A tragédia causada pelas enchentes no Rio Grande do Sul fez com que o Congresso acelerasse as discussões de projetos de lei para prevenção a desastres climáticos, além do socorro emergencial para socorrer o estado. Enquanto a Câmara se prepara para analisar um pacote de nove projetos que estavam engavetados, o Senado tem dado andamento a propostas de elaboração de políticas climáticas e de gestão de desastres.
Nessa quarta-feira (15), os senadores aprovaram o projeto de lei (PL 4.129/2021), da deputada Tabata Amaral (PSB-SP), que prevê que o governo federal elabore um plano nacional de adaptação à mudança do clima, em articulação com estados e municípios.
A proposta havia sido aprovada com urgência na Câmara no final de 2022, mas não foi debatida no Senado em 2023. Nesta semana, antes da aprovação, senadores demonstraram preocupação com o texto.
Para o senador Esperidião Amin (PP-SC), o PL deveria indicar de forma mais clara os responsáveis diretos pelas ações e também as fontes de recursos para a eventual elaboração dos planos estaduais, municipais e distrital. Na mesma linha, o senador Sergio Moro (União-PR) avaliou que o projeto é “simbólico” e não resolve os problemas práticos dos efeitos da mudança climática.
Com as ponderações dos senadores, uma emenda para inclusão do setor empresarial na elaboração dos planos foi aprovada e por isso o texto terá que ser analisado novamente na Câmara.
Outro projeto, do senador Marcos Pontes (PL-SP), que determina a Política Nacional de Gestão Integral de Risco de Desastres (PNGIRD) (PL 5.002/2023), também avançou no Senado com a aprovação na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
A proposta de Pontes abrange desde o conhecimento do risco até a prevenção, a redução, o monitoramento, o alerta e a comunicação dos desastres. Apesar do avanço, o projeto de lei ainda precisa ser aprovado em duas comissões no Senado para poder seguir para a análise dos deputados.
Câmara pode analisar “pacote antitragédia”
Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estiveram no Rio Grande do Sul no começo de maio e se comprometeram a dar prioridade para as pautas relacionadas à calamidade.
Desde então, o Congresso aprovou o estado de calamidade no estado, a suspensão da dívida do Rio Grande do Sul com a União por três anos e ainda uma mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano para agilizar e facilitar o repasse de recursos de emendas parlamentares aos municípios atingidos.
Também foram criadas comissões externas, no Senado e na Câmara, para mapear projetos de lei relacionados aos desastres climáticos e que tratem de medidas para o socorro do estado.
Em nota, os integrantes da comissão do Senado afirmaram que farão uma seleção dos projetos prioritários e enviarão a lista a Pacheco. Enquanto isso, alguns deputados adiantaram que vão apresentar as ideias de alguns de seus projetos como emendas à Medida Provisória 1.216/24, recém-editada, que reúne várias ações para ajudar o estado, aproveitando o embalo para garantir a aprovação.
Na Câmara, há ainda uma outra comissão especial, criada em outubro do ano passado, após a enchente que ocorreu no Rio Grande do Sul em setembro. O presidente desse colegiado, deputado Leo Prates (PDT-BA), disse nesta semana que há um acordo com Lira para a votação de nove projetos, listados a seguir:
– PL 6.966/13 – Define como crime ambiental o parcelamento do solo em área de risco de desastre.
– PL 5.602/16 – Dispõe sobre a criação de órgãos permanentes de defesa civil e dá outras providências.
– PL 4.794/16 – Impede a ocupação de áreas de risco e trata do planejamento de medidas de drenagem de águas pluviais urbanas e de manejo de vazão dos rios.
– PL 8.170/17 – Aperfeiçoa a execução de ações de prevenção em áreas de risco de desastres naturais.
– PL 10.898/18 – Garante que parte dos recursos dos royalties e do Fundo Social seja destinada à prevenção de desastres provocados por causas naturais ou de desastres humanos de natureza tecnológica relacionados com incêndios ou com produtos perigosos, bem como ao atendimento às populações e às áreas atingidas por esses desastres.
– PL 485/22 – Obriga a ampla divulgação de mapeamento contendo as áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto, inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos, pelos municípios que as possuam.
– PL 2.762/23 – Institui a Campanha de Conscientização sobre a Gestão do Risco e Desastres.
– PL 580/19 – Destina 1% (um por cento) da arrecadação das modalidades lotéricas ao Fundo Nacional para Calamidades Públicas, Proteção e Defesa Civil (Funcap).
– PL 161/24 – Dispõe sobre o Programa de Fomento às Cidades Resilientes e dá outras providências
Além destas, uma série de propostas foram apresentadas recentemente. Um levantamento feito pelo deputado federal Marcel van Hattem (Novo-RS) apontou que, somente na Câmara dos Deputados, pelo menos 116 novas propostas legislativas são relacionadas à tragédia no RS. No Senado, o senador Mourão (Republicanos-RS) recomendou a votação de 22 proposições.
Os textos preveem desde a inclusão de mulheres em situação de calamidade pública em programa de distribuição de absorventes, até a previsão de considerar crime criar dificuldades para socorrer vítima de calamidade pública.
Bancada do agro sob pressão dos ambientalistas
Além disso, enquanto a bancada do agronegócio se articula para aprovar medidas de apoio aos agricultores na Medida Provisória com ações de auxílio ao povo gaúcho, a bancada ambientalista tenta barrar o que chama de “pacote da destruição”, que tem sido utilizado para responsabilizar o agronegócio pelos desastres naturais.
A lista inclui projetos que flexibilizam o Código Florestal Brasileiro, tratam de licenciamento ambiental, grilagem de terras, unidades de conservação e terras indígenas. Para os ambientalistas do Observatório do Clima, se aprovadas, as propostas “causarão dano irreversível aos ecossistemas brasileiros, aos povos tradicionais, ao clima global e à segurança de cada cidadão”.
A bancada do agro, no entanto, contesta as acusações. “Estão tentando execrar o agro por conta de interesses ideológicos e não podemos entrar em embate com o perigo de alimentar tantas mentiras contra o nosso setor”, disse o deputado Luiz Ovando (PP-MS) durante reunião da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), ao destacar o que chamou de “fake news” contra o setor agropecuário que foram criadas em meio à tragédia.
Analistas alertam para efeitos de leis aprovadas em meio à tragédia
Diante do cenário, analistas avaliam que a corrida pela aprovação de projetos, ou para impedir avanço de propostas, reforça a característica reativa do poder público. Além disso, também permeia o debate a possibilidade de criação de leis muito restritivas que acabem por gerar impactos na economia do Brasil e o “oportunismo climático”.
O governo Lula tem interesse em avançar com propostas que possam dar a ele protagonismo global em questões ambientais, e o Congresso também demonstra interesse em avançar com a “pauta verde”, como a transição energética.
Com o desastre no Rio Grande do Sul chamando atenção internacional, a tendência é o surgimento de propostas de legislação mais rigorosas, incluindo punições severas e regras estritas para licenciamento ambiental, segundo o cientista político Juan Carlos Gonçalves. Embora essas medidas possam atrasar a emissão de licenças e desencorajar investidores, Gonçalves ressalta que essas perspectivas ainda são especulativas.
“Idealmente, não se pode abster de regramentos, mas também não podemos estrangular quem deseja investir e empregar”, disse Gonçalves.
Na opinião do advogado e consultor ambiental Antônio Fernando Pinheiro Pedro, a legislação brasileira é reativa e sobrecarregada com burocracias, sendo que novas exigências climáticas podem agravar essa situação.
“Não são mudanças climáticas, é oportunismo climático também. No momento, e como sempre, a legislação brasileira é reativa e não propositiva. Nós já temos um volume muito grande de leis restritivas territoriais, sob o manto da proteção ambiental. E agora nós podemos ser onerados ainda mais com exigências adicionais do ponto de vista climático”, afirmou Pinheiro.
Ele ainda criticou a falta de um plano nacional de defesa civil, previsto há mais de dez anos. “A área sul do Brasil é sujeita, da mesma forma como o sul da África e a Malásia, a uma maior ocorrência de células chamadas zonas de baixa pressão ao sul do Equador. Se assim é e de posse, no Brasil, de dados seculares de cheias históricas em todas as grandes bacias, já era tempo de termos um plano nacional de prevenção, contingência e emergência para chuvas e também estiagens. Algo mais eficaz e técnico que o proselitismo de ocasião”, disse.
Fonte: Gazeta do Povo