O ex-presidente Jair Bolsonaro foi citado diretamente pela primeira vez no suposto esquema de venda de joias dadas por delegações estrangeiras, investigado pela Polícia Federal. A corporação busca indícios concretos que comprovem o envolvimento do ex-presidente da República na negociação ilegal de presentes oficiais, que pertenciam ao acervo da União.
Ele a a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro tiveram os sigilos bancário e fiscal quebrados a mando do ministro Alexandre de Moraes no âmbito da operação da PF Lucas 12:2. Isso porque, segundo a PF, os itens dados por outras nações em viagens oficiais foram omitidos do acervo público e vendidos para enriquecer o ex-presidente.
Mesmo que sejam presentes, por lei, esses objetos dados por delegações estrangeiras em viagens oficiais devem ser incorporados ao acervo da Presidência da República. Ou seja, são bens públicos e pertencentes à União, e quem os recebeu não tem direito de posse sobre eles. A exceção se dá apenas a itens considerados “personalíssimos”, como roupas, perfumes e alimentos.
Porém, os objetos que originaram as investigações da PF são itens que não cabem na exceção:
– Kit de joias da marca suíça Chopard,
– Dois relógios (um da marca suíça Rolex, acompanhado por joias, e outro da marca suíça Patek Philippe);
– Duas esculturas douradas folheadas a ouro.
Os investigadores não descartam que mais peças tenham sido apropriadas indevidamente por Bolsonaro.
Ao Valor, o advogado criminalista Gustavo Badaró, professor de Direito Processual Penal da Universidade de São Paulo (USP), explicou sob quais circunstâncias Bolsonaro poderia, efetivamente, ser preso por causa da venda das joias.
De maneira geral e resumida, há duas formas de alguém ser preso no contexto criminal. A primeira e mais comum é quando o réu foi denunciado, julgado e condenado a pena privativa de liberdade em regime fechado ou semiaberto. Enquanto isso, a segunda é a prisão cautelar, exercida diante de risco às investigações ou ameaça à vida de alguém, por exemplo.
O especialista em direito criminal não vê, porém, grandes possibilidades de Bolsonaro ser preso preventivamente. “Não há risco de prisão preventiva, porque ela não é uma antecipação da punição. Só terá [a medida] se houver indícios de que ele vai fugir, por exemplo. Senão, isso é só especulação”, argumenta Badaró.
Já sobre a investigação em si, Badaró acredita que Bolsonaro possa ser denunciado por dois crimes, dependendo das provas coletadas pela PF: peculato e lavagem de dinheiro.
No peculato, um funcionário público se apropria de bens de valor, ou dá a elas outro destino senão o acervo da União. Neste ponto, pouco interessa se Bolsonaro recebeu dinheiro pela negociação das joias — basta que ele tivesse anuência sobre o desvio dos bens.
Agora, se além de ter ciência do desvio dos bens, Bolsonaro também usou de alguma estratégia para lavar o dinheiro da venda e obter lucro para si mesmo, o ex-presidente deve ser denunciado por lavagem de dinheiro.
“É necessário verificar o que foi feito com o dinheiro, porque é ilícito. Se usou alguma estratégia para ocultar a origem desse dinheiro ou se se só gastou – o que não implica o crime de lavagem”, diz Badaró.
Por quantos anos Bolsonaro ficaria preso?
Pelo crime de peculato, a pena varia entre dois e 12 anos de prisão. Porém, o professor explica que a defesa de Bolsonaro poderia alegar arrependimento posterior, já que ele comprou o relógio de volta e devolveu na tentativa de reparar o dano. Neste caso, a pena pode ser reduzida em até dois terços do total. Lavagem de dinheiro, porém, tem pena mínima de três anos de prisão.
Para que Bolsonaro cumpra sua pena em regime inicial fechado, é preciso que sua pena total seja superior a oito anos.
Badaró, porém, diz que é cedo para discutir quanto tempo — e se — Bolsonaro ficará preso. Ele defende que é preciso um crime “bem provado e caracterizado”.
Este, porém, não é o único imbróglio que Bolsonaro enfrenta na Justiça que pode o levar à prisão. No âmbito da Operação Constituição Cidadã, que tem o objetivo de esclarecer o suposto uso da máquina pública para interferir no processo eleitoral no segundo turno da corrida presidencial em 2022, o ex-presidente pode responder por prevaricação e crimes eleitorais.
A investigação apura quando blitze ilegais bloquearam rodovias e atrasaram eleitores em cidades principalmente localizadas no Nordeste, região em que o petista Luiz Inácio Lula da Silva tem vantagem sobre Bolsonaro. O objetivo era dificultar o voto dos eleitores do rival.
Neste caso, o ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques foi preso e outros sete policiais que integravam a cúpula da Polícia Rodoviária Federal do governo Bolsonaro são investigados. Ainda não há comprovação de um suposto envolvimento do ex-presidente na ação.
Fonte: Valor Econômico