O ex-juiz federal Sergio Moro anunciou, nesta quarta-feira (10), sua filiação ao Podemos – antigo Partido Trabalhista Nacional (PTN) – e fez um discurso em tom de candidato à Presidência da República durante cerimônia realizada no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília.
O evento marcou o primeiro passo da vida partidária do ex-magistrado e ocorreu 565 dias após o rompimento com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a saída do Ministério da Justiça, em meio a acusações de que o mandatário tentava interferir politicamente na Polícia Federal.
“Não tenho uma carreira política e não sou treinado em discursos políticos. Alguns até dizem que não sou eloquente, e muita gente critica a minha voz. Mas, se eventualmente eu não sou a melhor pessoa para discursar, posso assegurar que sou alguém em que vocês podem confiar”, disse no início do discurso.
Ao longo de cerca de 50 minutos, Moro defendeu o legado da operação Lava Jato, enalteceu a bandeira do combate à corrupção no país – seu principal elo com o eleitorado e assunto mais abordado no discurso –, criticou as gestões petistas e bolsonarista e compartilhou ideias para o País. O evento contou com a participação de cerca de 700 pessoas.
“Precisamos falar sobre corrupção. Muitos me aconselharam a não falar sobre o assunto, mas isso é impossível. Combater a corrupção não é um projeto de vingança ou de punição. É um projeto de justiça na forma da lei. É impedir que as estruturas de poder sejam capturadas e dessa forma viabilizar as reformas necessárias para melhorar a vida das pessoas”, disse.
“É um projeto para termos um governo de leis que age em benefício de todos e não apenas de alguns. Chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha. Chega de querer levar vantagem em tudo e enganar a população”, continuou.
Durante o discurso, Sergio Moro buscou não apenas criticar a administração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quem condenou à prisão nos casos da Lava Jato pela 13ª Vara Federal de Curitiba (PR) e pode enfrentar nas eleições de 2022, mas também o próprio presidente Jair Bolsonaro, cujo governo serviu como Ministro da Justiça até abril de 2020.
“Em 2018, recebi um convite do presidente eleito para ser ministro da Justiça. Como todo bom brasileiro, eu tinha esperança por dias melhores. Como todo brasileiro, eu pensava no que nós havíamos presenciado nos últimos anos: os grandes casos de corrupção sendo revelados, dia após dia, os pixulecos, as contas na Suíça, milhões de reais ou dólares roubados”, afirmou.
“A Petrobras, nosso orgulho, foi saqueada dia e noite por interesses políticos, como nunca antes na história desse país. Apartamentos forrados de dinheiro roubado em espécie e uma persistente recessão, provocada pelos mesmos governos que permitiram tudo isso, com as pessoas comuns desempregadas e empobrecendo”, disse.
“Era um momento que exigia mudança. Eu, como juiz da Lava Jato, me sentia no dever de ajudar. Havia pelo menos uma chance de dar certo e eu não poderia me omitir. Aceitei o convite e ingressei no governo. Meu objetivo era melhorar a vida das pessoas por meio de um trabalho técnico, principalmente reduzindo a corrupção e outros crimes”, pontuou.
“O meu desejo era de continuar atuando como ministro em favor dos brasileiros. Infelizmente, não pude prosseguir no governo. Quando aceitei o cargo, não fiz por poder ou prestígio. Eu acreditava em uma missão. Queria combater a corrupção, mas, para isso, eu precisava do apoio do governo e esse apoio foi negado. Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria uma farsa”, complementou.
Sergio Moro é um dos nomes especulados na congestionada “terceira via” para a corrida presidencial. Seu nome é hoje considerado um dos mais competitivos, com cerca de 9% das intenções de voto nas simulações de primeiro turno apresentadas pelas pesquisas. Mas o espaço é estreito, já que os levantamentos mostram que Lula e Bolsonaro concentram mais de 2/3 do eleitorado.
“Após um ano morando fora, eu resolvi voltar. Não podia ficar quieto, sem falar o que penso, sem pelo menos tentar mais uma vez, com você, ajudar o país. Então resolvi fazer do jeito que me restava: entrando para a política, corrigindo isso de dentro para fora”, disse.
“Se necessário, eu lutaria sozinho pelo Brasil e pela Justiça. Seria Davi contra Golias. Mas, ao ver esse auditório, tenho certeza que não estou sozinho. Tenho essa mesma certeza quando eu encontro as pessoas nas ruas, nos mercados, nas escolas, em qualquer lugar, e elas estão com um sorriso no rosto, me cumprimentam ou elogiam pelo trabalho que foi feito na Lava Jato ou no Ministério da Justiça. Então, voltei ao Brasil para ajudar a construir um projeto que é de muitos”, afirmou em tom de candidato.
Frequentemente cobrado para apresentar posicionamentos econômicos mais claros, Moro defendeu o livre mercado e a livre iniciativa, ressaltou a importância da responsabilidade fiscal e o respeito ao teto de gastos e disse que é necessário privatizar “estatais deficientes”. Em outro sentido, o ex-juiz também defendeu a criação de uma força-tarefa permanente e independente focada na erradicação da pobreza – nas suas palavras, o maior desafio desta geração.
“Todo cidadão tem o potencial de se tornar uma versão melhor de si mesmo. Essa é minha crença fundamental, que cada indivíduo tem sua própria dignidade e tem a capacidade de se aprimorar continuamente. Por acreditarmos no potencial de cada um, defendemos o livre mercado, a livre empresa e a livre iniciativa. Tudo isso, sem que o governo tenha que interferir em todos os aspectos da vida das pessoas. Precisamos reformar nosso sistema confuso de impostos. Há quanto tempo falamos em fazer uma reforma tributária e isso nunca é feito? Precisamos privatizar estatais deficientes. Precisamos abrir e modernizar nossa economia buscando mercados externos. O tempo é de inovação e não podemos ficar para trás neste mundo cada vez mais dinâmico e competitivo”, disse.
“Mas neste país em que compartilhamos nosso senso de comunidade impede que adotemos um capitalismo cego, sem solidariedade ou compaixão. Nosso senso de justiça, os nossos valores cristãos – e que são compartilhados pelas outras religiões – exigem que as grandes desigualdades econômicas sejam superadas. Uma das prioridades do nosso projeto será erradicar a pobreza, acabar de vez com a miséria”, pontuou.
“Muita gente pensa que isso é impossível, como diziam que era impossível combater a corrupção. Não é e nem precisa destruir o teto de gastos ou a responsabilidade fiscal para fazê-lo. Nós podemos erradicar a pobreza, e esse é o maior desafio da nossa geração”, continuou.
Moro reconheceu a relevância de programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o Auxílio Brasil – que o governo federal tenta tirar do papel ainda neste ano – e defendeu um olhar focado sobre a necessidade de cada família, mas criticou a forma como as iniciativas têm sido tomadas pela atual administração.
“Ao olharmos para as reformas que estão sendo aprovadas, o que a gente percebe é que ninguém está pensando nas pessoas. Mesmo quando se quer uma coisa boa, como esse aumento do Auxílio-Brasil ou do Bolsa-Família, que são importantes para combater a pobreza, vem alguma coisa ruim junto, como o calote de dívidas, o furo no teto de gastos e o aumento de recursos para outras coisas que não são prioridades”, afirmou.
“Quando o governo resolve vender uma empresa estatal como a Eletrobras, aprova junto uma série de jabutis, coisas que ninguém entende direito, mas que na prática todo mundo sabe que significa que a conta de luz vai ficar mais cara para alguém ganhar mais dinheiro. E aí o governo gasta mais do que pode e lá vem mais inflação e mais juros. E assim o País não cresce e não se vê emprego. E, com tudo isso, as pessoas passam a acreditar que não há governo, que não há futuro, que estamos sozinhos e que tudo é inútil”, disse.
Durante o discurso, Moro também destacou o desempenho ruim da economia, com inflação elevada, juros crescendo e desemprego em alta, a despeito do cenário mais benigno da epidemia do novo coronavírus no país.
“Há brasileiros passando fome. Isso dói em todos nós. A inflação está muito alta: os técnicos falam em um número, mas quem vai no posto de gasolina ou na mercearia sabe que é muito mais. Os juros subiram, dificultando ainda mais a vida do empresário, do agricultor ou das pessoas comuns. E os juros ainda vão subir neste governo e isso vai tornar a vida das pessoas ainda mais difícil. Não falo por ser pessimista, mas porque o país está indo para o rumo errado”, disse.
Novos ares
O Podemos, novo partido de Sergio Moro, conta com uma bancada de 10 deputados federais (15ª na Câmara dos Deputados) e 9 senadores (terceira no Senado Federal). Nas últimas eleições municipais, a legenda aumentou de 30 para 102 seu número de prefeitos, um dos maiores saltos no pleito, mas ainda ocupa a 14ª posição na lista dos partidos que comandam mais prefeituras.
De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Podemos recebe R$ 2,90 milhões por mês do fundo partidário em 2021, totalizando R$ 34,83 milhões no ano, o equivalente a 3,89% do bolo todo. Isso faz do partido o 12º em dotação de recursos do fundo, com apenas 1/3 do que recebe o primeiro da lista – PSL, com cerca de R$ 104,56 milhões anuais.
O valor do fundo eleitoral ainda não está definido para o próximo pleito, mas, considerando o montante distribuído entre as legendas nas últimas eleições municipais, o Podemos teria direito a R$ 77.968.130,80 – 38,73% dos valores recebidos pelo PT (R$ 201.297.516,62).
Veja a íntegra do discurso de Moro:
“Bom dia.
Quero agradecer a todos vocês que vieram, gentilmente, de longe ou de perto, para prestigiar este evento. Aos filiados do Podemos, aos filiados de outros partidos políticos, senadores, deputados, prefeitos, vereadores, servidores públicos e cidadãos em geral. Agradeço também aos empresários e trabalhadores aqui presentes. Sei que muita gente veio de lugares distantes e com sacrifícios.
Eu confesso que estou um pouco ansioso quanto a falar hoje neste palco. Não tenho uma carreira política e não sou treinado em discursos. Alguns até dizem que não sou eloquente e não gostam da minha voz…
Mas, se eventualmente eu não sou a melhor pessoa para discursar, posso assegurar que sou alguém em que vocês podem confiar. A vida pública me testou mais de uma vez, como juiz da Lava Jato e como ministro da Justiça. Vocês conhecem a minha história e sabem que tomei decisões difíceis e que nunca recuei do desafio, nem repudiei meus princípios para alimentar ambições pessoais. Por isso, peço atenção às minhas palavras, muito além da minha voz. O Brasil não precisa de líderes que tenham voz bonita. O Brasil precisa de líderes que ouçam e atendam a voz do povo brasileiro.
Quero contar para vocês um pouco sobre minha história. Eu nunca fui um político. Fui juiz por 22 anos e me dediquei a fazer justiça aplicando a lei. Meu propósito sempre foi ser justo com todos. Julguei casos de pessoas necessitadas, que procuravam a Justiça por amparo assistencial.
Depois, na área criminal, julguei processos de grandes traficantes de drogas, de ladrões de banco e de pessoas que pagaram ou receberam suborno. Tudo para proteger as pessoas, as vítimas e o povo brasileiro.
Fui juiz dos casos da operação Lava Jato em Curitiba. Foi um momento histórico: quebramos a impunidade da grande corrupção de uma forma e com números sem precedentes. Julgamos e condenamos pessoas poderosas do mundo dos negócios e da política que, pela primeira vez, pagaram por seus crimes.
Mais de R$ 4 bilhões foram recuperados dos criminosos e tem uns R$ 10 bilhões previstos ainda para serem devolvidos. Isso nunca aconteceu antes no Brasil.
Eu sempre fui considerado um juiz firme e fiz justiça na forma da Lei. Na época, todos diziam que era impossível fazer isso, mas nós fizemos. Claro, com grande apoio da população brasileira. Juntos, eu, você, nós, mostramos que a Lei se aplica a todos.
Em 2018, recebi um convite do presidente eleito para ser ministro da Justiça. Como todo bom brasileiro, eu tinha, em 2018, esperança por dias melhores. Como todo brasileiro, eu pensava no que havíamos presenciado nos últimos anos: os grandes casos de corrupção sendo revelados dia após dia, os pixulecos, as contas na suíça e milhões de reais ou dólares roubados.
A Petrobrás foi saqueada, dia e noite, por interesses políticos, como ‘nunca antes na história deste País’. Apartamentos forrados de dinheiro roubado em espécie, e uma persistente recessão provocada pelos mesmos governos que permitiram tudo isso, com as pessoas comuns desempregadas e empobrecendo.
Era um momento que exigia mudança. Eu, como juiz da Lava Jato me sentia no dever de ajudar. Havia pelo menos uma chance de dar certo e eu não podia me omitir: aceitei o convite e ingressei no governo. O meu objetivo era melhorar a vida das pessoas por meio de um trabalho técnico, principalmente, reduzindo a corrupção e outros crimes.
Conseguimos de fato, em 2019, diminuir a criminalidade violenta e enfrentamos para valer o crime organizado. Cerca de dez mil vidas brasileiras deixaram de ser ceifadas pelo crime neste meu primeiro ano como ministro da Justiça.
Combatemos, com afinco, o crime organizado. Isolamos, por exemplo, em presídios federais as lideranças das gangues mais perigosas do país. Ninguém combateu o crime organizado de forma mais vigorosa do que o ministério da Justiça na nossa gestão. Até quem não gosta de mim reconhece isso. Disseram que reduzir crimes no Brasil e combater o crime organizado era impossível, mas isso foi feito.
O meu desejo era continuar atuando, como ministro, em favor dos brasileiros. Infelizmente, não pude prosseguir no governo. Quando aceitei o cargo, não o fiz por poder ou prestígio. Eu acreditava em uma missão. Queria combater a corrupção, mas, para isso, eu precisava do apoio do governo e esse apoio me foi negado.
Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa. Nunca renunciarei aos meus princípios e ao compromisso com o povo brasileiro. Nenhum cargo vale a sua alma.
Depois que saí do governo, precisei, então, como a maioria do povo brasileiro, buscar um emprego a fim de ganhar a vida. Eu precisava trabalhar, nunca enriqueci sendo juiz ou ministro. Tenho família para cuidar.
Recebi um convite para trabalhar no exterior e aceitei. Eu acreditei que ficar longe por um tempo me ajudaria a refletir melhor sobre o Brasil. Estava cuidando de minha vida privada, distante dos olhos do público e da imprensa. Mas via com extrema preocupação o desdobrar dos fatos desde a minha saída do governo. Mesmo fora do País, nunca deixei o Brasil longe de meu coração.
Estamos no final de uma pandemia que afligiu o mundo e só no Brasil deixou mais de 600 mil vítimas. Vi consternado o crescer do número de vítimas e a desolação das famílias. Não há um brasileiro ou brasileira que não tenha perdido alguma pessoa querida, um parente ou um amigo.
Não há um verdadeiro brasileiro ou brasileira que não tenha se emocionado com essas perdas. Registro meu pesar por todas as vítimas e por aqueles que sofreram com a perda delas. Aproveito para endereçar minhas homenagens aos médicos, enfermeiros e cientistas, que foram os verdadeiros heróis. Muitos colocaram a sua vida em risco para salvar a de outros. Eles também mostraram o valor da ciência e do nosso sistema único de saúde.
Junto com a pandemia, vimos com tristeza outros flagelos. Escolas sem aulas por falta de estrutura. Empregos e negócios sendo perdidos. Mercados, padarias e restaurantes de portas fechadas. A pobreza e a fome sendo espalhadas. Pais e mães com dificuldades para cuidar de seus filhos. O jovem e o idoso, esperançosos por conseguir um trabalho, encontrando ao revés o desemprego.
Como se não bastasse, mesmo com o fim próximo da pandemia, a economia não vai bem. As pessoas ainda estão sofrendo. Há brasileiros passando fome. Isso dói em todos nós. A inflação está muito alta: os técnicos falam em um número, mas quem vai no posto de gasolina ou na mercearia sabe que é muito mais.
Os juros subiram, dificultando ainda mais a vida do empresário, do agricultor ou das pessoas comuns. E os juros ainda vão subir neste governo e isso vai tornar a vida das pessoas ainda mais difícil. Não falo por ser pessimista, mas porque o país está indo para o rumo errado. Como exemplo, é só olhar o número elevado de pessoas desempregadas e há quanto tempo as coisas estão assim. Desde a época do governo do PT, o desemprego começou a crescer e não parou mais: Atualmente são 14 milhões de desempregados, sem contar aqueles que já desistiram de procurar empregos… e sem perspectivas de melhorar.
Ao mesmo tempo, os avanços no combate à corrupção perderam a força. Foram aprovadas medidas que dificultam o trabalho da polícia, de juízes e de procuradores. É um engano dizer que acabou a corrupção quando na verdade enfraqueceram as ferramentas para combatê-la.
Quase todo dia ouvimos notícias de criminosos sendo soltos, normalmente com base em formalismos ou argumentos que simplesmente não conseguimos entender. O que no fundo a gente entende é que criminosos poderosos estão escapando impunes de seus crimes e que a Lei não está valendo para todos.
Fica aquela sensação amarga de que não existe lei, de que não existe Justiça. Como se a Petrobrás não tivesse sido saqueada, como se tudo o que foi feito não tivesse valido e como se não tivessem importância as manifestações de milhões de brasileiros contra a corrupção em 2015 e 2016.
Desde que me entendo por gente, ouço as pessoas falarem que o Brasil é um País injusto. Que precisamos fazer reformas, mexer nas leis para que o país melhore, para que as coisas comecem a funcionar, para que as pessoas tenham escolas decentes para seus filhos e hospitais que resolvam seus problemas.
Para que a estrada cheia de buracos seja asfaltada, para que as pessoas possam andar com segurança na rua. Mas as reformas nunca chegam ou quando chegam são malfeitas. E o Brasil fica sendo esse País do futuro e nós nos perguntamos: quando vai chegar o futuro do País do futuro?
E, ao olharmos para as reformas que estão sendo aprovadas, o que a gente percebe é que ninguém está pensando nas pessoas. Mesmo quando se quer uma coisa boa, como esse aumento do Auxílio-Brasil ou do Bolsa-Família, que são importantes para combater a pobreza, vem alguma coisa ruim junto, como o calote de dívidas, o furo no teto de gastos e o aumento de recursos para outras coisas que não são prioridades.
Quando o governo resolve vender uma empresa estatal como a Eletrobrás, aprova junto uma série de jabutis, coisas que ninguém entende direito, mas que na prática todo mundo sabe que significa que a conta de luz vai ficar mais cara para alguém ganhar mais dinheiro. E aí o governo gasta mais do que pode e lá vem mais inflação e mais juros. E assim o País não cresce e não se vê emprego. E, com tudo isso, as pessoas passam a acreditar que não há governo, que não há futuro, que estamos sozinhos e que tudo é inútil.
Meu amigo e minha amiga, todas essas coisas estão relacionadas: se o Brasil está parado e não vai adiante, não é porque não sabemos o que precisamos fazer. Ninguém tem dúvida de que precisamos melhorar a vida das pessoas. Todo mundo também sabe que quem desvia dinheiro público tem que ser punido e não premiado.
Todo mundo sabe que o dinheiro desviado é o hospital e a escola sucateadas. O problema é que não conseguimos fazer o que sabemos que precisamos fazer, porque as estruturas do poder foram capturadas. Elas passaram a servir a si mesmas e já não servem ao povo.
Parte disso é corrupção, como a que vimos e nos assustou na Lava Jato. Mas outra parte é a degeneração maior da vida política: a busca do interesse público foi substituída pela busca egoísta dos interesses próprios e dos interesses pessoais e partidários. É a máquina pública voltada para si mesma. Isso explica por que o Brasil continua sem futuro, com o povo brasileiro sem justiça, sem emprego e sem comida.
Eu sonhava que o sistema político iria se corrigir após a Lava Jato. Que a corrupção passaria a ser coisa do passado e que o interesse da população seria colocado em primeiro lugar. Isso não aconteceu, infelizmente. E embora tenha muita gente boa na política, nós não vemos grandes avanços.
Após um ano morando fora, eu resolvi voltar. Não podia ficar quieto, sem falar o que penso, sem pelo menos tentar mais uma vez, com você, ajudar o país. Então resolvi fazer do jeito que me restava: entrando para a política, corrigindo isso de dentro para fora.
A gota d’água para mim foi encontrar um estudante brasileiro no exterior que me perguntou “Moro, é verdade que você abandonou o Brasil?”. Aquilo foi como um tiro no meu coração. Eu não poderia e nunca vou abandonar o Brasil.
Se necessário, eu lutaria sozinho pelo Brasil e pela Justiça. Seria Davi contra Golias. Mas, ao ver esse auditório, tenho certeza que não estou sozinho.
Tenho essa mesma certeza quando eu encontro as pessoas nas ruas, nos mercados, nas escolas, em qualquer lugar, e elas estão com um sorriso no rosto, me cumprimentam ou elogiam pelo trabalho que foi feito na Lava Jato ou no Ministério da Justiça. Então, voltei ao Brasil para ajudar a construir um projeto que é de muitos.
Nenhuma pessoa pode ter um projeto só para si mesmo. Ninguém existe só para si mesmo. Para isso, resolvi entrar na vida política e filiar me ao podemos, um partido que apoia as pautas da Lava Jato. Mas esse não é o projeto somente de um partido, é um projeto de País aberto para adesão por todos os demais partidos, pela sociedade brasileira, do empresário ao trabalhador, por todo cidadão e cidadã brasileiros. É o seu projeto, que estava aí, aguardando o momento certo. Chegou a hora.
Queremos construir juntos esse projeto, ouvindo as ideias de todos. Não é só um projeto para reconstruir o combate à corrupção. Isso faz parte dele, mas ele vai muito além. É um projeto para construir o País. É um projeto de reconstrução de todos os sonhos perdidos. Nesse projeto, não há espaço para o medo, não há espaço para reações agressivas, mas também não há espaço para timidez. Queremos juntos construir hoje o Brasil do futuro.
Quero compartilhar algumas ideias que tenho para esse projeto. Alerto que são ainda apenas algumas ideias de um projeto maior e que será formulado junto com os brasileiros e as brasileiras. Tenho ouvido especialistas, mas queremos ouvir todo mundo sobre ele.
Precisamos recuperar a ideia de que vivemos e dividimos o mesmo País, de que somos todos irmãos, amigos e vizinhos. Podemos até divergir em alguns assuntos, mas temos, como brasileiros, mais pontos em comum do que diferenças. Então nosso projeto é forte, é vigoroso, mas não é agressivo.
Nossas únicas armas serão a verdade, a ciência e a justiça. Trataremos a todos com caridade e sem malícia. Respeitaremos aqueles que gostam e aqueles que não gostam de nós. O Brasil é de todos os brasileiros e nosso caminho jamais será o da mentira, das verdades alternativas ou de fomentar divisões ou agressões de brasileiro contra brasileiro.
Incluo aqui nessa atitude de respeito e generosidade, a imprensa. Chega de ofender ou intimidar jornalistas. Eles são essenciais para o bom funcionamento da democracia e agem como vigilantes de malfeitos dos detentores do poder. A liberdade de imprensa deve ser ampla. Jamais iremos estimular agressões. Jamais iremos propor o controle sobre a imprensa, social ou qualquer que seja o nome com que se queira disfarçar a censura e o controle do conteúdo. Isso vale para mim e para qualquer pessoa que queira nos apoiar.
Precisamos proteger a família brasileira contra a violência, contra a desagregação e contra as drogas que ameaçam nossas crianças, jovens e adultos. Propomos incentivar a virtude e não o vício, uma sólida formação moral e cidadã. Nosso projeto de redução da criminalidade violenta, do combate ao crime organizado e ao tráfico de drogas precisa ser retomado com todo o vigor, sempre na forma da Lei, e buscando recuperar aqueles que se desviaram do bom caminho.
Mas agiremos sempre com a compreensão de que nessa nossa sociedade cada vez mais plural todos merecem ser tratados com respeito e sem qualquer forma de discriminação. Precisamos de uma sociedade inclusiva, que acolha as diferenças, e precisamos também de uma sociedade que respeite todas as crenças e religiões.
Nessa sociedade inclusiva, merecem especial atenção as pessoas com deficiência e as pessoas com doenças raras. Aprendi a admirá-las por meio de minha esposa, Rosângela, com quem sou casado há 22 dois anos e tenho dois filhos. Minha esposa é advogada e atende pessoas com deficiência, pessoas com doenças raras e igualmente associações que promovem os direitos delas. Ela me despertou quanto à importância da adoção de políticas que atendam a essas pessoas em suas necessidades específicas e que permitam que seus talentos e habilidades possam florescer.
Acreditamos na capacidade empreendedora e inovadora de cada brasileiro. Todo cidadão tem o potencial de se tornar uma versão melhor de si mesmo. E, quero lhe dizer, esta é minha crença fundamental, que cada indivíduo tem a sua dignidade e tem a capacidade de se aprimorar continuamente.
Por acreditarmos no potencial de cada um, defendemos o livre mercado, a livre empresa e a livre iniciativa, sem que o governo tenha que interferir em todos os aspectos da vida das pessoas. Precisamos reformar nosso sistema confuso de impostos. Há quanto tempo falamos nisso sem fazer? Precisamos privatizar estatais ineficientes. Precisamos abrir e modernizar nossa economia buscando mercados externos. O tempo é de inovação e não podemos ficar para trás nesse mundo cada vez mais dinâmico e competitivo.
Mas nesse país que compartilhamos, o nosso senso de comunidade impede que adotemos um capitalismo cego, sem solidariedade ou compaixão. O nosso senso de justiça, os nossos valores cristãos e que são compartilhados pelas outras religiões, exigem que as grandes desigualdades econômicas sejam superadas.
Uma das prioridades do nosso projeto será erradicar a pobreza, acabar de vez com a miséria. Isso já deveria ter sido feito anos atrás. Para tanto, precisamos mais do que programas de transferência de renda como o Bolsa-Família ou o Auxílio-Brasil. Precisamos identificar o que cada pessoa necessita para sair da pobreza.
Isso muitas vezes pode ser uma vaga no ensino, um tratamento de saúde ou uma oportunidade de trabalho. As pessoas querem trabalhar e gerar seu próprio sustento. Precisamos atender a essas carências com atenção específica. E, como medida prioritária, sugerimos a primeira operação especial: a criação da Força-Tarefa de Erradicação da Pobreza, convocando servidores e especialistas das estruturas já existentes.
Ela será uma força-tarefa permanente e atuará como uma agência independente e sem interesses eleitoreiros, com a missão de erradicar a pobreza no país. Muita gente pensa que isso é impossível, como diziam que era impossível combater a corrupção. Não é, e nem precisa destruir o teto de gastos ou a responsabilidade fiscal para fazê-lo. Nós podemos erradicar a pobreza e esse é o desafio da nossa geração.
Propomos investir na educação de qualidade. Quem vai para a escola pública tem que encontrar ensino da mesma qualidade que o das escolas privadas. Eu, menino crescido no interior do Paraná, na minha querida Maringá, fiz tanto escola pública como privada.
Na minha época, a qualidade de ensino era parecida, então é possível fazer com que seja de novo. O futuro do Brasil depende do presente da educação pública e privada. Queremos trazer os pais para participarem mais da vida das escolas. Queremos incentivar a inovação e a dedicação dos professores, cobrar metas e desempenho, premiar os bons por mérito, sem procurar vilões.
Queremos diversificar o ensino e tornar real em todo o País, o que a lei já autoriza: que os alunos possam escolher parte das disciplinas e, fazendo isso, estudarem com maior motivação. Propomos expandir o ensino em período integral. Se isso é custoso e se for necessário escolher, vamos primeiro para os lugares mais carentes e depois expandimos. Precisamos de tecnologia e internet nas escolas. É preciso abraçar essas políticas como um grande programa nacional.
Queremos, como pais e mães, que nossos filhos e que os filhos de nossos filhos tenham um futuro melhor do que o nosso e isso depende da educação. A escola deve ser um lugar para matemática, tecnologia, ciências, cultura e literatura, um lugar de liberdade e de aprendizado.
Precisamos falar sobre corrupção. Muitos me aconselharam a não falar sobre o assunto, mas isso é impossível. Combater a corrupção não é um projeto de vingança ou de punição. É um projeto de justiça na forma da lei. É impedir que as estruturas de poder sejam capturadas e dessa forma viabilizar as reformas necessárias para melhorar a vida das pessoas.
É um projeto para termos um governo de leis que age em benefício de todos e não apenas de alguns. Chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha. Chega de querer levar vantagem em tudo e enganar a população.
Propomos, sem mais delongas, aprovar a volta da execução da condenação criminal em segunda instância, para que a realização da justiça deixe de ser uma miragem. Precisamos garantir a independência do Ministério Público, respeitando as listas, e a autonomia da Polícia com mandatos para os diretores, impedindo que haja interferência política em seu trabalho.
Propomos ainda a criação de uma corte nacional anticorrupção, à semelhança do que fizeram outros países, usando as estruturas já existentes e convocando juízes e servidores vocacionados para essa tão importante missão.
Precisamos cuidar do futuro e do que vamos deixar para as novas gerações. O Brasil é um País que historicamente respeitou e protegeu o meio ambiente. Temos a maior floresta do mundo, a Amazônia. Infelizmente, alguns veem a floresta como um incômodo e hoje nossa imagem no exterior é péssima.
Mas a floresta é um patrimônio valioso e precisamos mudar a percepção do mundo a nosso respeito. Precisamos dar oportunidades de desenvolvimento para quem vive na região da Amazônia, mas precisamos proibir o desmatamento e as queimadas ilegais. Promover as ações e usar as palavras certas, considerando a população local.
O futuro do mundo depende da preservação do meio ambiente, para prevenir a mudança climática. O Brasil pode ser não só o celeiro do mundo, com a nossa pujante agricultura, com pequenos e grandes proprietários, mas também a liderança e o exemplo para o mundo na preservação da floresta, no fomento da exploração de energias limpas e na criação de uma economia verde, sustentável e de baixo carbono.
Isso nos trará investimentos e nos fará orgulhosos de nosso País. Somos detentores dessa enorme riqueza verde e, infelizmente, fizemos tudo errado nos últimos anos. Isso pode e deve ser consertado. O Brasil deve ser o líder e o orgulho do mundo na economia verde e sustentável.
Precisamos cuidar da defesa nacional e de nossa soberania. Vamos valorizar as Forças Armadas. O militar não é diferente dos outros. Somos todos brasileiros. Devemos respeitá-las como instituição de Estado e jamais utilizá-las para promover ambições pessoais ou interesses eleitorais. As forças armadas pertencem aos brasileiros e não ao governo.
Para que todo esse projeto tenha credibilidade, para que possamos demonstrar com sinceridade o nosso desejo de reconstruir o País e de reformar as instituições, nós precisamos provar que estamos dispostos a sacrifícios. Que a classe dirigente, que a classe política, não terá por foco aumentar o seu poder ou seus privilégios, e que agirá para beneficiar a todos, pensando no bem comum e no interesse público.
Para tanto, proponho, desde o início, a eliminação de dois privilégios da classe dirigente. O fim do foro privilegiado que trata o político ou a autoridade como alguém superior ao cidadão comum, e o fim da reeleição para cargos no poder executivo. O foro privilegiado tem blindado políticos e autoridades da apuração de suas responsabilidades. Não precisamos dele. Eu nunca precisei quando juiz ou ministro. Não deve existir para ninguém e para nenhum cargo, nem para o presidente da República.
Quanto à reeleição para cargos no poder executivo, devemos admitir que é uma experiência que não funcionou em nosso País. O presidente, assim que eleito, começa, desde o primeiro dia, a se preocupar mais com a reeleição do que com a população, está em permanente campanha política. E ainda tem o risco de gerar caudilhos, populistas ou ditadores, de esquerda ou de direita, pessoas que se iludem com o seu poder e passam a ser uma ameaça às instituições e à democracia, seja por corrupção ou por violência. Não devemos mais correr esses riscos.
Entendo que se nós, da classe política, cortarmos nossos privilégios, daremos um bom exemplo e conseguiremos a credibilidade necessária para aprovação de outras reformas dirigidas a melhorar a vida das pessoas. Vamos gerar um ambiente de confiança e um ciclo virtuoso em favor das reformas, fomentando investimentos, gerando empregos, recolocando o governo na trilha certa. Ele existe para ajudar as pessoas e não o contrário. O governo tem que estar a serviço das pessoas e não dos políticos.
Essas são apenas algumas ideias para o nosso projeto de País. Queremos construí-lo com vocês aqui presentes, com a sociedade e com o povo brasileiro. Podemos construir juntos um Brasil justo para todos. Esse não é um projeto pessoal de poder, mas sim um projeto de País. Nunca tive ambições políticas, quero apenas ajudar.
Se, para tanto, for necessário assumir a liderança nesse projeto, meu nome sempre estará à disposição do povo brasileiro. Não fugirei dessa luta, embora saiba que será difícil. Há outros bons nomes que têm se apresentado para que o País possa escapar dos extremos da mentira, da corrupção e do retrocesso.
Todos nós sabemos que teremos em um momento que nos unir para uma tarefa maior do que cada uma das pessoas envolvidas. Mas precisamos nos unir em torno de um projeto que tenha pelo menos as seguintes linhas essenciais: combater a corrupção como meio de viabilizar as reformas, erradicar a pobreza, diminuir as desigualdades, controlar a inflação, preservar a responsabilidade fiscal, fomentar o emprego e o desenvolvimento sustentável, prover serviços de saúde, educação e segurança de qualidade, proteger a família, cultivar as liberdades e o respeito com o próximo e com o diferente. Tudo está conectado. Todos estamos juntos.
Pretendo atuar como um guardião vigoroso do interesse público, como um protetor dos direitos de todos os brasileiros e brasileiras. O Brasil poderá confiar que este filho teu não fugirá à luta e que jamais deixará o seu interesse pessoal, ou de seus filhos ou de sua família, ou mesmo de seus amigos ou de seu partido político, acima do interesse do povo brasileiro.
Jamais usarei o Brasil para ganho pessoal. Vocês sabem que podem confiar que eu sempre vou fazer a coisa certa. Ninguém irá roubar o futuro do povo brasileiro. Estou, portanto, recomeçando hoje, à disposição de vocês, por um Brasil justo para todos. Muito obrigado”.
Fonte: Infomoney