No evento conservador e de direita que reuniu Jair Bolsonaro, parlamentares e apoiadores do ex-presidente em Balneário Camboriú, em Santa Catarina, além do presidente da Argentina, Javier Milei, o ministro da Justiça e Segurança Pública de El Salvador, Gustavo Villatoro Nunes, foi recebido como estrela. A Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês) trouxe representantes de governos considerados importantes para a direita mundial, e a altamente controversa política de segurança do presidente salvadorenho, Nayib Bukele, colocou a pequena nação de 6 milhões de pessoas como referência desse setor político.
Villatoro subiu ao palco sob o coro de “Bukele, Bukele, Bukele” da plateia, que a CPAC diz ser constituída por cerca de 3 mil pessoas. O regime de exceção salvadorenho, baseado na dizimação das gangues que faziam do país um dos lugares mais violentos do planeta, reduziu a taxa de homicídios do país de 62 por 100 mil habitantes em 2020, a mais alta do planeta, para 2,3 homicídios por 100 mil habitantes em 2023.
“Como a Europa recuperou seu caminho após a II Guerra Mundial? Para dar segurança aos cidadãos, precisou de justiça, com os Tribunais de Nuremberg. Bukele fez o mesmo”, disse o ministro da Justiça e Segurança salvadorenho.
O custo do modelo
O governo, porém, é acusado de atropelar a democracia com prisões indiscriminadas, Judiciário enfaixado e oposição reprimida. Bukele proclamou estado de exceção — que já renovou 22 vezes — e autorizou a polícia a trancafiar qualquer suspeito de ligação com gangues. Quase nenhum preso foi julgado e, quando as audiências começarem — se começarem —, serão ações coletivas, com até 900 réus cada. Também construiu uma megaprisão, inaugurada em 2022, com capacidade para 40 mil presos.
“Os governos anteriores em El Salvador, tanto os que se diziam de direita quanto os que se diziam de esquerda, politizaram o Judiciário e fizeram um código penal fraco, que facilitou a vida das gangues. Por isso, mandamos ao caralho a Corte de Justiça e o procurador-geral da República, que nunca fizeram nada para que o país vivesse em paz”, declarou Villatorio.
ONGs e organizações internacionais já alertaram para a ausência do devido processo legal nos tribunais para acusar formalmente os réus e julgá-los de acordo com a lei. As organizações Human Rights Watch e a Anistia Internacional, por sua vez, denunciaram mortes, tortura e detenções arbitrárias durante o regime de exceção, que é sistematicamente prorrogado. Do total de detidos, quase 8 mil já foram libertados – milhares porque são inocentes.
O ministro da Segurança e Justiça, porém, acusou esses órgãos de fazerem parte de um complô da esquerda global contra o país.
“Recebemos ataques de globalistas, organizações internacionais, ONGs. Mas caiu a máscara, ficou claro que esses órgãos estão apaixonadas por criminosos, e não querem o bem do povo salvadorenho”, disse ele. “Ficaram martelando o dado de que 3% da população masculina está presa. Mas Bukele representa os outros 97%, que são pessoas de bem. Uma vez no poder, não vamos dar as costas aos 97%”, completou.
Villatorio também justificou que, das 81 mil capturas de “terroristas” desde 2021, segundo dados do governo, só houve “115 letalidades”.
Modelo Bukele
O sucesso no controle da criminalidade, ainda que a custo da democracia, fez de Bukele o presidente mais popular da América Latina, com quase 80% de aprovação. Por isso, outros governantes agora tentam emular seu modelo, ignorando as controvérsias.
A ministra da Segurança do governo Milei, Patricia Bullrich, fechou um pacto para implementar o “modelo Bukele” na Argentina. No Equador, tomado por gangues de narcotraficantes, o presidente Daniel Noboa declarou estado de exceção e anunciou a construção de duas megaprisões. Rafael López Aliaga, prefeito de Lima, mencionou um “plano Bukele” ao solicitar a presença do Exército nas ruas. Honduras planeja erguer uma prisão exclusiva para gângsteres. O Movimento Brasil Livre (MBL) mandou três integrantes para acompanhar a reeleição de Bukele, no início do ano, e redigiu um documento com medidas inspiradas por ele.
“Representamos a esperança para 660 milhões de latino-americanos. É o poder do exemplo. Não há um governo no mundo agora que possa dizer que não é possível combater o crime organizado, porque Bukele provou ser possível. Nossa experiência está como um livro aberto e já recebemos gente do Peru, Argentina, Panamá e Honduras para compartilhá-la”, afirmou Villatorio na CPAC.
Ele ressaltou que a ideia é garantir que as mudanças implementadas por Bukele em El Salvador sejam “irreversíveis”, e rechaçou a necessidade de reintegrar os milhares de presos na sociedade – sugerindo que ONGs usem aviões para retirá-los do país e levá-los para “qualquer outro lugar”.
“Não há reabilitação para assassinos em série. Vamos garantir que essas mudanças sejam irreversíveis e que esses assassinos não voltem nunca para a sociedade”, concluiu o ministro salvadorenho.
Fonte: VEJA
Foto: Amanda Péchy/VEJA