Imagina se o simples ato de sentir (ou não sentir) um aroma pudesse ser o primeiro sinal de que algo mais sério está por vir. Uma equipe de cientistas na Alemanha acaba de trazer à tona uma descoberta curiosa, e promissora, que liga o olfato à fase inicial da doença de Alzheimer. A investigação, publicada na revista Nature Communications, não só elucida um mecanismo cerebral pouco explorado como também sugere caminhos para intervenções precoces, num momento em que cada detalhe conta.
Segundo os pesquisadores liderados por Jochen Herms, da Universidade de Munique, o sistema imunológico atuando dentro do cérebro, por meio de microglia, pode atacar fibras nervosas cruciais que conectam o bulbo olfativo ao locus coeruleus, o centro que auxilia na percepção dos cheiros. Esse processo ocorre porque as membranas dos neurônios afetados passam a exibir a substância fosfatidilserina em sua superfície externa, um “sinal de comida” que convida a ação das microglia.
O achado se sustenta em evidências consistentes colhidas em três frentes: testes com camundongos (que revelaram perda precoce dessas conexões), PET scans em pacientes vivos (indicando alterações nas regiões olfativas) e análise de tecidos cerebrais de indivíduos que faleceram com Alzheimer (comprovando alterações químicas que induzem o ataque imunológico).
O próprio Herms reconhece o potencial dessa descoberta como uma espécie de “sinal de alerta” precoce: “Nossas descobertas podem abrir caminho para a identificação precoce de pacientes com risco de desenvolver Alzheimer… Isso permite que eles passem por testes abrangentes para confirmar o diagnóstico antes que os problemas cognitivos surjam.”
Por que o olfato é tão importante na prevenção?
Há evidências anteriores, como um estudo de longa duração com quase 3.000 adultos mais velhos (entre 57 e 85 anos) nos EUA, que já apontavam que pessoas com olfato prejudicado tinham duas vezes mais chance de desenvolver demência em cinco anos em comparação àquelas com olfato normal. E essa perda olfativa costuma preceder sintomas mais clássicos, como o comprometimento de memória, segundo a Universidade de Chicago.
Além disso, outro estudo, publicado na Springer Nature, com acompanhamento por 12 anos reforça que o prejuízo olfativo isolado, ou combinado à deficiência cognitiva, é um indicador robusto e precoce de risco de demência.
Enquanto essa pesquisa oferece uma luz nova no diagnóstico precoce, os dados também mostram que o cenário atual carece de estrutura adequada. Estima-se que 944.000 pessoas no Reino Unido vivam com demência, número que deve ultrapassar 1 milhão até o final da década, de acordo com projeções recentes.
Em paralelo, um levantamento da Alzheimer’s Society, encomendado à Walnut Unlimited com quase 3.500 participantes, pacientes, familiares e cuidadores não remunerados, revelou que apenas um terço dos entrevistados teve uma experiência positiva com o diagnóstico. Mais da metade (52 %) enfrentou longos tempos de espera, e 41 % precisaram recorrer a vários profissionais para conseguir uma avaliação.
A professora Fiona Carragher, diretora de políticas e pesquisas da instituição, resume a gravidade: “Quase um milhão de pessoas vivem com demência, mas sua escala e as realidades cotidianas muitas vezes permanecem ocultas… Um diagnóstico precoce e preciso é vital para permitir que pessoas que vivem com demência tenham acesso aos cuidados, apoio e tratamentos de que tanto precisam.”
E se o “nariz” for nossa nova ferramenta?
A grande sacada deste estudo está no potencial de transformar um sentido simples em um rastreador acessível para Alzheimer. Medicamentos recentes, como os anticorpos contra beta-amiloide, são eficazes quando administrados no estágio inicial da doença, e identificar pacientes antes da perda de memória pode ampliar consideravelmente sua eficácia.
Como afirma Herms: “Isso permitiria uma intervenção mais precoce com anticorpos beta-amiloides, aumentando a probabilidade de uma resposta positiva.”
Fonte: O Globo