produtos do Canadá e do México e um adicional de 10% sobre todos os bens chineses, a partir de 4 de fevereiro. Os três países prometeram retaliar imediatamente.
Washington prevê uma taxação menor sobre o setor energético do Canadá, de 10%, devido à sua importância para as importações americanas.
Canadá e México conseguiram um adiamento de 30 dias na última hora. A China não obteve o mesmo benefício. O gigante asiático anunciou, em represália, novas barreiras aduaneiras a produtos dos Estados Unidos.
4 de março: Canadá, México e China
O adiamento obtido por mexicanos e canadenses expira em 4 de março, e Donald Trump afirmou na quinta-feira que as tarifas entrarão em vigor conforme o cronograma previsto.
Ele também anunciou que os Estados Unidos aumentarão ainda mais as tarifas sobre produtos chineses, em 10%, nessa mesma data.
O presidente acusa os três países de permitirem a entrada de fentanil nos Estados Unidos: seus vizinhos, por não garantirem a segurança da fronteira de forma suficiente, segundo ele.
No caso da China, a tarifa se deve, de acordo com Trump, ao fato de ser o país de onde saem as substâncias químicas usadas na fabricação desse opioide sintético que causa estragos em solo americano. No entanto, a China é vista como a principal rival dos EUA economica e geopoliticamente, de acordo com o ideário de Trump.
12 de março: aço e alumínio
Em fevereiro, Donald Trump assinou decretos para impor tarifas de 25% sobre aço e alumínio que entrarem nos Estados Unidos a partir de 12 de março.
Ele alega querer proteger as indústrias nacionais, pois acredita que foram prejudicadas “pelas práticas comerciais desleais e pelo excesso de produção global”.
Essa medida tem o maior potencial contra o Brasil até agora, já que o país é o segundo exportador de aço para os EUA.
2 de abril: ‘tarifas recíprocas’ e novos alvos
O presidente americano afirmou na quinta-feira que mantém a intenção de impor tarifas “recíprocas” aos parceiros comerciais dos Estados Unidos a partir de 2 de abril.
Para ele, isso significa reduzir as disparidades: se um produto americano for taxado em 40% ao entrar em um país, Washington imporá o mesmo nível de tarifas na direção oposta.
Além dos impostos de importação, Donald Trump também mira barreiras não tarifárias, como regulamentos que penalizam produtos americanos ou o imposto sobre valor agregado (IVA) dos europeus, um tributo sobre as compras dos consumidores (independentemente do local de produção), geralmente mais alto do que nos Estados Unidos.
Ele também ameaça impor tarifas sobre automóveis, produtos farmacêuticos e madeira para construção.
Na última quarta-feira, Trump ameaçou impor tarifas de 25% sobre produtos da União Europeia (UE), sem especificar uma data. Ontem, ele se encontrou com o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer, e afirmou que os dois países estão assinando um acordo comercial “muito bom”.
2 de abril: produtos alimentícios
Na véspera da entrada em vigor de tarifas de 25% contra produtos do Canadá e do México e de um adicional tarifário de 10% para a China, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ameaçou novas tarifas sobre importações de produtos agrícolas a partir do dia 2 de abril. A medida seria uma forma de favorecer agricultores americanos, diz Trump.
“Para os grandes fazendeiros dos Estados Unidos: Preparem-se para começar a produzir muitos produtos agrícolas para serem vendidos DENTRO dos Estados Unidos. As tarifas serão aplicadas sobre produtos externos no dia 2 de abril. Divirtam-se!”, escreveu Trump na rede social Truth Social.
O presidente não forneceu mais detalhes sobre quais produtos seriam afetados, nem se haveria exceções. Também não está claro se seu plano faz parte de um esforço previamente anunciado para implementar as chamadas tarifas “recíprocas” sobre quase todos os parceiros comerciais dos EUA.
Fonte: O Globo