O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse que assinou um decreto concedendo um indulto individual ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), extinguindo a pena de prisão à qual foi condenado na quarta-feira pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O anúncio foi feito por Bolsonaro em uma transmissão em suas redes sociais na quinta-feira (21/4).
Por 10 votos a 1, Daniel Silveira foi condenado a oito anos e nove meses de prisão, multa, perda do mandato e suspensão dos seus direitos políticos pelos crimes de coação em processo judicial e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.
O que é a ‘graça‘ concedida por Bolsonaro?
O termo técnico do que Bolsonaro concedeu a Daniel Silveira é “graça” e está previsto no artigo 74 do Código Penal.
“A graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da Republica, a faculdade de concedê-la espontaneamente”, diz a lei.
Tecnicamente, a graça é diferente do indulto — a primeira é um benefício individual, enquanto o segundo é dado coletivamente, como no caso dos indultos natalinos, que são concedidos a diversas pessoas que se enquadram em determinados critérios.
Por que juristas questionam graça a Daniel Silveira?
O principal debate jurídico levantado pelo perdão oficial dado por Bolsonaro é sobre a validade do ato: tradicionalmente graças são dadas a casos que já foram transitados em julgado, ou seja, quando todas as possibilidades de recorrer são esgotadas em um processo. Esse não é o caso de Daniel Silveira agora. No entanto, juristas divergem sobre se esse critério é obrigatório ou não.
Para o jurista e desembargador aposentado Walter Maierovitch, o decreto anunciado pelo presidente poderia ser considerado tecnicamente nulo, uma vez que, do ponto de vista jurídico, o julgamento de Daniel Silveira ainda está em curso, pois ainda cabem recursos da decisão do plenário do STF.
“Esse ato é, tecnicamente, nulo. O julgamento ainda não acabou, pois ainda cabem recursos. Como é que ele pode extinguir a pena de uma pessoa que, do ponto de vista jurídico, ainda é inocente?”, afirma o jurista.
O professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Badaró também aponta para a possível nulidade do perdão concedido pelo presidente ao deputado. Na avaliação dele, a medida foi tomada de forma equivocada.
“É estranho o presidente da República publicar um decreto de indulto quando o processo não transitou em julgado. Me parece um equívoco brutal. Não porque ele não possa dar esse perdão, mas porque o processo ainda está tramitando”, afirmou.
Houve interferência indevida entre poderes?
É analisado também que o ato pode ser interpretado como uma interferência indevida do Poder Executivo sobre o funcionamento do Judiciário, o que configuraria um crime de responsabilidade.
Para o também professor de Direito da USP Pierpaollo Bottini, a decisão de Bolsonaro configura uma interferência indevida do Executivo no funcionamento do Poder Judiciário.
Ele afirma que ela poderia ser, inclusive, interpretada como um crime de responsabilidade, do tipo que poderia levar ao impeachment do presidente.
“Eu entendo que, na medida em que o julgamento ainda não acabou, estamos diante de uma clara interferência indevida do presidente no funcionamento do Poder Judiciário. É uma interferência indevida e, a meu ver, ilegal. Poderia, sim, ser vista como um crime de responsabilidade”, afirmou Bottini.
Bolsonaro estaria cometendo crime de responsabilidade?
A lei dos crimes de responsabilidade é de 1950. É ela que norteia, por exemplo, o processo de impeachment como o que aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016.
O artigo nº 6 da lei diz que são crimes quaisquer atos que atentarem contra o livre exercício dos Poderes Legislativo e Judiciário.
O jurista Gustavo Badaró também avalia que o indulto a Silveira possa ser interpretado como um crime de responsabilidade.
“É um crime de responsabilidade porque ele (Bolsonaro) está interferindo no funcionamento do Judiciário. É uma forma de dizer que, independentemente do que o Judiciário faça em relação a uma determinada pessoa, o Executivo não permitirá que ela seja punida”, explicou.
Os juristas afirmam que, apesar de o decreto extinguir a pena dada pelo STF a Silveira, muito provavelmente, vai caber ao próprio Supremo avaliar a legalidade da medida.
Isso porque a oposição deverá recorrer da decisão junto à Corte, como anunciou o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) em seu perfil no Twitter.
“Crimes contra a ordem constitucional não podem ser passíveis deste benefício […] e iremos ao STF, para derrubar esse desmando por meio uma ADPF!”, escreveu o senador. ADPF é a sigla para Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental.
Bottini explica que o indulto não será suficiente para acabar com a punição a Silveira.
“Muito provavelmente, vai caber ao STF fazer o controle constitucional dessa medida. Em outras palavras: se o STF for provocado, e tudo indica que isso vai acontecer, ele terá que julgar se o indulto de Bolsonaro foi constitucional ou não”, diz o jurista.
A avaliação da constitucionalidade de um indulto já aconteceu na história recente do país quando o STF, em 2018, julgou o decreto assinado pelo então presidente Michel Temer (MDB) que havia reduzido as penas para condenados por crimes não violentos.
À época, a medida foi interpretada como uma forma de beneficiar pessoas presas por crimes de corrupção e colarinho branco. Em novembro daquele ano, o STF formou maioria para manter o indulto.
Silveira está inelegível?
Após a decisão do STF, o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Henrique Neves avaliou que, por conta da condenação, Daniel Silveira está automaticamente inelegível e, em tese, não poderá disputar as eleições deste ano, na qual ele pretendia concorrer ao cargo de senador pelo Rio de Janeiro amparado pela base bolsonarista que o elegeu em 2018.
“A inelegibilidade decorrente da condenação criminal nasce com a publicação do acórdão (decisão) condenatório, independente de recurso. Ela só será suspensa se o condenado conseguir uma liminar para conceder efeito suspensivo”, explicou.
O advogado Raul Abramo, especialista em direito penal, diz que ainda Silveira ainda não será preso e nem perderá o mandato porque, apesar da condenação, sua defesa ainda pode impetrar recursos junto ao STF.
“A defesa pode recorrer e por isso ele não deverá ser preso, ainda. O mais provável é que a defesa ingresse com embargos de declaração, que é um recurso quando se entende que há algum ponto da decisão que não ficou claro ou quando a defesa acha que os ministros deixaram de prestar atenção a algum ponto relevante”, diz o advogado.
Raul afirma que, se houver recursos e a condenação for mantida, o STF deverá comunicar a decisão à Câmara dos Deputados para que seja efetivada a perda do mandato. Da mesma forma, após o fim dessa fase, Daniel Silveira deverá ser recolhido a uma unidade prisional onde vai iniciar o cumprimento de sua pena.
Da BBC Brasil, com apuração de Leandro Prazeres