O Senado aprovou nesta terça-feira (2), com 50 votos favoráveis e 24 contrários, um projeto que altera a lei da Ficha Limpa e muda a contagem do tempo em que uma pessoa fica proibida de se candidatar às eleições, a chamada inelegibilidade.
Esse prazo é de oito anos, mas o momento em que é aplicado vai variar de acordo com o tipo de crime cometido – e a alteração pode reduzir este prazo em alguns casos.
O texto seguirá para sanção do presidente Lula (PT). A proposta aguardava há um ano votação em plenário. Chegou a ser pautada pelo menos cinco vezes neste período, mas somente nesta terça houve consenso para aprovação.
Na prática, a matéria reduz o tempo de punição para políticos cassados. Isso valerá para parlamentares (deputados, senadores, vereadores), governadores, prefeitos e seus vices. A mudança é que o prazo de oito anos começará a contar a partir do momento da cassação e não depois do fim do mandato para o qual o político foi eleito e deveria cumprir.
O presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), deixou momentaneamente a presidência da sessão para votar a favor da medida.
“Eu faço questão dessa modernização, dessa atualização da legislação da lei da ficha limpa para dar o espírito do legislador quando da votação da lei. A inelegibilidade, ela não pode ser eterna. Está no texto da lei oito anos, não pode ser nove nem vinte. O meu voto é sim”, declarou.
Sem efeitos para Bolsonaro
O projeto não altera a condição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível até 2030 por abuso de poder político. Isso porque, neste caso específico, o texto mantém válida a regra atual.
Pela proposta, a pessoa condenada por abuso do poder econômico ou político, não poderá disputar eleições por oito anos, que serão contados a partir da data da eleição na qual ela cometeu o crime.
Apesar de mexer na redação, o texto não muda a jurisprudência já aplicada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), segundo juristas especialistas em direito eleitoral consultados pelo g1. É o que diz uma súmula da Corte Eleitoral, que define que o período conta a partir do dia da eleição e termina no “dia de igual número no oitavo ano seguinte”.
Exemplo: o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado, em 2023, à inelegibilidade por abuso de poder político. Ele ficará impedido de disputar eleições por oito anos, a partir da data da eleição pela qual concorreu (2 de outubro de 2022).
Tanto pela regra atual do TSE quanto pela proposta aprovada, Bolsonaro voltaria a estar elegível em 2 de outubro de 2030. Isso significa que, em 2030, ele estará apto a disputar a eleição por dias — a disputa ocorrerá em 6 de outubro.
“O espírito da Lei da Ficha Limpa é que quem foi punido com inelegibilidade fique por duas eleições fora do pleito. Com esta lei que nós estamos aprovando agora, ninguém, por crime eleitoral, ficará mais por duas eleições fora do pleito, o que eu entendo que é uma anomalia”, criticou o senador Marcelo Castro (MDB-PI).
A proposta conserva a norma aplicada hoje para crimes hediondos, lavagem de dinheiro, aqueles praticados por organização criminosa e outros. Para estes delitos, o condenado na Justiça fica inelegível desde a sentença até oito anos após o cumprimento de toda a pena imposta. Esta foi uma demanda do senador Sérgio Moro (União-PR) ao relator, Weverton Rocha (PDT-MA), que inicialmente propôs alterar a lei, mas depois acatou a sugestão.
Bolsonaro e outros sete réus foram acusados de cometer organização criminosa armada e serão julgados em setembro, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por tentativa de golpe de Estado. Desta forma, o ex-presidente pode acumular um segundo processo de inelegibilidade. O projeto, portanto, não tem poder de influenciar nenhuma das duas situações.
Contagem
Hoje, por exemplo, se um deputado é cassado no seu primeiro ano de atuação, ele fica inelegível por 11 anos – três anos restantes do mandato somados a oito anos do prazo de inelegibilidade.
Exemplo: em 2005, a Câmara dos Deputados cassou o mandato do então deputado José Dirceu (PT-SP) por quebra de decoro parlamentar.
Com a decisão, ele – que havia sido eleito em 2002 para um mandato na Casa – acabou ficando inelegível até o fim do seu mandato em fevereiro de 2007 e pelos oito anos seguintes até 2015.
Prazos diferentes
A proposta estabelece que, para certos tipos de crimes, o prazo de oito anos começará a valer a partir da condenação de um órgão colegiado da Justiça. Isso, na prática, reduz o tempo de inelegibilidade nos seguintes casos:
- contra a economia popular, a fé pública e o patrimônio público;
- contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;
- contra o meio ambiente e a saúde pública;
- eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade; e
- de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública.
Segundo o texto, as mudanças promovidas pelo projeto serão aplicadas imediatamente — tanto para condenações passadas quanto para futuras. A medida, se virar lei, pode impactar diversos casos já decididos e com contagem de inelegibilidade em andamento.
O projeto também prevê mecanismo para impedir que políticos acumulem impedimentos enquanto já estiverem cumprindo um período de inelegibilidade. Para isso, define que o prazo deverá ser unificado para chegar a um limite de até 12 anos inelegíveis.
Para outras situações, os senadores mantiveram a lei como está hoje – quem for condenado por órgão colegiado ou em decisão definitiva, sem possibilidade de mais recursos, fica impedido de se candidatar do momento da condenação até oito anos após cumprir toda a pena. Isso seguirá valendo para:
- crimes contra a administração pública;
- lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, direitos e valores;
- tráfico de entorpecentes e drogas, racismo, tortura, terrorismo e crimes hediondos;
- crimes de redução à condição análoga à de escravo;
- contra a vida e a dignidade sexual;
- praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando.
Fonte: G1