Por Weslley Galzo e Vinícius Valfré
Brasília – O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprovou na noite de segunda-feira, 2, por unanimidade, duas medidas contra o presidente Jair Bolsonaro por causa de suas declarações infundadas de fraude no sistema eleitoral e de ameaças à realização das eleições de 2022. Os ministros decidiram abrir um inquérito administrativo e, ainda, pedir a inclusão de Bolsonaro em outra investigação, das fake news, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). O desfecho dos inquéritos pode acarretar impugnação do registro da candidatura de Bolsonaro à reeleição ou até mesmo inelegibilidade.
A decisão do TSE representa até agora a mais dura do Judiciário na tentativa de conter ameaças do presidente, que tem condicionado a realização das eleições à aprovação do voto impresso, hoje em tramitação na Câmara. O inquérito administrativo, proposto pela Corregedoria-Geral da Justiça Eleitoral, vai apurar se, ao promover uma série de ataques sem provas contra a Justiça Eleitoral e o sistema eletrônico de votações, Bolsonaro praticou “abuso do poder econômico e político, uso indevido dos meios de comunicação, corrupção, fraude, condutas vedadas a agentes públicos e propaganda extemporânea”.
Na última quinta-feira, o presidente usou uma transmissão ao vivo pelas redes sociais para divulgar uma série de vídeos antigos e informações falsas contra as urnas eletrônicas, alegando que o sistema é fraudável. Na live, porém, Bolsonaro admitiu não ter provas das fraudes.
Ao aprovarem o envio de notícia-crime ao STF para que Bolsonaro seja incluído como investigado no inquérito das fake news, que tem como relator o ministro Alexandre de Moraes e relaciona aliados do governo a ações para desacreditar instituições, os magistrados fecham o cerco contra o Palácio do Planalto.
O presidente do TSE, Luis Roberto Barroso, disse que o Brasil está à beira da “erosão da democracia” e reagiu com veemência aos ataques de Bolsonaro. “Há coisas erradas acontecendo no País e nós todos precisamos estar atentos. Precisamos das instituições e da sociedade civil alertas”, afirmou Barroso na primeira sessão do tribunal após o recesso do Judiciário. “Nós já superamos os ciclos de atraso institucional, mas há retardatários que querem voltar ao passado.”
Sem citar Bolsonaro, o ministro destacou que ‘voto impresso não é contenção adequada para o golpismo’ e em várias ocasiões mencionou o perigo de líderes autoritários, extremistas e populistas. Ao abordar avanços autoritários pelo mundo, Barroso disse que líderes com esse perfil, embora eleitos pelo povo, desconstroem pilares da democracia, concentrando os poderes no Executivo, procurando “demonizar” a imprensa e “colonizar” os tribunais constitucionais.
“A ameaça à realização de eleições é uma conduta antidemocrática Suprimir direitos fundamentais, incluindo os de natureza ambiental, é uma conduta antidemocrática. Conspurcar o debate público com desinformação, mentiras, ódio e teorias conspiratórias é conduta antidemocrática”, disse Barroso.
‘Harmonia’. Foi um dia marcado por reveses para o governo. Na primeira sessão deste segundo semestre, o presidente do Supremo, Luiz Fux, também reagiu aos ataques desferidos por Bolsonaro e disse que “os juízes precisam vislumbrar o momento adequado para erguer a voz diante de eventuais ameaças”.
Assim como Barroso, Fux também não citou o nome Bolsonaro, mas o recado foi claro quando ele cobrou respeito às instituições e afirmou que a manutenção da democracia exige permanente vigilância. “Harmonia e independência entre os poderes não implicam impunidade de atos que exorbitem o necessário respeito às instituições”, disse Fux.
A intervenção dos dois magistrados ocorre em momento de crise institucional entre os Poderes, após acusações de Bolsonaro contra a urna eletrônica e sucessivas ameaças às eleições. Para responder aos ataques da cúpula do governo, Barroso também divulgou ontem nota assinada com 15 ex-presidentes do TSE e ministros do Supremo, em defesa da urna eletrônica. O documento contou, ainda, com a assinatura do vice-presidente do TSE, Edson Fachin, e do ministro Alexandre de Moraes, que presidirá o tribunal durante as eleições de 2022.
As mensagem de Fux e Barroso não deixaram dúvidas sobre os destinatários, incluindo no rol os comandantes das Forças Armadas. O Estadão revelou que no último dia 8 o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), recebeu recado do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, por meio de um interlocutor político. Na ocasião, o general pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022 sem aprovação do voto impresso, atualmente em tramitação na Câmara. Lira procurou Bolsonaro e disse a ele que não contasse com a Câmara para rupturas institucionais.
Pouco depois do discurso do presidente do Supremo, Bolsonaro deu uma resposta. “Queremos uma farsa no ano que vem ou uma eleição marcada por suspeição?”, perguntou, em cerimônia no Ministério da Cidadania. “Chefe de Poder tem limite. Não é ‘o que eu quero, pode confiar’. É o povo que tem de confiar”, disse o presidente
Bolsonaro reclamou que “não se pode falar a verdade” no Brasil, sob pena de sofrer processo “até de impeachment”, no seu caso. “Somos castrados”, afirmou. “Se nos calarmos, nos curvarmos ao politicamente correto para atender às velhas práticas, (…) nós todos sucumbiremos.”