O número de novos casos de HIV entre idosos cresceu 416% na última década, saindo de 378, em 2012, para 1.951, em 2022, segundo dados do último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde sobre o tema. A faixa etária dos 60 anos ou mais também passou de representar 2% de todas as novas infecções com o vírus para 4% no ano mais recente.
O cenário levou a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) a emitir um alerta nesta semana. Nele, a entidade afirma que, embora o mês de dezembro seja dedicado ao combate do HIV/Aids e outras infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), os idosos geralmente não são os alvos das campanhas, ainda que vivam um aumento importante nos casos de HIV.
Ao longo da última década, os dados mostram que os casos de Aids, a síndrome de imunodeficiência que pode ser causada quando as pessoas que vivem com HIV não aderem corretamente ao tratamento, também cresceram. Em 2012, foram 1.930 novos registros, o que aumentou 38% e chegou a 2.657 em 2022. Em relação aos óbitos por HIV/Aids, o número saiu de 980 para 1.827, alta de 86%.
Para o geriatra e presidente da SBGG, Marco Túlio Cintra, a realidade expõe uma necessidade de orientação das medidas preventivas, de garantia do diagnóstico precoce e de acesso aos tratamentos contínuos e especializados para os idosos que vivem com HIV.
“Não podemos nos esquecer da questão da saúde mental e emocional dessas pessoas, uma vez que o estigma social relacionado ao HIV e à Aids pode afetar a autoestima e o bem-estar psicológico do idoso. Assim, esse suporte deve fazer parte do tratamento”, acrescenta o médico, em comunicado.
Em relação aos motivos para o aumento, Túlio Cintra acredita que não há uma única causa. Um primeiro fator, aponta, é o baixo uso de preservativos, já que não existe mais a preocupação com uma possível gravidez. Já o segundo é a popularização dos medicamentos contra a disfunção erétil, que prolongaram a vida sexual de muitos homens, avalia o médico.
Além disso, ele cita que há uma vida sexual mais ativa na faixa etária por muitos serem divorciados ou viúvos, e hoje haver ferramentas que facilitam os encontros, como aplicativos de relacionamento. No entanto, não são apenas contextos sociais que explicam a alta.
A SBGG explica que os riscos de infecção também são ampliados por questões biológicas, como a pouca lubrificação da vagina e do ânus e a fragilidade do sistema de defesa do organismo nestas regiões do corpo em idades mais avançadas, o que facilita a entrada do HIV.
Uma preocupação dos especialistas é que, embora tenha ocorrido um aumento do número de testes e diagnósticos, as informações sobre acesso ainda são divulgadas “de forma insuficiente”, o que por sua vez contribui para que os casos sejam identificados em estágios mais avançados.
“Infelizmente, mesmo quando o idoso já apresenta sintomas, como emagrecimento acentuado, os médicos sempre suspeitarão de câncer ou outra doença, mas nunca do vírus HIV. Esse ainda é um tabu dentro dos consultórios. É mito acreditar que idosos não tenham mais libido e vida sexual ativa, e isso prejudica a prevenção da doença e o diagnóstico precoce”, diz o presidente da entidade médica.
Além de defender mais campanhas voltadas aos idosos para reforçar a prevenção, Túlio Cintra diz que é preciso um maior cuidado com o paciente diagnosticado. Cita que a reação do indivíduo com 60 anos ou mais ao descobrir o HIV costuma ser de negação, raiva, perplexidade ou tristeza.
Por isso, é importante que o geriatra demonstra acolhimento ao paciente e esclareça sobre a terapia. “Felizmente, hoje existem tratamentos eficazes com as chamadas terapias antirretrovirais, que permitem controlar a carga de vírus”, explica.
Ele lembra que o uso desses medicamentos tem algumas particularidades na faixa etária por ser comum que o idoso tenha comorbidades e doenças crônicas. Por isso, o médico precisa estar apto a adaptar o tratamento e escolher remédios que não prejudiquem o funcionamento dos rins, do coração ou dos ossos, por exemplo.
Túlio Cintra explica ainda que, em determinados casos, por causa da interação medicamentosa, é necessário ajustar as dosagens ou os princípios ativos para controlar enfermidades como diabetes, dislipidemia e hipertensão, comuns em idades mais avançadas.
Oferecimento gratuito de injeção bimestral preventiva contra HIV
A incorporação do novo medicamento preventivo contra HIV cabotegravir no Sistema Único de Saúde (SUS) já está em negociação, envolvendo governo, médicos e laboratório. O fármaco de uso PrEP (profilaxia pré-exposição) é aquele capaz de impedir a infecção pelo vírus com injeções bimestrais.
A Anvisa já aprovou o medicamento no país em abril. A Fiocruz deve finalizar em breve o estudo de implementação que avalia a possibilidade de adoção pelo SUS, do ponto de vista técnico. Uma vez finalizado, no caso de resultado recomendando a adoção, o documento é submetido ao órgão de governo que avalia o custo-benefício da incorporação do produto.
Quem faz a avaliação do ponto de vista mais financeiro é a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), subordinada ao Ministério da Saúde.
Antes de mesmo de ser anunciado oficialmente o resultado da avaliação da Fiocruz, o medicamento produzido pela multinacional farmacêutica GSK, em parceria com o laboratório ViiV Healthcare, já é alvo de entusiasmo por parte de médicos.
“Assim que a gente tiver os resultados, e a gente já viu de forma preliminar os resultados, isso vai ser encaminhado para a Conitec”, afirmou na semana passada o médico Alexandre Naime, coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), no lançamento de uma campanha informativa contra o HIV.
Boa parte da empolgação que os cientistas deixam extravasar com o cabotegravir é que o medicamento representou um grande ganho contra a taxa de infecção em países da África, onde questões culturais, como rejeição ao preservativo, ainda atrapalham as políticas contra a epidemia do vírus.
A expectativa é que a incorporação da PrEP injetável no sistema de saúde tenha um bom custo-benefício, porque investimentos em prevenção em geral se compensam mais adiante, evitando despesas com terapia antirretroviral e acompanhamento para quem já é soropositivo.
Fonte: O Globo