Por Cláudia Lemos
Não tem sido fácil para ninguém. E, na posição de governador, Belivaldo Chagas também não se viu imune as dificuldades e pressões por conta da pandemia do novo coronavírus. “Nada do que está acontecendo deixou de ser dito lá atrás”, frisou o governador, lembrando que, ainda assim, os números sergipanos são relevantes. “Sergipe é um dos estados que mais fazem testes para detecção do coronavírus, é o segundo no Nordeste e oitavo (8º) no país”. Mas é em relação ao futuro que Belivaldo é mais assertivo. “Tudo isso reforça algumas lições universais, de que precisamos estar mais unidos, de que a humanidade precisa ter mais consciência do coletivo e repensar a forma de consumo pelo mundo”. Confira mais nessa entrevista exclusiva.
Correio de Sergipe – Como está Sergipe quanto às medidas necessárias ao enfrentamento à pandemia do novo coronavírus?
Belivaldo Chagas – Após a confirmação do primeiro caso, em 14 de março, o Governo elaborou o Plano de Contingência de Sergipe para o possível enfrentamento ao vírus. À medida que os casos foram surgindo, estabelecemos um acompanhamento dos números de casos e agimos para organizar a nossa rede de assistência. Sergipe se tornou o estado do Nordeste que mais adotou ações de enfrentamento ao coronavírus desde o início da pandemia. Nossa preocupação sempre foi com a ampliação dos leitos, em especial leitos de UTI, por isso, desde o início, viemos trabalhando com planejamento para organizar a nossa rede hospitalar. Já recebemos 55 respiradores pulmonares do Governo Federal para reforçar o atendimento aos pacientes com Covid-19. Além desses, o Governo Federal enviou para Sergipe outros 35 ventiladores mecânicos de transporte que serão usados nas unidades que possuem sala de estabilização. Essas aquisições possibilitam a ampliação de leitos de UTI. Paralelo a esse trabalho, editamos o decreto obrigando o uso de máscara, intensificamos a fiscalização para cumprimento dos decretos, investimos na contratação de profissionais de saúde, assim como de materiais de EPIs e ampliamos a nossa capacidade de testagem. Sergipe é um dos estados que mais fazem testes para detecção do coronavírus, é o segundo no Nordeste e oitavo (8º) no país, segundo levantamento nacional feito pelo Portal G1. Além disso, buscamos oferecer o maior quantitativo de informações à população sobre a doença. Sergipe registrou o 6º lugar no ranking nacional de transparência sobre a Covid-19. No quesito índice de letalidade – Sergipe é o estado do Nordeste com menor taxa de letalidade por Covid-19 e segundo menor do Brasil.
C.S. – Governador, como o Senhor avalia a situação epidemiológica em Sergipe?
B.C. – A gente já vinha alertando que a partir de 15 de maio, entraríamos no pico. Nada do que está acontecendo deixou de ser dito lá atrás. Maio e junho é considerado pelos técnicos e cientistas como o pico de crescimento em Sergipe. O vírus é uma realidade, ele está disseminado. Assim, estamos acompanhando a todo o momento a curva de crescimento dos contaminados e a ocupação dos leitos retaguarda e de UTI. Por isso, é extremamente importante que a população siga se mantendo em casa e use máscara, caso tenha necessidade de sair.
C.S. – Sergipe se aproxima do colapso na saúde, no que diz respeito a leitos de UTI, o que está sendo feito para suprir a demanda?
B.C. – Nós estamos trabalhando o tempo todo para evitar um colapso na rede hospitalar. Até o momento, Sergipe conta com 120 leitos de UTI exclusivos para pacientes adultos com a Covid-19, além de 6 leitos pediátricos. No nosso plano de expansão há previsão, até o final do mês de junho, de abrirmos mais 100 novos leitos de UTI, totalizando 240 leitos de UTI da rede pública, somados a mais 80 da rede privada, na expectativa deles ampliarem também.
C.S. – Mais da metade da população do Estado não tem respeitado o isolamento social. Mesmo com a antecipação dos feriados de 8 de Julho e São João, que resultou num feriadão, o índice não alcançou nem 50% em nenhum dos dias. Será que não é o caso de realizar uma campanha de conscientização maciça?
B.C. – O ideal é que esse índice chegue a 60 até 70 % de isolamento social. Mas, infelizmente, apesar das campanhas as pessoas teimam em descumprir. Essa doença não é brincadeira, lamentavelmente, já são mais de 200 vidas que perdemos só em Sergipe. Por isso, reforçamos a fiscalização, orientando a população para o cumprimento dos decretos.
C.S. – O Senhor determinou o fechamento do comércio, quer dizer, das atividades consideradas não essenciais, ainda no mês de março. Agora já são mais de dois meses de fechamento de inúmeros serviços. Desde então, a situação só se agravou. O Senhor acha que adotou a medida cedo demais?
B.C. – Toda medida que adotamos foi tomada seguindo orientações técnicas e científicas. Diariamente, a nossa equipe, formada por técnicos da Secretaria de Estado da Saúde (SES) e de universidades do estado, analisa os relatórios dos dados atualizados da doença em Sergipe e nossas decisões são baseadas nesse monitoramento. A adoção do distanciamento social de maneira prolongada é uma unanimidade entre especialistas do mundo todo para retardar o aumento de casos. Pois só retardando a contaminação, conseguimos garantir a assistência daqueles que precisam de internação e não sobrecarregar o sistema de saúde. E, até o momento, nossas projeções se mostraram corretas e estamos conseguindo dar assistência a nossa população. Essa tem sido nossa prioridade, garantir que a população tenha acesso a assistência nos casos de contaminação para salvar vidas. Muitos países que começaram a flexibilizar as medidas de isolamento agora, após terem queda no número de contaminação, precisaram passar, em média, por dois meses de isolamento no mínimo, alguns até adotando o isolamento total das cidades, o tão falado lockdown, com manutenção apenas de serviços essenciais. Percebemos que o isolamento adequado deve ser em torno de 70% ao menos, e o isolamento em Sergipe está abaixo disso. Se a maioria da população tivesse seguindo as recomendações do Estado desde o início, hoje poderíamos traçar projeções diferentes, mais otimistas quanto à flexibilização do comércio. Quanto mais as pessoas demoram a entender isso, mais as medidas precisam ser rigorosas, pois o que queremos evitar é ver pessoas morrendo em filas por falta de UTI em Sergipe.
C.S. – Sergipe, de acordo com o IBGE, tem mais de 70 mil trabalhadores informais. Grande parte diz estar passando fome. O que o governo tem feito nesse sentido?
B.C. – Criamos o Cartão Mais Inclusão – CMAIS em benefício de mais de 25 mil sergipanos, inicialmente. É um programa de transferência de renda, de caráter temporário e emergencial, para promover o acesso à alimentação para pessoas em situação de vulnerabilidade social e insegurança alimentar e nutricional, enquanto durarem as medidas de restrição preventivas à transmissão do coronavírus. Consiste no pagamento, pelo Governo de Sergipe, de um benefício mensal no valor de R$ 100,00 para pessoas em situação de extrema pobreza. Infelizmente o desemprego está atingindo a todos, seja nacionalmente ou mundialmente, e Sergipe não é uma ilha e vem sofrendo com isso também. Essa situação deverá melhorar com a retomada da economia, mas essa retomada depende da questão ligada à saúde, a questão da estrutura que a gente precisa ampliar.
C.S. – Como o Estado está se preparando para possibilitar a reabertura do comércio?
B.C. – Graças a Deus, conseguimos avançar no que diz respeito à quantidade de leitos. Isso nos garante maior tranquilidade para discutirmos um plano de retomada da economia. Desta maneira, nós criamos o Comitê Gestor de Retomada Econômica (COGERE), responsável por monitorar, avaliar e deliberar sobre as medidas para retomada de atividades econômicas. O plano de retomada já existe. Temos várias possibilidades, mas temos que estar o tempo todo acompanhado, seguindo as orientações dos técnicos. Portanto, essa semana foi de discussões com o Comitê Gestor de Retomada Econômica, que é composto também por representantes do setor produtivo. Mas quero deixar claro que o plano prevê que a gente, realmente, flexibilize a partir do dia 15, mas é possível que algo aconteça a partir da próxima segunda-feira, só vou confirmar isso na segunda (08). E também devo dizer que, se houver uma complicação até o dia 15, ele pode também não ter o seu início no dia 15. Tudo vai depender não apenas do crescimento da curva de contaminação, mas principalmente com relação à ocupação de leitos de UTI e também de leitos clínicos.
C.S. – O Senhor acha que poderemos tirar uma lição desta situação?
B.C. – Toda adversidade traz ensinamentos. Não queríamos estar enfrentando uma situação dessas, que coloca em risco a vida das pessoas e que traz tanta dor a milhares de famílias. Não sabemos como será o mundo pós-pandemia, já que é uma situação nova no contexto contemporâneo, ainda que historicamente o mundo já tenha enfrentado outras pandemias, as mudanças serão diferentes. Não sabemos por quanto tempo lidaremos com as consequências dessa situação, seja no aspecto sanitário ou econômico. Mas tudo isso reforça algumas lições universais, de que precisamos estar mais unidos, de que a humanidade precisa ter mais consciência do coletivo e repensar a forma de consumo pelo mundo. Se já vínhamos enfrentando grandes desafios com a crise econômica anterior à pandemia, precisaremos está ainda mais fortes e unidos a partir de agora.
C.S. – Quanto ao pagamento dos servidores. O Senhor vê risco de uma crise econômica a ponto de comprometer o pagamento da folha?
B.C. – Nós já começamos o pagamento desse mês e vamos finalizar no próximo dia 12, como estamos fazendo nos meses anteriores. Essa semana o presidente da república sancionou a lei de medidas de auxílio financeiro a estados e municípios durante a pandemia do coronavírus. Para Sergipe isso equivale ao valor R$ 313 milhões que serão divididos em 4 parcelas. Com a ajuda do governo federal, isso vai nos dar uma tranquilidade nos próximos meses, para que a gente continue seguindo, até que a gente tenha a retomada da economia e a arrecadação do estado volte a crescer.
C.S. – De março até agora, tem como avaliar o tamanho do prejuízo financeiro para o Estado, diante da diminuição de arrecadação e os gastos no enfrentamento a pandemia?
B.C. – Há uma queda significativa. Nós estamos fazendo um levantamento. Só pra ter uma ideia, Sergipe iniciou maio registrando uma queda de R$ 87 milhões no repasse da primeira parcela do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Esse valor equivale a 37% menor que o registrado na primeira parcela de maio de 2019. Repito: é uma redução significativa de recursos para o Estado, tendo em vista que o FPE responde por 48,21% na composição das receitas estaduais. Temos um desafio muito grande para manter o equilíbrio e a saúde financeira e, não tenha duvidas que estamos trabalhando para superar essa fase histórica.
C.S. – A classe empresarial pode esperar uma redução ou isenção dos impostos, já que o faturamento está parado?
B.C. – O Governo tem feito muito, diante do atual cenário. Uma das primeiras medidas foi direcionada à micro e pequenas empresas. Ainda em março, publicamos o decreto 40.566, flexibilizando prazos para o cumprimento das obrigações acessórias por 90 e até 120 dias. Na sequência, apresentamos ao Comitê Gestor do Simples Nacional em conjunto com demais governadores uma proposta de diferimento do recolhimento dos impostos do Simples Nacional. No dia 3 de abril o Comitê aprovou o pleito e a Sefaz publicou a Portaria 127/20. Ao conceder esse diferimento para as micro e pequenas empresas, o Estado postergou R$ 21 milhões em arrecadação em 3 meses. É preciso atentar que para redução ou suspensão de tributos a instância de decisão deixa de ser local, pois quaisquer benefícios tributários devem ter a aprovação do Confaz, um comitê que reúne mensalmente todos os estados da federação e o DF. Por outro lado, diante da queda da receita própria em praticamente todas as unidades da federação, apresentar proposta de reduzir tributos nesse momento não é tão fácil.
C.S. – O governo realizou algum estudo para avaliar até quando o setor não essencial consegue ficar com as atividades suspensas? O setor tem proposto uma reabertura gradual e mediante de adoção de medidas preventivas. Porque isso não seria possível no atual momento?
B.C. – Compreendo a ansiedade de todos para que a vida volte ao normal. Mas a retomada gradativa da abertura do comercio se dará alinhada ao acompanhamento do número de ocupação de leitos. Toda vez que o percentual de ocupação estiver acima de 70% é sinal vermelho para que o Governo pare ou recue imediatamente na flexibilização.
C.S. – Qual a mensagem que o senhor tem para passar à população, nesse momento tão conturbado para a economia do país?
B.C. – Continuaremos ampliando a nossa capacidade de atendimento na rede de Saúde, aumentando o número de leitos de UTI e enfermaria exclusivos, mas precisamos da conscientização de todos neste enfrentamento ao novo coronavírus. Na falta de uma vacina, o respeito às medidas restritivas e sanitárias ainda é o melhor remédio para evitar o colapso das nossas unidades de Saúde. Fique em casa, use máscara e vamos juntos vencer esta doença!