ARACAJU/SE, 1 de novembro de 2024 , 1:31:06

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Tasso vê Tebet com mais chances de derrotar Bolsonaro e Lula

Ex-presidente do PSDB por duas vezes e uma das figuras mais importantes da história do partido, o senador Tasso Jereissati defendeu, em entrevista exclusiva ao Valor, que a senadora Simone Tebet, do MDB, é o nome da terceira via com melhores condições de desbancar o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e vencer a eleição presidencial deste ano – e não João Doria, governador de São Paulo e seu companheiro de sigla.

Tasso diz que a avaliação é “técnica”, feita a partir de análises de pesquisas e conversas que tem mantido com especialistas e integrantes do mundo político, entre eles o ex-presidente Michel Temer. Tebet, diz, ganhou projeção na CPI da Covid e tem baixa rejeição entre os eleitores que já a conhecem – um percentual ainda baixo. Doria, por outro lado, é muito conhecido pelo eleitorado, mas tem rejeição alta. “Tem uma alameda onde ela pode crescer. É a mais viável das candidaturas”, aponta.

Em uma análise racional, não estamos em uma disputa de quem é mais aceito, mas de quem é menos rejeitado”, disse Tasso.

A consolidação de uma candidatura de terceira via, contudo, só ocorrerá se os pré-candidatos menos viáveis fizerem um gesto em prol da união. Por isso, ele defende que o PSDB mais à frente reavalie a manutenção de seu candidato no páreo. Doria segue estruturando sua campanha e, na semana passada, escalou o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia para coordenar seu programa de governo.

Tasso também cobra que o MDB dê sinais efetivos de que Tebet será candidata, pois boa parte da dificuldade é a desconfiança gerada a partir do próprio partido. “O que eu tenho ouvido de muitas pessoas é que a Simone é ótima candidata, e vocês vão dizer: ‘E o MDB vai lançar a Simone mesmo?’ É a falta de confiança de que ela é candidata pra valer do MDB [que atrapalha]”.

O senador elogiou a aproximação de Lula e Geraldo Alckmin, mas vê com preocupação a repetição das mesmas pessoas e ideias do PT no entorno do ex-presidente. Aos 73 anos, Tasso está se despedindo da política institucional. Cumprirá seu último ano de mandato no Senado e não disputará mais mandatos eletivos.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: A eleição presidencial de 2022 será uma disputa entre Lula e Bolsonaro? Ainda é possível romper essa polarização?

Tasso Jereissati: Se o quadro de hoje permanecer, não tenho dúvida de que teremos Lula e Bolsonaro no segundo turno. Se os demais candidatáveis e partidos continuarem nessa intransigência coletiva, de ninguém abrir mão de seu candidato e tiver essa fragmentação de candidaturas, vai dar Lula e Bolsonaro mesmo. Meu partido, o PSDB, vocês sabem, tem um candidato, que é o João Doria. Agora, tentando fazer uma análise, a mais racional possível, tenho dito a alguns interlocutores: não estamos em uma disputa de quem é mais aceito, mas de quem é menos rejeitado. É a primeira vez, que me lembro, que a eleição a presidente é nessa perspectiva estranha. Lula tem seu eleitorado tradicional e Bolsonaro, essa recém-descoberta extrema-direita que saiu do armário. E essas outras candidaturas, nenhuma tem um núcleo duro que lhe garanta um percentual relevante para chegar ao segundo turno.

Valor: Haverá terceira via?

Tasso: O que eu avalio: a candidata com maior possibilidade de chegar ao segundo turno, na minha opinião e olhando tecnicamente, é a Simone Tebet. É a única que não tem um nível de rejeição impeditivo de crescimento. Além disso, tem um partido grande e forte, o MDB, é mulher e se destacou bastante na CPI da Covid. Fazendo essa análise, eu acho que a imprensa, os políticos, estão subestimando aquela que é a candidata com maiores chances de ir ao segundo turno. O que significa? Pode continuar tudo como está até junho. Mas há espaço para uma reviravolta.

Valor: E o Doria?

Tasso: Se ficar solidificada essa posição de Doria [nas pesquisas], pelo menos abrir conversas com outros candidatos é importante, inclusive com a Simone Tebet. Esta é a minha visão. Nada disso que estou falando é uma questão de preferência pessoal. É baseada nos números. Vai ter que ter desprendimento daqui para frente, percepção e autocrítica de todos.

Valor: Mas seria a primeira vez, desde a fundação, que o PSDB não teria candidato a presidente.

Tasso: O PSDB de hoje não é o meu PSDB de 33 anos atrás. A gente precisa se reconstruir até nessa visão programática do país, o que esperamos e queremos que o Brasil seja nos próximos anos. Nós estamos vazios desse debate. Espero que o PSDB não fique numa posição irredutível, e que tenha a sensibilidade e o desprendimento para, no momento correto, tomar as atitudes corretas em relação ao que é melhor para o Brasil.

Valor: E qual o momento para intensificar essas conversas?

Tasso: Esse cenário está aí, está visto. Pegue as pesquisas, veja as rejeições e você vai ver isso.

Valor: Dá tempo de tornar Simone Tebet conhecida a ponto de ganhar de Lula e Bolsonaro?

Tasso: Boa parte dos jornais tem ao menos duas páginas aí sobre eleições diariamente. Mas a cobertura é concentrada hoje em Lula, Bolsonaro, claro, bastante [Sergio] Moro, mas bem abaixo dos dois, em seguida, um pouquinho do Ciro [Gomes], mas a Simone é praticamente ignorada. Tem até pesquisa em que ela não entra. O que precisa? Primeiro, dar a credibilidade de que ela é candidata pra valer. Isso é papel que o MDB tem que fazer. O que eu tenho ouvido de muitas pessoas é que a Simone é ótima candidata, vocês vão dizer: ‘E o MDB vai lançar a Simone mesmo?’ É a falta de confiança de que ela é candidata pra valer do MDB. O primeiro passo é dizer que ela é candidata pra valer, até para ter o mesmo espaço na mídia que os outros têm. E ter a mesma força nas articulações que os outros candidatos têm.

Valor: E isso convencerá os outros a desistir?

Tasso: O primeiro passo depende do MDB. A candidata é deles. Que eles assumam a liderança desta conversa. No fim, pode até dar em outra coisa [que não seja a candidatura de Tebet], mas assumam a liderança nessa negociação. O Lula está conversando com todo mundo e disse uma coisa importante nessa última entrevista dele: “Eu não quero [ter] uma candidatura ideológica”. Esse pragmatismo tem de vir de todos e alguém tem que puxar a conversa. O que eu fiz, muito sem estar articulando nada, foi dar esta opinião a um interlocutor, que no caso é o ex-presidente Michel Temer, que é uma das lideranças do MDB.

Valor: Em que termos foi essa conversa com Temer?

Tasso: Discutimos cenários, pesquisas e coloquei minha visão. Ele concordou. Minha análise coincide com a do senador José Aníbal [também do PSDB].

Valor: Há candidatos numericamente à frente de Tebet nas pesquisas, como Moro, Ciro, Doria.

Tasso: Tento fazer uma análise racional. Não é para desfazer nem diminuir a chance de ninguém. A candidatura do Moro em determinado momento chamou a atenção, entusiasmou determinados setores sensíveis da opinião pública brasileira, mas estagnou. Subiu rápido e parou. Se você analisar a pesquisa, e aí vai um pouco da minha experiência de ter feito tantas eleições presidenciais, ter coordenado campanhas, você não pode olhar apenas pela intenção de votos favoráveis. Precisa cruzar os dados. E o que chama a atenção é o nível de rejeição de candidatos conhecidos. Exemplo: você olha o candidato X, ele tem 1%, mas só 5% dizem conhecê-lo. O candidato Y tem 5%, mas 80% da população o conhece e 55% o rejeita. O que temos é que este último candidato tem pouco espaço para crescer daí por diante. O que acontece nesta eleição brasileira é que todos os candidatos estão no limite do seu crescimento, com exceção da Simone Tebet e, talvez, do Rodrigo Pacheco (PSD), mas que tem outras características. Ela tem 1% ou 2% [de intenção de votos], mas é pouco conhecida e tem rejeição mínima. Tem uma alameda onde ela pode crescer. Então é a mais viável das candidaturas. Eu fiquei uma tarde inteira com políticos e cientistas vendo pesquisas e discutindo cenários. Não é [uma manifestação] a favor da Simone. Se alguém já é Lula ou Bolsonaro, nem está preocupado. Não é meu caso e queria realmente que saíssemos dessa polarização.

Valor: O confronto de Lula e Bolsonaro tende a ser virulento. Como posicionar um candidato da terceira via nesse debate?

Tasso: Tem que se posicionar no futuro, que é o que está faltando. Quem é que está trazendo uma proposta pra valer de futuro? O próprio Lula, com quem eu tenho uma boa relação, no último mês, ele trouxe uma discussão do passado, e até uma assessoria do passado. Os nomes que apareceram como assessores, fazendo programa de governo, são do passado. Um passado com vários problemas. Bolsonaro faz discussão dos anos 1930, do início do fascismo. Está faltando um discurso para o futuro. O que vamos fazer, qual o projeto de Brasil que nós queremos pra esse mundo novo? Qual o tipo de educação que nossos netos vão ter para enfrentar o futuro, qual o tipo de sociedade que vamos querer, com esses dados que trazem concentração de renda maior, uma disrupção de várias verdades constituídas ao longo do tempo? Cabe discurso antiglobalizante?

Valor: Qual avaliação faz da aproximação de Lula e Alckmin?

Tasso: A intenção e a visão são interessantes, positivas, à medida que isso possa significar o fim dessa polarização e do ódio no Brasil. Hoje estamos vivendo um mundo em que os argumentos acabaram, e os xingamentos e agressões é o que valem. Você não argumenta mais contra os radicais, você xinga, e eles te xingam. Quando eu vi esse gesto do Lula, eu vi como um gesto de “gente, vamos parar com isso, vamos dar uma serenidade e uma racionalidade a isso, vamos voltar a dialogar, que é a base da democracia”. O que, no entanto, está se chocando com o que o PT está dizendo. Eu li o artigo do Guido Mantega, que me deu vontade de chorar. É preciso olhar pra frente, e não pensar em fazer coisa que já fez lá atrás e deu errado.

Valor: Então o problema não é o Lula, é o PT?

Tasso: Claro. O Lula eu conheço relativamente bem, é um homem pragmático. Agora esse discurso dele do último mês, não é o que eu esperava, que seria o Lula pragmático, inteligente, dos três primeiros anos de governo dele. A meu ver, o discurso está equivocado do ponto de vista da economia e relações internacionais.

Valor: A possível aliança do Moro com o União Brasil o fortalece?

Tasso: Evidente que fortalece, mas não é ela por si só que vai desfazer a rejeição [a Moro]. Até porque os partidos políticos hoje – e aí entra um pouco da questão do PT – não são mais os partidos políticos das nossas vidas. Eu não posso dizer que o PSDB de hoje é o PSDB que nós fizemos em 1988. Não é que haja um saudosismo. Ao contrário, há uma pergunta: o que é o PSDB de hoje? Esse PSDB que não é mais [Mário] Covas, FHC, [Franco] Montoro, [José] Serra. O que é? O que é o MDB de hoje? O que é o União Brasil? Qual é o projeto deles de país, qual é a visão de mundo deles? Então, essas coligações vão valer muito mais pelo tempo de televisão e fundo eleitoral do que por fortalecimento político, porque eles não trazem junto uma corrente de pensamento da população brasileira.

Valor: O senhor elogiou o lado pragmático do Lula, mas agora está ponderando que falta ideologia aos partidos. O eleitor quer ideologia?

Tasso: Não é ideologia. Mas qual o programa do partido político? O PSDB, por exemplo, na sua fundação era um partido parlamentarista, de fundamentação social-democrata, que trazia junto uma economia mais aberta, mais perto da liberal, mas um profundo programa social que iniciamos quando assumimos o poder. Isso é um programa que representa a visão social política e econômica de um partido em relação ao seu país. Não é aquele pensamento arraigado nas ideias independente dos fatos. O primeiro governo do Lula, eu era senador e acompanhei de perto, o ministro da Fazenda era o Antonio Palocci, mas todos sabemos que o Palocci era um médico, ele fez uma equipe que tinha à frente o Marcos Lisboa, que não tem nada de ideológico de PT. Já o governo de Dilma foi ideológico, porque eles abraçaram os dogmas da esquerda, e deu no que deu. Essa é a diferença. O próprio MDB tinha uma face visível muita forte, porque o partido se opôs à ditadura militar, e trazia isso da defesa intransigente da democracia e das instituições, e entrou para a história sob a liderança do Ulysses Guimarães. O PT tem cara, mas não é essa a cara quando o Lula convida o Alckmin, e os petistas mesmo reagem. A cara do PT é intransigente, radical, estatista, em alguns momentos pouco democrática.

Valor: E Bolsonaro, o que esperar?

Tasso: Ele vai fazer o diabo para ganhar a eleição. Todas as ações que o governo fez nos últimos meses, e está projetado agora, são completamente eleitoreiras. Visam o curto prazo sem nenhuma proposta de médio e longo prazo, e nenhuma preocupação com as consequências em relação aos próximos anos. Se é possível fazer um governo pior do que ele já fez, provavelmente isso pode acontecer.

Valor: Qual o legado que o governo Bolsonaro deixa para quem assumir o cargo em 2023 – inclusive, caso seja ele mesmo?

Tasso: Ele vai deixar um legado muito ruim, histórico, por todas as suas posições, seja nos costumes, seja na questão da pandemia, é um dos piores presidentes do mundo no acompanhamento e no combate à pandemia. Agora alguns passos importantes foram dados: a reforma da Previdência, em relação à questão fiscal. Eu participei do marco do saneamento básico que é importantíssimo, está aí colocado. O controle pelo teto fiscal, que vem do governo Temer, foi muito útil nesses anos para a gente não cair num abismo, que é simplesmente não deixar de uma maneira irresponsável que os gastos do governo subam muito mais do que as receitas. Se tiver outra maneira, via legislação, de controlar esses gastos para que tenha um limite tecnicamente viável, que não leve o país à bancarrota, que façam de outra maneira. O governo Bolsonaro sustentou o teto fiscal com todas as críticas, mas derrapou agora nesse finzinho de 2021. Essa derrapada manchou o legado que ele poderia deixar na questão fiscal.

Valor: O senhor está chegando ao fim de seu mandato como senador. Qual o seu futuro político?

Tasso: Não pretendo concorrer mais a nenhum mandato. Pretendo, a partir de 2023, não ter mais participação com mandatos na vida política. Evidentemente, a gente, que passou tantos anos na vida política, tem a obrigação de ajudar quando puder e for possível. Neste ano, estou me envolvendo um pouco mais do que eu queria em função da preocupação com o quadro eleitoral. Um segundo turno entre Bolsonaro e Lula, que está fazendo um discurso que retrocede ao próprio primeiro governo do Lula, isso para mim é um quadro muito preocupante. Estou tentando mostrar às pessoas o que é viável, porque grande parte dos brasileiros está indo para um lado ou para o outro em função de ter perdido as esperanças num candidato do meio.

Fonte: Valor Econômico

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