Como a desinformação e as fake news podem ameaçar a democracia e os direitos humanos? A resposta pode estar em uma correlação de fatos da realidade e de distopias já retratadas na ficção. Esse é o tema de pesquisas que vêm sendo desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos (PPGD), da Universidade Tiradentes (Unit), pela pesquisadora Carolina Silva Porto. Ela é autora de uma dissertação de mestrado que estudou as campanhas de desinformação promovidas por grupos militantes e por algumas autoridades durante a pandemia de covid-19, entre 2020 e 2022.
A pesquisa fala sobre a disseminação de fake news pela internet e pelas redes sociais, um fenômeno que a Organização Mundial da Saúde chama de infodemia. E mostra as conexões existentes entre a conjuntura atual e três obras literárias que descrevem países e sociedades controladas por ditaduras distópicas, em meio a gravíssimas crises ambientais e socioeconômicas: os livros 1984, do britânico George Orwell (1903-1950); Nós, do russo Evgueny Zamiatin (1884-1937); e Não verás país nenhum, do brasileiro Ignácio de Loyola Brandão.
De acordo com Carolina, a pesquisa do mestrado foi uma mistura de identificação pessoal com a observação da relevância e da necessidade de discussão sobre o tema. “Entrei no mestrado durante a pandemia e não pude deixar de notar como a desinformação difundida em um período tão difícil se assemelhava tanto à realidade dos livros distópicos. Sou uma grande entusiasta da abordagem do direito e literatura, então foi um prazer imenso juntar essas duas áreas”, afirma ela, acrescentando que a dissertação trabalhou “com a visão de que as distopias servem como um alerta de perigo para o que a sociedade pode se tornar, caso não haja um freio nas violências cometidas pelo Estado para com sua população”.
Ela destaca também que a desinformação e as fake news surgem como ameaça crescente para a democracia e os direitos humanos, minando a confiança nas instituições, distorcendo a percepção da realidade e prejudicando a participação cívica informada. “Investigar esse fenômeno complexo me permite explorar como as narrativas manipuladas afetam a tomada de decisões políticas, a inclusão social e a coesão democrática. Ao compreender melhor as origens, os mecanismos e os impactos da desinformação, posso contribuir para o desenvolvimento de estratégias eficazes de combate à propagação de informações falsas e para a promoção de uma esfera pública mais saudável e democrática”, sugere.
A dissertação está sendo ampliada em uma tese de doutorado que está em andamento no PPGD/Unit, com previsão de defesa para agosto de 2026. O estudo segue a linha da relação entre literacia digital e direitos humanos. “Na tese, trabalho com perspectivas para solução dos problemas gerados pela desinformação em redes sociais. Ainda permaneço na linha de pesquisa sobre direitos humanos, novas tecnologias e desenvolvimento sustentável, e busco desenvolver uma pesquisa que envolve o reconhecimento da literacia digital como um direito humano fundamental na efetivação de outros direitos”, detalha Carolina. Tanto a tese quanto a dissertação são orientadas pela professora Clara Cardoso Machado Jaborandy, do PPGD/Unit.
Interferências do Estado
Carolina Porto começou a trabalhar com a pesquisa científica ainda no curso de graduação em Direito, realizado também na Unit. Ela atuou em um projeto de iniciação científica coordenado pela professora Rita de Cássia Barros de Menezes, que analisou a atuação do Poder Judiciário brasileiro em relação a questões sobre formações familiares, como adoção por casais do mesmo gênero, união estável homoafetiva, através de decisões jurisprudenciais tomadas pelos Tribunais Superiores entre os anos de 2012 e 2017.
O objetivo, segundo ela, foi analisar até que ponto a intervenção do Estado na vida do indivíduo deixa de atender aos fins de proteção e passa a ser uma violação aos direitos constitucionais fundamentais de intimidade e privacidade. “A intervenção do Estado na vida do indivíduo deve ser equilibrada, protegendo direitos constitucionais fundamentais, como a intimidade e a privacidade. Quando essa intervenção excede limites razoáveis, viola esses direitos, podendo ocorrer em casos de vigilância excessiva, coleta indiscriminada de dados pessoais ou restrições desproporcionais à liberdade individual. O equilíbrio entre proteção e intervenção é fundamental para preservar os direitos individuais dentro de um Estado de Direito democrático”, diz Carolina.
A doutoranda destaca que sua participação em pesquisas ainda durante a graduação foi “uma oportunidade gigantesca” e lhe abriu o caminho da docência e da academia. “A iniciação científica foi essencial para o meu desenvolvimento como pesquisadora de direitos humanos. Através dela, tive a oportunidade de aprofundar meu conhecimento teórico, aprimorar minhas habilidades metodológicas e contribuir de algum modo para a pesquisa que minha orientadora da época realizou em sua tese de doutorado. Além disso, a iniciação científica me permitiu estabelecer redes de colaboração com outros acadêmicos e profissionais do campo, ampliando o meu horizonte como pesquisadora”, completa.
Fonte: Asscom Unit