O Conselho Federal de Medicina (CFM) liberou a prática da ozonioterapia para diversos tratamentos no Brasil. Segundo a nova resolução 2.445/2025, a técnica passa a ser permitida de forma tópica para feridas infecciosas agudas e úlceras venosas crônicas, arteriais isquêmicas e decorrentes do pé diabético. Além disso, pode ser realizada de forma injetável, como terapia adjuvante, para osteoartrite de joelho e dor lombar por hérnia de disco.
A ozonioterapia é uma prática antiga que envolve uma mistura do gás ozônio, que tem potencial oxidante e bactericida, com oxigênio. Ela pode ser aplicada de diversas maneiras no paciente, como na pele ou por injeção. Em tese, o uso melhoraria a oxigenação dos tecidos e levaria a um fortalecimento do sistema imunológico.
No entanto, as alegações de benefícios na prática clínica são questionadas por entidades médicas que citam a ausência de evidências científicas robustas para apoiar o tratamento. É o que diz o infectologista Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
“Não temos nenhuma evidência científica para tratar feridas infecciosas, de que isso vá fazer alguma diferença no tratamento. O que fazemos que tem evidência, por exemplo, é (terapia) hiperbárica. Mas para ozonioterapia, não conheço evidências robustas, nem para feridas infecciosas, nem para nenhum outro tratamento”.
Do outro lado, a Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz) comemorou a nova norma do CFM. Em nota, disse ser “um marco regulatório sem precedentes” e que, “partir de agora, a ozonioterapia poderá ser aplicada com ainda mais respaldo, responsabilidade e integração aos protocolos clínicos”.
Segundo o conselheiro do CFM e relator da resolução, Diogo Sampaio, a nova norma segue uma lei sancionada em 2023 que autorizou a prática no país e regulamenta o uso da técnica na medicina.
Para ele, é “o cumprimento do dever do CFM de definir os critérios, indicações e limites para a prática segura do ato por médicos, após anos em que o procedimento foi mantido em caráter experimental e diante da necessidade de nova análise à luz das evidências científicas atuais”.
De acordo com o relator, foi realizada uma “análise criteriosa e segmentada” das evidências científicas disponíveis sobre desfechos clínicos da ozonioterapia para indicações específicas, em especial para o tratamento de diferentes tipos de feridas e dores musculoesqueléticas.
A norma estabeleceu que, para feridas infecciosas agudas e úlceras de pé diabético, arteriais isquêmicas e venosas crônicas, a terapia poderá ser feita em ambiente médico adequado pelas técnicas de bolsa plástica hermética (ozone bagging), óleo ou pomada ozonizada.
Já no tratamento complementar de osteoartrite de joelho, a ozonioterapia poderá ser aplicada por meio de injeção intra-articular em clínicas especializadas ou consultórios médicos com infraestrutura adequada. Para dor lombar por hérnia de disco, o uso deverá ser por meio de injeções paravertebrais ou intradiscais em ambiente hospitalar com técnica asséptica rigorosa e orientação por imagem.
Os estudos mais robustos citados pelo Conselho, no entanto, não encontraram benefícios claros da ozonioterapia. Entre a literatura analisada pelo CFM, estão duas revisões de trabalhos publicadas na Cochrane, considerada o nível mais alto de evidência científica.
Em um deles, a conclusão foi de que, “com base nas informações limitadas e de baixa qualidade disponíveis, os autores da revisão não foram capazes de tirar quaisquer conclusões sobre a eficácia da terapia com ozônio no tratamento de úlceras nos pés em pessoas com diabetes”.
Já no outro, os pesquisadores escreveram que “não há evidências sólidas a favor ou contra o uso de qualquer tipo de terapia por injeção para indivíduos com dor lombar subaguda ou crônica”.
Cenário no Brasil
Pelo mundo, a ozonioterapia é permitida em alguns países, como Portugal, e proibida em outros, como nos Estados Unidos. No país norte-americano, a Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora, diz que a quantidade de ozônio necessária para ter um efeito germicida é muito superior à tolerada pelo ser humano.
No Brasil, o cenário é complexo. Enquanto alguns conselhos, como o de Farmácia e de Biomedicina, já regulamentavam seu uso, o CFM proibia a técnica desde 2018, liberando-a apenas no contexto experimental de pesquisas clínicas. No entanto, em 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei que liberou todos os profissionais de saúde a prescreverem a técnica como tratamento complementar.
Na época, entidades médicas pediram que a lei fosse vetada, como a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Academia Nacional de Medicina (ANM). Em uma carta a Lula, a ANM defendeu que a ozonioterapia gera “um risco de ilusão em pessoas leigas (…) de que condutas dessa natureza possam ter efeito terapêutico”.
Ainda assim, os procedimentos são facilmente encontrados em anúncios nas redes sociais e clínicas privadas com promessas que vão desde o tratamento de câncer até de problemas de reprodução, dores crônicas, infecção pelo HIV, diabetes, entre uma série de outras doenças.
Além disso, a Anvisa permite a regularização de equipamentos de ozonioterapia somente para a área odontológica e estética, considerando que não há evidências para outros usos, e que eles podem configurar infração sanitária. Em 2023, porém, especialistas alertaram que a nova lei abriu uma brecha para que aparelhos regularizados para essas áreas passassem a ser utilizados com finalidades distintas sem grandes repercussões.
Na nova norma, o CFM determinou que apenas podem ser utilizados equipamentos devidamente regularizados pela Anvisa. Além disso, que o médico responsável mantenha registro sistemático em prontuário, detalhando a indicação, a técnica utilizada, a concentração de ozônio, o tempo de exposição ou volume injetado, a frequência das aplicações e os desfechos clínicos observados.
Fonte: O GLOBO